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quarta-feira, 24 de março de 2010

A política Colonial e a Viragem dos anos 60

A viragem dos anos 60
a) A fase «liberal» (1961-1971)
Em 1961 o desencadeamento da revolta nacionalista pôs fim à estagnação que reinava na colónia
desde os tempos «áureos» de Norton de Matos no início dos anos 20. As novas condições políticas exigiam
de imediato soluções económicas capazes de ultrapassar a paralisação dos investimentos e a incerteza que
em 1961 se apoderou dos empresários, dos detentores de capitais e, de uma maneira geral, de todas as
classes sociais angolanas.
A resposta surgiu finalmente em Novembro de 1961 com a publicação do Decreto-Lei n.º 44016 que
inaugurou a aqui chamada «fase liberal» da colonização portuguesa em Angola.
É um projecto a longo prazo, onde se consigna a «abolição progressiva das restrições quantitativas e
das barreiras alfandegárias e a liberalização crescente das prestações de serviços e dos movimentos de
capitais» (1). Para a liquidação das transacções entre os territórios sob jurisdição portuguesa e entre estes
e o estrangeiro foi constituído um regime de pagamentos. No Fundo Monetário da Zona Escudo (FMZE)
foi criado um capital de 1500 milhares de contos para solver os desequilíbrios das balanças de
pagamentos interterritoriais, atribuindo-se a Angola uma quota-parte de 850 000 contos no FMZE (2). Este
mecanismo começou a funcionar em 1963.
Conforme se pode verificar pela evolução dos saldos dos vários postos da balança de pagamentos de
Angola entre 1960 a 1973 (Quadro n.º1) registou-se a partir de finais de 1963 uma acumulação de saldos
negativos. A sua evolução foi tão rápida que a colónia esgotou nesse mesmo ano o crédito automático a
que tinha direito. Desde então a formação de «atrasados» (3) nas liquidações à metrópole deu origem a
situações de tensão política, ainda que velada, entre as classes procedentes de Angola (a que
chamaremos «burguesia colonial») e as de Portugal continental («burguesia metropolitana») (4).
Apesar de tudo a «fase liberal» permitiu um crescimento económico como nunca antes fora registado
na colónia durante a vigência do Regime. Por exemplo o comércio externo (importações mais
exportações) apresentou, entre os quinquénios (1956-60 e 1968-72 uma taxa de crescimento de 200%,
enquanto que o número de dependências e agências bancárias em todo o território angolano, que era de
17 em 1960 (pertencentes a dois bancos), foi acrescido, entre 1961 e 1968, de 91 estabelecimentos
suplementares pertencentes agora a 5 bancos (5). Por sua vez os meios de pagamentos de Angola
(imediatos e quase imediatos) passaram de 4860 milhares descontos em 1962 a 25 826 milhares de
contos em 1972 (taxa de crescimento: 431 %) (6).
Os impedimentos para instalar indústrias na colónia foram consideravelmente atenuados ou mesmo
eliminados, embora só em 1969 se tenha conseguido vencer a resistência do têxtil metropolitano que se
opunha à criação de unidades concorrenciais nas colónias (7).
As indústrias extractivas receberam um tratamento extremamente favorável nos investimentos
previstos pelo III Plano de Fomento (1968-73). Por exemplo, entre 1960 e 1972 a produção de minério de
ferro passou, em números redondos, de 660 mil toneladas a 4830 mil toneladas (taxa de crescimento: 631
%) enquanto que a produção de petróleo bruto variou, durante o mesmo período, de 67 mil toneladas a
7075 mil toneladas (taxa de crescimento: 10 432%) (8).
Também as indústrias transformadoras registaram um incremento por vezes considerável entre 1962 e
1972, multiplicando o valor da sua produção (a preços correntes) por cinco ou seis vezes (têxteis, produtos
químicos, produtos minerais não metálicos) ou ainda (papel e borracha). Indústrias transformadoras que
nem sequer existiam em Angola em 1962, como as de produtos metálicos de base, as indústrias de
construção de máquinas e as de material de transporte, apresentavam em 1972 valores de produção já
significativos.
Mas os resultados obtidos durante a «fase liberal» da década de 60 foram acompanhados por
dificuldades económicas crescentes. O agravamento do défice da balança de pagamentos de Angola a que
já fizemos referência criou problemas, remediáveis se a política financeira do Regime fosse outra mas
insustentáveis no modelo em vigor. Calcula-se que, uma vez deduzidas as amortizações que foram sendo
efectuadas, a dívida externa acumulada de Angola rondava os 5000 milhares de contos em 1971.
