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sábado, 5 de junho de 2010

A 6 de Junho de 1599, nasce Diego Velásqez

Diego Rodríguez de Silva y Velásquez (1599-1660)3, um dos maiores artistas de todos os tempos, vai ser o pintor principal da Corte do Rei Filipe IV (1605-1665) de Espanha (terceiro de Portugal), chamado de Rei Planeta, dum império onde “O Sol nunca se punha”, cujo reinado ao prolongar-se desde 1621 até à sua morte em 1665, vai coincidir no tempo com o apogeu e o início da decadência histórica da toda-poderosa Espanha, pela consumação das independências de Portugal e Holanda. Apesar disso, o século XVII é o Século de Ouro espanhol no campo artístico, literário, cultural e religioso.
A sua vida e obra são, uma vez mais, objecto de estudo e investigação. É fácil escrever uma biografia sobre Velásquez, mas não será mais que um curriculum vitae4. É escasso o número de documentos pessoais e oficiais relacionados com a sua obra. De igual modo, ao não assinar a maioria dos trabalhos faz com
que a cronologia dos mesmos seja feita segundo a técnica e normas estilísticas empregues.
A sua pintura, redescoberta nos tempos modernos (igual a outros pintores seus coetâneos), continua a despertar um sentimento concomitante de fascínio e interrogação mas que o mundo hoje cada vez mais respeita e admira. Para se situar, presentemente, no centro do universo artístico, Velásquez pinta pouco mais de cem quadros, mas alguns são extraordinárias obras de arte. O seu naturalismo barroco permite-lhe captar, singularmente o que vê, ao possuir uma admirável capacidade para traçar na tela, as pinceladas precisas com as quantidades ajustadas de pigmentos numa poesia de cores, a fim de produzir o efeito desejado.
O pintor, sua vida e obra
Velásquez vai dedicar toda a energia duma vida à sua arte. Começa a pintar muito cedo, ainda quase criança, porfiando sempre até uns dias antes de morrer. Teve uma existência familiar e económica segura, sem grandes privações ou paixões mal disfarçadas. A sua pintura serena e livre, duma execução contínua mas nunca descomedida, reflecte nas suas várias fases, uma vida tranquila sem sobressaltos nem outras surpresas desagradáveis, para consigo ou a sua família, bem ao contrário do que ocorreu com outro grande pintor da época e em parte rival, no que respeita à hegemonia e importância do legado - estamos a falar conforme não podia deixar de ser de Rembrandt van Rijn (1606-1669).
Baptizado na igreja de São Pedro em Sevilha, a 6 de Junho de 15995, logo muito provavelmente, o seu nascimento terá ocorrido uns dias antes. É o primeiro filho de João Rodrigues da Silva e de Jerónima de Velásquez. Pouco ou nada se sabe dos seus cinco irmãos e uma irmã. Os avós paternos eram naturais do Porto.
Desde muito novo começa a demonstrar um gosto especial para o desenho. De início (1609), no estúdio de Francisco de Herrera, o Velho, mas que devido ao difícil feitio deste, muito rapidamente, passa a partir de 1 de Dezembro de 16106, a trabalhar como aprendiz no atelier de Francisco Pacheco, pessoa possuidora de muitas melhores qualidades pessoais e de tutor. Aqui se mantém até aos dezoito anos, onde no dia 4 de Março de 1617, após seis anos de prática e aquisição de conhecimentos nas várias técnicas de pintura, obtém a necessária licença para se tornar pintor associado da respectiva agremiação com direito de exercer pintura em todas as partes do reino. A relação com o novo Mestre (que em fim de vida redige
o livro A Arte da Pintura, sua antiguidade e grandezas, um dos melhores tratados do Barroco espanhol) torna-se mais intensa, ao casar-se em 1618, com a sua filha Juana. Ao mesmo tempo o sogro, ao fazer-se rodear de intelectuais e académicos, torna o seu estúdio um reconhecido ponto de encontro e tertúlia entre pensadores, homens de letras, artistas e estudantes, exs. Francisco de Zurbarán, Alonso Cano, entre outros. Além do mais, procura também sensibilizá-lo para a pintura italiana que se encontrava exposta no El Escorial e no Paço de Madrid.
Com esta ideia e em busca de melhor sorte, em 1622, ausenta-se de Sevilha para um primeiro contacto com Madrid (desde 1561, durante o reinado de Filipe II, Madrid passa a ser a nova capital do Império espanhol), mas só retorna em definitivo à Corte do Rei Filipe IV, ao alcançar a reputação de pintor sobredotado depois do sucesso obtido por um retrato equestre do rei (hoje perdido), por ele pintado em 30 de Agosto de 1623 e ainda mais com o favor e protecção do todo-poderoso Gaspar de Guzmán, Conde-Duque de Olivares, primeiro-ministro plenipotenciário e homem preponderante da governação.
