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segunda-feira, 26 de julho de 2010

A 27 de Julho de 1934, os Partidos Comunista e Socialista Franceses fazem um Pacto de Unidade.

Os acontecimentos verificados em França em Fevereiro de 1934 vão colocar de novo a ameaça do fascismo, desta vez naquela que era a principal potência militar da época. Neste país de velhas tradições de democracia parlamentar, assiste-se ao crescimento de um movimento de tipo fascista que explora o descontentamento gerado em vastas camadas da população pelas consequências da crise económica e por escândalos financeiros (em particular o famoso «caso Stavisky»), que punham em causa figuras ligadas ao sistema político. Uma manifestação perante o Parlamento convocada por um agrupamento de extrema-direita, por ocasião da posse de um governo, ocasionara violentos confrontos com as forças policiais, acabando por conseguir a substituição daquele por um outro governo mais claramente orientado à direita. Em resposta, poucos dias depois, as organizações sindicais socialista e comunista convocam, em separado, greves gerais e manifestações. A convergência espontânea, não planeada, das duas manifestações antifascistas, em que se combinam os cantos da Internacional com os da Marselhesa, ficará como o símbolo da vontade unitária das massas na resistência à ameaça fascista em França.

No mesmo dia 12 de Fevereiro, na Áustria, o governo ditatorial do chanceler Dollfuss (uma espécie de Salazar austríaco) decide a dissolução da administração socialista de Viena e a ocupação das sedes do Partido social-democrata. Contra esta medida arbitrária levanta-se porém a vontade dos militantes operários do Schutzbund, a milícia socialista, determinada a resistir pelas armas. Durante alguns dias os bairros operários de Viena e de Linz são palco de combates e alvo de bombardeamentos de artilharia. Apesar da derrota, o levantamento dos operários de Viena e de Linz ficou como demonstração de que a classe operária não estava disposta a tolerar sem reacção, como acontecera na Alemanha, a imposição de novas ditaduras fascistas. Mostrava também como a unidade era um factor decisivo, potenciador das capacidades de resistência, mesmo se ela fora prejudicada pelo carácter improvisado das iniciativas, em contradição com uma longa prática anterior de cedência e compromisso dos social-democratas austríacos.

Neste contexto das iniciativas de resistência operária ao fascismo, não se pode esquecer o que se passou na Península Ibérica. Em 18 de Janeiro de 1934, em Portugal, na base da formação dum comité conjunto das organizações sindicais comunistas, anarquistas, socialistas e autónomas (apesar de antagonismos que continuavam a dividi-las), o operariado desencadeara um importante movimento de greve contra a fascização dos sindicatos, chegando na Marinha Grande a pegar em armas. E em Outubro, nas Astúrias e também com expressão em outros lugares da Espanha, as Alianzas Obreras empreenderam uma greve política, contra a entrada no governo do agrupamento fascista da CEDA, greve esta que se prolongou por várias semanas e envolveu centenas de milhar de trabalhadores. Também esta greve de massas foi violentamente reprimida, inclusive com condenações à morte, pelas tropas ao serviço do governo e (já então) comandadas por Franco. Mas a solidariedade com os mineiros asturianos e suas famílias foi ocasião de uma vasta iniciativa conjunta a nível internacional. Com esse objectivo, tem então lugar, pela primeira vez desde havia muitos anos, uma reunião oficial de representantes das duas Internacionais, a Internacional Comunista e a Internacional Operária Socialista.