O postulado «liberal» que inspirara o Decreto-Lei n.º44 916, de 1961 partira do princípio assaz clássico
que a simples liberalização das trocas se encarregaria de restabelecer os equilíbrios e promover o
desenvolvimento económico e social da colónia. Não se efectuaram as reformas prévias indispensáveis
que, pelo menos, deveriam ter acompanhado uma tal abertura. Por exemplo o II Plano de Fomento não
consagrava qualquer rubrica à saúde e o III Plano só lhe atribuía cerca de 1,9% do investimento global.
Também não foram tomadas medidas destinadas a canalizar para Angola receitas que normalmente lhe
deveriam pertencer, como os rendimentos das grandes empresas multinacionais que escapavam ao
controlo cambial. Era o caso da Diamang, da Companhia Mineira do Lobito, do Caminho de Ferro de
Benguela, etc. Apesar do artigo 47.º do Decreto-Lei n.º44016 prever a revisão do regime cambial da
Diamang até 1 de Julho de 1962, tal revisão nunca foi feita apesar dos protestos de membros do próprio
governo de Angola (9). Do mesmo modo a “Tanganica Concessions” fazia entrega dos seus dividendos,
directamente ao Tesouro metropolitano, enquanto que o projecto de criação de uma indústria de lapidação
de diamantes em Angola, de relativamente fácil execução, nunca foi além da declaração de intenções
mercê da resistência dos interesses ligados à Diamang.
Enfim a própria filosofia «liberal» deste período tinha um alcance relativamente limitado como o
demonstram as críticas e os protestos da burguesia colonial de Angola. Se a Metrópole, diziam, podia não
comprar, se tal lhe conviesse, mercadorias em Angola, esta tinha de «obrigatoriamente adquirir na
Metrópole produtos que poderia comprar noutros mercados em melhores condições de preço» (10). A
Associação Industrial de Angola e, sobretudo, a Associação Comercial de Angola faziam-se, sobretudo a
partir de finais dos anos 60, amiúde eco de velhos ressentimentos da burguesia colonial e as palavras dos
seus representantes tomavam por vezes foros de ameaça velada por onde espreitava a autonomia política
quando não mesmo a «independência à Rodesiana».
O optimismo liberal posto em prática em 1961, sem visão nem estratégia capaz de impor reformas
imediatas, revelou-se insuficiente. Quaisquer que fossem as vantagens do Decreto-Lei n.º44 016, ele
compreendera mal a realidade dos territórios colonizados ao aceitar o princípio de que qualquer «eventual
desequilíbrio nas suas balanças de pagamentos se deveria atribuir a causas conjunturais ou acidentais e
não a males de estrutura» (11). Segundo Costa Oliveira as dificuldades de Angola provinham em grande
parte de uma inversão da estratégia que deveria ter sido seguida: primeiro o desenvolvimento de Angola e
só depois a livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais entre os territórios. «Esta inversão do
processo levou a que o esquema de desarmamento inicial fosse atrasado ou mesmo anulado e, em alguns
casos, a que se tivesse de voltar a situações de maior dureza que as verificadas antes do início da
integração» (12).
Os dez anos que decorreram a partir de 1961 acentuam portanto a raiz extrovertida da economia
angolana, subdesenvolvida e dependente, provocaram uma dívida externa considerável e agitaram a já
suspeita burguesia colonial aos olhos do governo de Lisboa. Em 1971 o governo central pôs fim à
experiência «liberalizante» do «Decreto-Lei n.º44016 e, em sua substituição, promulgou o Decreto-Lei
n.º478171 que, implicitamente, anunciava uma viragem mais profunda do que a sua leitura levava a crer.
b) A «fase proteccionista» (1972-74)
O Decreto-Lei n.º47817liniciou uma fase em que alguns viram a aplicação de uma nova política de
«proteccionismo educador», o compasso de espera indispensável à preparação das sempre adiadas
reformas de estrutura.
Começando por determinar a limitação das transferências às possibilidades de cobertura de maneira a
eliminar os «atrasados», ele impunha uma nova disciplina na criação de moeda em coordenação com a
balança de pagamentos, estipulava a generalização do registo prévio para a importação, o qual passou
desde logo a ser extensivo às compras na própria Metrópole e punha entre parênteses o discurso sobre a
«integração económica nacional» tão repetido na década de 60.
Aparentemente a palavra de ordem eram o pragmatismo e a eficácia «economicista». O que fez dizer
ao Presidente da Associação Industrial de Angola, talvez com uma ponta de desdém, que o Decreto-Lei
478171 «não foi além de procurar alcançar o saneamento das balanças de pagamentos dos territórios
ultramarinos no mais curto espaço de tempo possível» (13). A opinião tinha a sua verdade, mas a análise
estava incompleta.
