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sábado, 12 de junho de 2010

A 13 de Junho de 1993, morreu Hermínia Silva

Hermínia Silva nasceu em 1907, cinco anos depois de Ercília Costa, a primeira fadista que saiu das fronteiras de Portugal. Cedo se tornou presença notada nos retiros de Lisboa, que não hesitaram em contratá-la, pela originalidade com que cantava o Fado. A Canção dos Bairros de Lisboa estava-lhe nas veias, não fôra ela nascida, ali mesmo junto ao Castelo de São Jorge. As “estórias” dos amores da Severa com o Conde de Vimioso estavam ainda frescas na memória do povo. O Fado fazia parte do seu quotidiano.
Rapidamente, a sua presença foi notada nos retiros, e passados poucos anos, em 1929, Hermínia Silva estreava-se numa Revista do Parque Mayer. Era a primeira vez que o Fado vendia bilhetes na Revista. Alguns jornais da época, referiam-se a ela, como a grande vedeta nacional, chegando a afirmar-se, que a fadista tinha “uma multidão de admiradores fanáticos”. A sua melismática criativa, a inclusão no Fado, de letras menos tristes, por vezes com um forte cunho de crítica social, e o seu empenho em trazer para o Fado e para a guitarra portuguesa, fados não tradicionais, compostos por maestros como Jaime Mendes, compositores como Raul Ferrão, criando assim o chamado “fado musicado”, aquele fado cuja música corresponde unicamente a uma letra, se bem que composto segundo a base do Fado, e em especial, tendo em atenção as potencialidades da guitarra portuguesa.
Hermínia Silva torna-se assim, sem o haver planeado, num dos vértices do Fado, tal qual hoje ele existe, enquanto estilo musical: Alfredo Marceneiro foi o primeiro vértice, o da exploração estilística do Fado Tradicional, tendo em Ercília Costa o seu maior ícone; Hermínia viria a trazer o Fado para as grandes salas do Teatro de Revista, e viria a “inaugurar” a futura Canção Nacional, com acompanhamentos de grandes orquestras, dirigidas por maestros, que também eram compositores. A sua fama atingiu um tal ponto que o Cinema, quis aproveitar o seu sucesso como figura de grande plano. Efectivamente, nove anos depois de se ter estreado na Revista, Hermínia integra o elenco do filme de Chianca de Garcia, “Aldeia da Roupa Branca” (1938), num papel que lhe permite cantar no filme. Nascera assim, a que viria a ser considerada, a segunda artista mais popular do século XX português, depois de Amália Rodrigues, o terceiro vértice do Fado, ainda por nascer.
Depois de várias presenças no estrangeiro, com especial incidência no Brasil e em Espanha, Hermínia aposta numa carreira mais concentrada em Portugal. O seu conhecido e parodiado receio em andar de avião, inviabilizou-lhe muitos contratos que surgiam em catadupa. Mas, Hermínia estava no Céu, na sua Lisboa das sete colinas. Em 43, é chamada para mais um filme, o “Costa do Castelo”, em 46 roda o “Homem do Ribatejo”, passando regularmente pelos palcos do Parque Mayer, fazendo sucesso com os seus fados e as suas rábulas de Revista. Efectivamente, Hermínia consegue alcançar tal êxito no Teatro, que o SNI, atribui-lhe o “Prémio Nacional do Teatro”, um galardão muito cobiçado na época. Até 1969, em “O Diabo era Outro”, a popularidade da fadista encheu os écrans dos cinemas de todo o país. Vieram mais Revistas, mais recitais, muitos discos de sucesso…
Mas, para quem quisesse conhecer a grande Hermínia bem mais de perto, ainda tinha a oportunidade de ouro, de vê-la ao vivo e a cores, sem microfone, na sua Casa - o Solar da Hermínia, restaurante que manteve quase até ao fim da sua vida artística. Há memórias de muita gente desse espaço fantástico, que não tive oportunidade de conhecer. O nosso companheiro Raúl, neste “Café Expresso”, editor do blog “Congeminações”, narrou-me uma vez, a noite fantástica que passou com Hermínia, no seu Solar. E muitos portugueses e estrangeiros guardam na memória, a voz e a presença daquela mulher que gostava da vida, e que cantava o Fado.
Felizmente, o Estado Português, o Antigo e o Contemporâneo, reconheceu Hermínia Silva. São vários os Prémios e Condecorações, as distinções e as nomeações, justíssimas para uma artista, que fez escola, e que hoje, constitui um dos três maiores nomes da Canção Nacional, ao lado de Marceneiro e de Amália, que por razões diferentes, pelos “apports” de forma e conteúdo distintos que trouxeram à Canção de Lisboa, fizeram dela, o Fado, tal qual hoje é entendido, cantado, tocado e formatado.
A sacerdotisa cantou quase até partir para a dimensão do Espírito, em 13 de Junho de 1993. Morria assim, uma das maiores vedetas do Fado e do Teatro de Revista Português.
Na plateia do São Luiz, Amália, Fernando Maurício, Beatriz da Conceição, Carlos Zel, António Calvário, Beatriz Costa, o seu afilhado Paco Bandeira, o Primeiro Ministro e o Presidente da República, e tantos outros, artistas, intelectuais, público anónimo, prestigiavam aquela que iria nessa noite cantar, e que iria receber no final do concerto, a Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa.
Esta que vos escreve estas linhas emocionadas, também lá estava, com o encantamento e a timidez dos seus verdes anos, sorvendo a cada momento as palavras, os olhares, sublimando o desejo de ver finalmente, a grande Sacerdotisa de Lisboa.
As primeiras notas dum fado antigo de Hermínia fizeram-se ouvir. E eis que aparece a diva, bem-humorada, com aquele cabelo preto, grandes brincos a balançarem nas orelhas, vestido longo e xaile colorido.
Aplauso retumbante. Adivinhava-se uma grande noite de Fado, uma grande noite de Musica Portuguesa, do melhor que o século XX fabricou. Com um gesto de mãos, joga beijinhos à plateia; olha para trás, a música avança…e cabeça erguida, voz segura e algo jocosa, profere a ordem:
ANDA, PACHECO!
E ainda meneando a cabeça, olhando os músicos, adverte:
BEM PICADINHO, QUE É PR’ À VOZ SOBRESSAIR …

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