A partir daqui, estabelece-se ao longo do decorrer dos anos, entre aqueles dois homens, uma relação de cumplicidade que ultrapassa o simples apoio e protecção dispensada pelo rei-mecenas a um seu subordinado. De igual modo, apesar de ser mais um funcionário da corte, a sua fama começa a ultrapassar a imagem depreciativa até aí estabelecida, de simples pintor de retratos.
Os quadros executados por Velásquez ainda na época da Escola de Sevilha (Sevilha, cidade porta de entrada para as Américas, é nesta altura por motivos económicos, um grande centro difusor e de criação de pintura) incluem os primeiros retratos e composições religiosas, além dos característicos e populares bodegones, onde aqui se privilegiam as cenas da vida quotidiana, em que a bebida, comida e petiscos, são os elementos chaves em locais tão típicos, como tabernas, cozinhas, casas de pasto, etc..
Os seus primeiros trabalhos denotam a técnica tenebrista do Chiaroscuro de Michelangelo Merisi de Caravaggio (1573-1610) – chamado o pintor maldito que também vai influenciar pelo seu naturalismo outros dos seus pares, exs. Rubens, Rembrandt, Murillo, etc. -, pela utilização dos contrastes da luz e das sombras8, de modo a dar forma e volume ao espaço e às figuras (muitas delas simples pessoas do povo), usando a cor, muitas vezes como simples suporte, cria um efeito de ilusão dos sentidos, por exemplo, Mulher fritando ovos (1618), Três homens à mesa (1618), Adoração dos reis magos (1619), O Aguadeiro (c.1620), etc..
Emprega o seu conhecimento prático, ao pintar directamente sobre a tela de uma maneira solta, sem o auxílio da quadrícula, nem do esboço prévio muito elaborado9. Especializando-se em múltiplos retratos da Corte e quadros históricos10, evidencia no estilo um estudo rigoroso da realidade e da natureza, onde imprime uma atmosfera muito própria e pessoal, de acordo com a sua personalidade algo distante mas de uma vontade inabalável, senhor de uma sensibilidade luzente e impetuosa.
Em 1628, com a vinda em missão diplomática de Peter Paul Rubens (1577-
-1640) a Madrid (acabado de regressar de Itália onde ficara impressionado com as cores, a luz e os múltiplos matizes das pinturas de Ticiano, Veronese e Tintoretto), nasce uma grande estima e amizade entre ambos, a tal ponto que Rubens consegue sensibilizar Velásquez para visitar Itália, no intuito de melhor desenvolver a sua técnica, o que acontece por duas vezes. Assim de 1629 a 31, viaja oficialmente por Veneza, Bolonha, Roma, Nápoles (onde se encontra com Jusepe de Ribera), tomando conhecimento da qualidade das obras de arte e do trabalho dos melhores artistas da Renascença italiana11, a que volta de novo, vinte anos mais tarde, em 1649. Neste segundo período preocupa-se em adquirir várias obras de pintura e estatuária para a Coroa espanhola e executa uma das suas obras-primas, o Retrato do Papa Inocêncio X que inspira de forma obsessiva no século XX, Francis Bacon com os seus vários estudos sobre o mesmo modelo.
Durante a fase que medeia as duas viagens, executa uma série de outras obras de superior técnica e qualidade, tais como Francisco de Quevedo (1631), A Rendição de Breda ou As Lanças (1635), em que emprega linhas diagonais de perspectiva em vez da normal cruz vertical, Cavalo Branco (1635), Filipe IV of Spain in Brown and Silver (1635)12, O Conde-Duque de Olivares (1637), os vários retratos equestres e a sequência dos bobos da corte, etc., etc.. É de realçar que durante o tempo em que esteve ausente em Itália, o rei não se deixou pintar por mais ninguém; a tela com o retrato em corpo inteiro que dele se conserva na National Gallery, bordado de castanhos, brancos e brilhante prata, pelo efeito de pinceladas rápidas e soltas, denota a influência da escola italiana e induz a um detalhe raro de Velásquez, a sua assinatura autografa13.
Em 16 de Fevereiro de 165214, é nomeado Aposentador do Palácio Real que justifica uma maior responsabilidade na Corte. Os derradeiros anos acentuam a sua maturidade e finaliza os trabalhos, como por exemplo, os retratos de D. Mariana, Vénus ao espelho (1648)15 - o mais antigo nu da pintura na Espanha da Inquisição.
Percursor da famosa Maja despida de Goya, pintada por volta de 1800 -, a Infanta Maria Teresa de Espanha, com dois relógios (1652), a Infanta Maria Margarida, o Rei Filipe IV (mais velho), Mercúrio e Argos (1659), As Fiandeiras (ou A Fábula de Aracné), possivelmente, o primeiro quadro da história dedicado ao trabalho e, por fim, As Meninas, considerada uma das maiores obras-primas de todos os tempos, cuja primeira referência aparece no inventário do Alcáçar de Madrid, em 20 de Setembro de 1666. Em 1659, pinta os últimos quadros: a Infanta Margarida e o Príncipe Filipe Próspero.