A questão da resistência ao fascismo não dizia apenas respeito à defesa dos interesses vitais da classe operária e das suas organizações. É ao mesmo tempo, e cada vez mais, assumida como um problema geral de defesa da civilização, de valores comuns de liberdade e direitos humanos, e também de defesa da paz.
Por isso mesmo, vão ser em número crescente os intelectuais de diversos países que se mobilizam contra o perigo representado pela Alemanha hitleriana e contra a extensão do fascismo a outros países. Muitos, como o próprio Albert Einstein, socialista sem partido, acorreram logo em 1932 ao apelo de Henri Barbusse, famoso escritor comunista, para o Congresso de Amesterdão contra a Guerra. Outros, como André Malraux e André Gide, participam do movimento de solidariedade com Dimitrov e os acusados do incêndio do Reichstag, e outros ainda, como Heinrich Mann, integrarão em 1933 o Comité Mundial contra o Fascismo e a Guerra. Em 1935, realiza-se em Paris o primeiro Congresso Internacional dos Escritores para a Defesa da Cultura, que dá origem a um comité internacional e a comités nacionais de carácter permanente. Vários prémio Nobel da literatura (como Gorki, Romain Rolland, Malraux, Gide, Thomas Mann, Aldous Huxley) integraram o movimento e os seus órgãos dirigentes. O congresso seguinte realizar-se-á em Espanha, já em plena guerra civil.
Antifascismo e defesa da paz são, por outro lado, o binómio essencial da política externa soviética, protagonizada nestes anos por Maxim Litvinoff. Na Sociedade das Nações, a que a URSS adere em 1934, Litvinoff é o defensor incansável da ideia da indivisibilidade da paz, no combate não só ao rearmamento da Alemanha e aos intuitos expansionistas da Itália fascista, que em 1935 invade a Etiópia, mas também aos círculos reaccionários dos países democráticos que alimentavam a ilusão da possibilidade de canalizar o imperialismo alemão no sentido da expansão «para leste», quer dizer, para a agressão à URSS. A diplomacia soviética consegue em 1935 um êxito importante com a assinatura do pacto de assistência mútua franco-soviético. Para além do seu valor próprio, esse acordo diplomático facilitava a concretização, no plano interno da política francesa, de um acordo entre os comunistas e as forças predominantes da esquerda parlamentar (socialistas e radicais).
Factores internos e factores internacionais vão conjugar-se na profunda transformação das relações entre comunistas e socialistas, e mais amplamente entre as forças democráticas de vários países, que se processa ao longo de 1934 com o envolvimento activo da Internacional Comunista.
Nesta transformação tem um papel decisivo G. Dimitrov. A sua audaciosa intervenção no julgamento perante o tribunal de Leipzig logrou conseguir que aquilo que estava planeado como uma grande operação anti-comunista fosse transformado numa acção eficaz de denúncia do nazismo, que sensibilizou e mobilizou vastos círculos da opinião pública e teve como resultado final a sua absolvição, assim como a dos outros comunistas acusados. Uma vez libertado, Dimitrov, a quem a URSS concede a cidadania soviética, vai para Moscovo, passando a desempenhar as funções de secretário-geral da Internacional Comunista. Incumbe-lhe, nesta qualidade, dirigir a preparação do VII Congresso da IC, que viria a realizar-se no Verão de 1935.

Ainda em 1934, em França, os partidos comunista e socialista concluem em Julho um pacto de unidade de acção. Este exemplo é seguido, um mês depois, pelos partidos comunista e socialista de Itália, e depois por outros partidos. Em Outubro, o líder do PCF, Maurice Thorez, propõe o alargamento do pacto aos radicais (um partido pequeno-burguês influente e com profundas raízes na sociedade francesa da época). Nesta base se constitui o Rassemblement Populaire, que em 14 de Julho de 1935 promove a comemoração em Paris da tomada da Bastilha e é já na prática a Frente Popular, quer dizer, a coligação de comunistas, socialistas e radicais que em 1936 vence as eleições.

O VII Congresso da Internacional Comunista, realizado em Moscovo em Julho-Agosto de 1935, representa ao mesmo tempo o culminar do processo de reelaboração política que vinha tendo lugar nos últimos anos e um impulso decisivo a novas iniciativas. Para além do seu alcance prático e organizativo – por proposta de Dimitrov, o Congresso aprovou orientações no sentido de uma maior descentralização e «nacionalização» do trabalho dos partidos – o Congresso foi importante por aquilo em que, sobretudo através dos relatórios de Dimitrov, contribuiu para abrir uma nova perspectiva sobre os métodos de acção e o próprio sentido da política comunista.
Essencialmente, as intervenções de Dimitrov punham em causa o sectarismo que caracterizava a prática de muitos partidos comunistas, sectarismo derivado de uma convicção simplista de identificação com o «sentido da História». A convicção, em si mesma justa, de que o capitalismo produzira aberrações como o fascismo e o nazismo, aliada à repulsa pelas capitulações social-democratas perante o capitalismo, levara a um enconchamento na afirmação repetitiva da própria identidade e dos próprios ideais, ignorando o facto de que a consciência das grandes massas (e não só da classe operária) não se forma tanto pelas declarações de princípios como pela experiência dos sucessos e das derrotas. O essencial, na perspectiva de Dimitrov, era que o movimento comunista fosse capaz de se religar com as formas elementares de experiência e consciência das massas trabalhadoras e da pequena-burguesia, tendo em conta os seus vínculos objectivos de carácter nacional, religioso, sindical e partidário (inclusivamente aos partidos social-democratas e pequeno-burgueses). Só a partir daí era possível definir objectivos e plataformas de acção capazes de as atraírem para a defesa e renovação das instituições democráticas, para o combate ao fascismo e à política de guerra e, progressivamente, para degraus mais avançados de consciência socialista.