O novo decreto subentendia, mais do que anunciava, uma viragem a longo prazo na política económica
da colonização portuguesa. O facto dele atingir pela primeira vez os interesses vitais de certos sectores das
burguesias colonial e metropolitana que, até aí, tinham ficado invariavelmente ao abrigo da concorrência e
beneficiado de rendas de situação, é, por si só, um elemento significativo.
De facto a nova lei atingia directamente os produtores e exportadores metropolitanos ligados às
indústrias transformadoras pouco rendíveis ou condenadas mais ou menos a prazo, bem como os
importadores em Angola de produtos portugueses desses mesmos sectores. Ao dividir os contingentes de
produtos importados em 5 grupos de prioridades (desde os bens de equipamento essenciais às
mercadorias cuja produção em Angola tinha, ou poderia vir a ter, condições para satisfazer as necessidades
internas), o decreto vibrava assim um golpe às indústrias marginais da Metrópole, tecnologicamente
ultrapassadas, fornecedoras de bens de consumo e, por conseguinte, não incluídas no primeiro grupo de
prioridades previsto (constituído por bens de equipamento que eram essencialmente fornecidos pelo
estrangeiro).
Certos autores viram aqui mais uma prova da «subordinação da economia portuguesa aos interesses
estrangeiros», relativamente pouco atingidos pelo decreto já que era a indústria estrangeira que produzia
cerca de 80% das mercadorias do 1.° e do 2.°grupos de prioridades compradas por Angola.
A tese não é original nem tão pouco convincente. Na verdade havia já vários anos que Portugal
solicitava a abertura de negociações com a CEE a exemplo da Grã-Bretanha. Aliás desde 1963 que a
Associação Comercial de Lisboa falava já do período da EFTA como de um passado praticamente
enterrado (14). Relembre-se também que foi em 22 de Junho de 1972 que Portugal assinou finalmente um
acordo comercial com a comunidade europeia após demoradas conversações. Por seu turno o Governador
do Banco de Angola escrevia em 1972 que era imperioso «harmonizar as nossas próprias forças
económicas e melhorar o seu potencial competitivo externo para enfrentar o clima de progressivo
desarmamento aduaneiro, ditado especialmente pela integração económica europeia» (15).
Toma-se claro que, a longo prazo, a viragem de 1971 tinha dois objectivos complementares: restaurar
o aparelho produtivo metropolitano, reorientando-o e adaptando-o às exigências económicas e tecnológicas
da anunciada integração na Europa e, ao mesmo tempo, robustecer a estrutura produtiva das colónias, em
especial Angola, impondo a montagem in loco de indústrias extractivas e transformadoras competitivas,
vocacionadas para abastecer no futuro um «Espaço Económico Português» integrado e coeso.
Assim o condicionamento das exportações metropolitanas para Angola nada tinha de «paradoxal». Ele
foi, antes de mais, um desafio lançado a longo prazo às actividades produtivas metropolitanas e uma
tentativa de ajustamento às condições políticas e económicas impostas pelo contexto internacional.
Privando as indústrias portuguesas do mercado fácil das colónias e abrindo caminho às indústrias de
substituição de importações em Angola, Portugal «saneava» economicamente o seu território europeu e
deslocalizava para as colónias, com mão-de-obra abundante e barata, as empresas de trabalho intensivo
incapazes de defrontar os aumentos salariais que tinham lugar na Metrópole. Para si reservava os sectores
de tecnologia de ponta (refinarias, electrónica, informática, construção naval, etc.) e o controlo dos circuitos
financeiros.
A esse nível, a almejada integração do Espaço Económico Português tiraria enfim «o maior partido das
vantagens comparativas (de) cada território» (16).
Em resumo, as medidas que as autoridades portuguesas pretendiam tomar com vista à industrialização
de Angola eram, ao fim e ao cabo, um meio que encobria uma finalidade mais vasta: uma nova
redistribuição de funções entre Portugal e a sua colónia nas esferas de produção e de circulação de
mercadorias e de capitais, onde Angola continuaria a desempenhar o papel complementar e indispensável -
ainda que em moldes porventura mais favoráveis do que no passado - à acumulação do capital
metropolitano e, perante as nações europeias, à confirmação da vocação «imperial» portuguesa,
pluricontinental e dispondo de um espaço próprio (a zona escudo). A ocupação económica, política e
geoestratégica de Angola e Moçambique eram um trunfo no confronto Leste/Oeste que se desenrolava já na
África meridional (17) com acesso directo às rotas marítimas que, do Índico ao Atlântico, passavam pelo
Cabo. Mais do que saber se Portugal tinha efectivamente condições para desempenhar por muito tempo o
papel que, nesse capítulo, a si próprio se atribuiu - não sem habilidade e coerência, diga-se de passagem -
importa compreender os fundamentos históricos da racionalidade desse discurso «imperial» e as
vicissitudes que explicam o seu fracasso.

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