Uma das incumbências oficiais de Velásquez, na difícil e desgastante carreira burocrática de cortesão16 da Corte - para o fim, além de responsável máximo como aposentador da Casa Real era também o seu mestre-de-cerimónias, o que vai limitar o conjunto total dos seus quadros, a pouco mais de cem - foi o de organizar o casamento da Infanta Maria Teresa de Áustria (rainha consorte) com Luís XIV, o Cristianíssimo Rei Sol de França, na fronteira de ambos os países, no intuito de sagrar a paz após décadas de conflito; tal facto acentua a decadência definitiva de Espanha, como principal potência europeia. Essa esgotante tarefa deixa-o bastante debilitado. Regressa inopinadamente a Madrid depois de contrair uma febre súbita.
Sucumbe quase de seguida, aos 61 anos, depois de uma rápida e mortal doença febril, às 2 da tarde de um sábado de 6 de Agosto de 1660, um dia típico e ardente, igual a muitos outros dias ressequidos do verão continental da meseta ibérica. Para o enterro, seguido pelos altos dignitários da Corte e da Igreja18, vestem-
-lhe o hábito de Cavaleiro da Ordem de Santiago e o Monarca manda pintar sobre o peito da túnica negra que enverga no quadro As Meninas, a vibrante Cruz púrpura símbolo da Ordem, um sinal evocativo pelo seu insigne papel em prol da Arte. Quatro dias depois morre-lhe a mulher Juana Pacheco, possivelmente submergida à insuportável dor da saudade.
As suas origens portuguesas
“Eu sempre gostaria mais de ser o primeiro pintor das coisas comuns do que um pintor de segundo plano da arte maior” (Velásquez)
Velásquez é pelo lado paterno descendente de portugueses. Segundo o que fala a tradição, os avós Dona Maria e Diogo Rodrigues da Silva (gentil-homem cujo nome vai inspirar os apelidos de baptismo em versão castelhana do neto Diego) são naturais do Porto20, provindos de uma família com hábitos e pretensões de nobreza (que nunca se comprovou) que emigram, em meados ou finais do século XVI, com poucos haveres para a Andaluzia. Lembro que na altura Portugal se encontrava sob domínio da coroa espanhola. O filho João Rodrigues da Silva (ou Juan Rodríguez de Silva) vai exercer advocacia em Sevilha e casa com Jerónima Velásquez, oriunda da pequena e decadente aristocracia local. Na opinião do seu coetâneo Zurbarán, ambos os progenitores (futuros pais) teriam familiares como oficiais da Inquisição no Santo Ofício.
Hoje, no entanto, está assente a hipótese mais provável do nosso génio da pintura ser filho de cristão-novo português, sem tradição aristocrática. Algumas pistas podem corroborar esta ideia – a saída rápida de Portugal dos avós, por nenhum motivo aparente, para a próspera região da Andaluzia no Sul de Espanha e no mesmo sentido, a constante preocupação de Velásquez em garantir, para si e toda a família, um título de nobilitação, isto é, carregou sempre com ele a secreta esperança – de subir do ponto de vista social, da imagem do simples homem comum a aristocrata, o que poderia ser de fácil resolução através duma Ordem religiosa, mas só o irá conseguir pela intervenção directa do Rei devido à oposição dos outros elementos da hierarquia da ordenação. Aqui, nem mesmo o Rei poderia conceder este título, sem o consentimento expresso do Conselho da mais exclusiva Ordem Militar espanhola que sempre pôs em causa a pureza de sangue do pintor. Durante os meses seguintes são inquiridos ao pormenor, todos os seus ancestrais e interrogadas dezenas de pessoas. Os últimos anos de vida são marcados pela sua obsessão de receber o hábito da Ordem de Santiago que implicaria o almejado enobrecimento familiar.
Outro aspecto relevante, desde os iniciais bodegones até às pinturas da Corte, é o olhar de Velásquez, em muitos dos seus quadros, ser atraído para acontecimentos e situações envolvendo imagens de pessoas com algum handicap: social, económico, racial ou físico, o que pode significar estarmos na presença duma genealogia espiritual de judeu-converso.
Por cá, a Inquisição portuguesa (ou Tribunal do Santo Ofício) já se tinha estabelecido no reinado de D. João III, desde 1536, através da primeira bula Cum ad nihil magis, de 17 de Dezembro de 1531. Com o declínio histórico e cultural progressivo de Portugal que se acentua com a perda da soberania em 1580, a coroa portuguesa passa a estar sob a tutela do rei de Espanha, a que se convencionou chamar a Dinastia dos Filipes.

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