A ideia leninista de frente única foi assim recolocada no centro da acção dos partidos comunistas, mas para além dela abria-se o terreno da construção da frente popular como condição do acesso da aliança da classe operária e do conjunto das classes populares a uma posição de hegemonia política e de conquista do governo.
No seu conjunto, estas teses constituiram uma aquisição teórica e política definitiva da história do movimento comunista. Embora nos últimos setenta anos muita água tenha corrido sob as pontes, e muitas vezes os partidos comunistas tenham voltado a encontrar-se em situações de isolamento mais ou menos prolongado, a definição de objectivos concretos e de plataformas capazes de interessarem as mais amplas massas na defesa e aprofundamento da democracia tem sido o alfa e o ómega da política comunista.
Decerto que, nas condições de domínio do Capital e da sua hegemonia ideológica, não há conquistas do Trabalho que se possam considerar definitivas. E, também por isso, não há alianças eternas. A convergência de forças que em dada situação permite alcançar um resultado positivo pode, em situação diferente, produzir resultado inverso. A própria história das Frentes Populares em Espanha e em França (únicos países europeus onde constituiram governos), é aliás disso um bom exemplo.

Constituído sob a chefia do socialista Léon Blum, o governo da Frente Popular francesa realizou efectivamente (impulsionado pelo movimento de greves e ocupações de fábrica) mudanças de enorme significado na condições dos trabalhadores: quem se lembra hoje de que, antes de 1936, a noção de férias era desconhecida da grande maioria? No entanto foi este mesmo governo que, pouco tempo depois, perante a pressão da evasão dos capitais, decidiu fazer uma «pausa» nas reformas sociais e acabou a reprimir violentamente manifestações operárias. E foi o mesmo Léon Blum que, em vez de auxiliar militarmente o governo espanhol de Frente Popular legitimamente eleito, propôs o «acordo de não-intervenção» à sombra do qual os fascistas alemães, italianos e portugueses apoiaram por todas as formas a reacção franquista na guerra civil, ao mesmo tempo que as democráticas França e Inglaterra abandonavam a República espanhola à sua sorte.
Também em Espanha a Frente Popular representou um momento alto da libertação do povo em relação a opressões seculares e o início de uma revolução social. Mas também aí o esforço unitário dos comunistas teve de se confrontar com a incoerência e as contradições entre os políticos socialistas, com as oscilações entre iniciativas de socialização radical (para que não havia apoios nem internos nem internacionais) e práticas burocráticas, geradoras da traição que acabaria por entregar a Espanha à ditadura terrorista de Franco.

No entanto, sob formas diferentes, foi uma política inspirada nas ideias de Frente Popular que, durante a II Guerra mundial, orientou a acção dos comunistas nos movimentos de Resistência ao nazi-fascismo e influenciou os próprios programas destes movimentos. A prioridade à luta pela independência nacional, pela conquista da democracia política, por amplos projectos de renovação económica, social e cultural capazes de erradicar as bases sociais do fascismo animou as Resistências e deixou a sua marca nos governos de unidade democrática constituídos em quase todos os países europeus ao final da Guerra.

Foi também uma concepção baseada nas políticas de Frente Popular que, nos países da Europa de leste, inspirou a formação das democracias populares e permitiu que se levassem a cabo profundas transformações económicas e sociais em condições de pluralismo político, enquanto as condições da guerra fria não as empurraram para a adopção de soluções uniformes e artificiais que acabaram por ser uma das causas do seu fracasso.

E foi ainda uma tese basicamente semelhante que guiou o nosso Partido na luta antifascista e no processo revolucionário, bem como hoje guia a nossa concepção da democracia avançada enquanto democracia «a todos os níveis», política, económica social e cultural.
Uma consideração de base esteve no entanto sempre presente nas várias fases da nossa história, que nos poupou desilusões e precipitações. A de que «Frente Popular significa literalmente união de massas populares; logo, a Frente Popular só pode criar-se e existir onde existam massas e onde elas possam unir-se para determinado fim comum.» 
 Quer dizer, aos que imaginavam que uma Frente Popular nas condições do Portugal fascista se formaria imitando os encontros dos comunistas franceses com os dirigentes socialistas e radicais, o nosso Partido – sem aliás desvalorizar tais encontros, como poucos anos mais tarde a constituição do MUNAF e do MUD  revelaram – antepunha como fundamental a utilização das organizações de massas legais e ilegais e a mobilização de massas em torno dos suas reivindicações próprias e dos objectivos democráticos.

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