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segunda-feira, 22 de março de 2010

Norton de Matos A campanha eleitoral contra a ditadura fascista foi há 60 anos


Norton de Matos
A campanha eleitoral contra a ditadura fascista foi há 60 anos


Francisco Canais Rocha
Historiador
A campanha eleitoral do general Norton de Matos (1867-1955) à presidência da República, em 1949, contra o candidato do regime, o general Óscar Carmona (1869-1951), é um marco assinalável na longa luta travada pela Oposição Democrática conta a ditadura fascista, que durante 48 anos oprimiu o povo português e os povos coloniais. Ela marca o fim da primeira grande crise do regime fascista, iniciada no rescaldo da II Guerra Mundial (1939-1945).
Mobilizando centenas de milhares de portugueses, em comícios realizados por todo o País, alguns dos quais ao ar livre (como o comício do Centro Hípico da Fonte da Moura, no Porto, em que estiveram presentes mais de cem mil pessoas), Norton de Matos representou a primeira ameaça séria ao regime do Estado Novo, como se intitulava a ditadura salazarista. Sentindo o perigo, o regime responde à ofensiva da Oposição Democrática aumentando a repressão e a propaganda caluniosa, demonstrando não ceder às exigências dos democratas, centradas nas condições mínimas para umas eleições livres.
slogan da campanha eleitoral era: «Sem eleições livres, não votes». Norton de Matos tinha assumido o compromisso de não se prestar a participar numa farsa eleitoral, que era o que pretendia o regime, para se prestigiar no estrangeiro. Assim, em 12 de Fevereiro de 1949, Norton de Matos anuncia a sua desistência de concorrer às pseudo-eleições, justificando essa decisão com as medidas antidemocráticas impostas pela ditadura fascista.
Da II Guerra Mundial à oposição ao fascismo
Em 1 de Setembro de 1939, tem início a II Guerra Mundial, desencadeada pela Alemanha hitleriana, que ocupa militarmente quase toda a Europa. Dois anos mais tarde, os EUA e a URSS são arrastados para o conflito e a guerra espalha-se por todo o Mundo. Formam-se então dois blocos beligerantes. De um lado as Nações Aliadas, com os EUA, a URSS e a Inglaterra à cabeça. Do outro, as potências do Eixo, com a Alemanha, a Itália e o Japão.
Portugal não participou no conflito que ensanguentou a Europa. Todavia, isso não impediu que os efeitos da guerra se fizessem sentir duramente no nosso país. O aumento desenfreado da inflação; a escassez e o racionamento dos géneros de primeira necessidade; o mercado negro e a especulação; o congelamento dos salários e o aumento da jornada de trabalho de 8 para 10 horas diárias, seis dias por semana, tais são os efeitos da guerra em Portugal. Entretanto, Lisboa torna-se o paraíso dos espiões.
Em 12 de Agosto de 1941, o presidente dos EUA, Roosevelt, e o primeiro-ministro da Inglaterra, Churchill, assinam a Carta do Atlântico onde, entre outras coisas, se afirma que, uma vez conquistada a paz, será respeitado o direito dos povos a disporem de si próprios e a escolherem as suas estruturas políticas e sociais. Era a condenação das ditaduras.
As transformações na cena internacional, favoráveis aos Aliados, por um lado, e o movimento grevista de 1942 e 1943, conduzido pelo PCP, assim como as marchas de fome então levadas a cabo, por outro lado, criaram as condições objectivas para que as oposições ao fascismo unissem esforços e pusessem de pé um forte movimento antifascista. Assim, em Dezembro de 1943 é fundado o MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista), presidido pelo general Norton de Matos. O MUNAF era um movimento clandestino, no qual estavam representados todos os partidos e correntes políticas.
A guerra termina em 8 de Maio de 1945. Nesse dia, dão-se por todo o País grandes manifestações populares de regozijo pelo fim do conflito e de apoio aos Aliados. A esperança no fim da ditadura que oprimia o povo português nunca fora tão grande. Pressionado pelos acontecimentos externos e internos, Salazar dissolve a Assembleia Nacional fascista (o que acontece pela primeira e única vez) e convoca «eleições» para o dia 18 de Novembro de 1945, «tão livres como na livre Inglaterra»!
Em 8 de Outubro, a Oposição Democrática realiza a sua primeira sessão pública, no Centro Escolar Republicano Almirante Reis, em Lisboa. Participam na reunião centenas de oposicionistas. Essa reunião marca o nascimento do MUD (Movimento de Unidade Democrática), movimento legal e cívico, de expressão apartidária, representando toda a oposição ao regime fascista. O MUD ramifica-se rapidamente por todo o País. Em Abril de 1946 é fundado o MUD Juvenil, que se define como um movimento unitário, autónomo e democrático da juventude portuguesa.
As pseudo-eleições têm lugar em 18 de Novembro, mas o MUD não concorre ao acto, por considerar não haver as condições mínimas para isso. A partir desta data, a Oposição Democrática impõe a legalização do MUD e decide manter a sua actividade legal para além dos períodos «eleitorais».
Entretanto, o inquérito ordenado pelo fascismo às listas de assinaturas de apoio ao MUD e a prisão de dirigentes do mesmo (como foi o caso da Comissão Distrital do Porto) revelaram que Salazar só aguardava uma oportunidade, para cair em força sobre a Oposição Democrática, o que veio a acontecer em 1947. Em Janeiro desse ano têm lugar as greves das construções navais em Lisboa. Em Março surgem as lutas juvenis, por causa da proibição da Semana da Juventude,promovida pelo MUD Juvenil de 21 a 28 desse mês. Por outro lado, fracassa mais uma tentativa militar contra o regime, encabeçada pelo general Marques Godinho.
Perante estes acontecimentos, e seguro de que as Nações Unidas (criadas em 1945) não aplicariam os princípios da Carta do Atlântico, Salazar lança uma ofensiva repressiva. Assim, são expulsos das Forças Armadas dezenas de oficiais; são afastados da Função Pública milhares de funcionários, entre os quais 26 professores universitários, dos melhores que o País possuía; são deportados para o Campo de Concentração do Tarrafal 29 operários. Além disso, são presos centenas de democratas e antifascistas.
A candidatura de Norton de Matos
Em 1947 Salazar ilegaliza o MUD, através de um despacho do novo ministro do Interior, Augusto Cancela de Abreu. No entanto, a Oposição Democrática não cede e decide apresentar, no ano seguinte, o general Norton de Matos como candidato à Presidência da República, cuja «eleição» teria lugar em 18 de Fevereiro de 1949. Esta «eleição» presidencial era a primeira «eleição» «aberta» a outras candidaturas, que não a do partido único instituído por Salazar, a União Nacional.
general do Exército com uma folha de serviços distinta, Norton de Matos aderiu ao Partido Democrático após a implantação da I República (1910-1926). De 1912 a 1915 foi Governador-Geral de Angola. Em 1915 foi nomeado ministro das Colónias e, de seguida, ministro da Guerra, sendo o responsável pela organização do CEP (Corpo Expedicionário Português), que combateu em França e em África durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), embora Portugal só entrasse no conflito em 1916. Após o armistício desempenhou cargos diplomáticos, primeiro como delegado à Conferência da Paz (1919), e depois como embaixador de Portugal em Londres. De 1920 a 1924 volta a Angola como Alto Comissário. Regressa a Londres como embaixador, onde é surpreendido pelo golpe de Estado militar de 28 de Maio de 1926. Destituído de todos os seus cargos políticos, é preso e deportado para os Açores, onde permanecerá até 1929. De 1929 a 1935 foi Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa e presidente da Aliança Republicano-Socialista, mantendo sempre uma postura antifascista. A sua candidatura à Presidência da República, nas «eleições» de 1949, é o culminar deste percurso. No manifesto que dirigiu ao povo português, após aceitar ser candidato de toda a Oposição Democrática, Norton de Matos afirmava: «Cansado de divergências internas, o povo português deseja que todos os habitantes de Portugal sejam acima de tudo portugueses; que a tolerância e o respeito pela pessoa humana os liguem a todos e permitam a cada um viver a sua vida sem o terror desmoralizante da incerteza.»
A campanha eleitoral inicia-se em 3 de Janeiro de 1949. Por todo o País realizam-se dezenas de comícios. No Porto ficaram célebres os comícios do Campo do Salgueiros e do Centro Hípico da Fonte da Moura, em que participaram mais de cem mil pessoas. Em Lisboa foi na Voz do Operário; em Coimbra, no Teatro Avenida; em Aveiro, no Cine-Teatro Avenida. Por toda a parte o entusiasmo da multidão era indescritível. No comício, efectuado no Porto, em 23 de Janeiro, Norton de Matos afirmava: «Não poderá existir nessa Segunda República nada de totalitário, de nazista e de fascista, de anti-democrático, de contrário aos direitos fundamentais do homem, da falta de respeito à pessoa humana, de exploração do homem pelo homem.»
Em 7 de Fevereiro de 1949 realiza-se no Centro Republicano Dr. António José de Almeida, em Lisboa, uma assembleia de delegados do MUD. Em virtude de Salazar se recusar a abrir mão das «condições mínimas», exigidas pela Oposição para um acto eleitoral isento, a assembleia decide não participar na «eleição». Norton de Matos renuncia à candidatura em 12 de Fevereiro. No dia seguinte o Governo manda tropas para o Alentejo litoral e fronteiriço, a fim de «manter a ordem», como ele dizia. Um manto de silêncio, de medo e de opressão recobre a sociedade portuguesa de então. É neste clima que tem lugar a «eleição» de 18 de Fevereiro.
Segundo dados do INE, em 1950 Portugal tinha 8 502 030 habitantes. A população com 21 ou mais anos, que deveria ter direito de voto, era de 5 427 936 pessoas. Nos cadernos eleitorais fascistas estavam inscritos 1 128 198 eleitores. O número de votos foi de 875 598, isto é, de 16 por cento apenas! Não eram decerto «eleições (tão) livres como na livre Inglaterra», mas eram seguramente «para inglês ver». (1)
____________________________________________(1) Uma Oposição Indomada e Indomável, campanha eleitoral do general Norton de Matos, 1948-1949,Catálogo da Biblioteca-Museu República e Resistência, Lisboa, 1993, p. 42.

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