Previsão do Tempo

domingo, 22 de agosto de 2010

A 23 de Agosto de 1927, foram executados Sacco e Vanzetti


 

Um Português tentou salvar Sacco e Vanzetti da cadeira eléctrica
Para imaginar o que se passou é preciso recuar um século, quando a
contestação contra o horário de trabalho medieval de “sol a sol” que alastrava na
Europa viajava para os EUA na bagagem de imigrantes que lutavam por um mundo melhor.
O trabalho nas fábricas norte-americanas seguia o modelo inglês, jornadas de
mais de 16 horas por dia, incluindo quatro horas aos domingos e a luta pelas
oito horas diárias de trabalho teve mártires. Caso das operárias têxteis de uma
fábrica de New York que entraram em greve ocupando a fábrica no dia 8 de Maio
de 1857 para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por
dia para 10 horas e foram fechadas na fábrica onde, entretanto, se declarou um
incêndio e 130 mulheres morreram queimadas.
Ou do 1 de Maio de 1886, quando 350 mil operários das fábricas de Chicago
cruzaram os braços e mais de uma centena de grevistas foram abatidos pela
polícia. Dos organizadores da greve, a maioria imigrantes, cinco foram enforcados e
três condenados a prisão perpétua num julgamento que indignou o mundo. Em 1888
foi realizado novo julgamento, o novo júri reconheceu a inocência dos réus e,
decorridos dois anos, a jornada de oito horas diárias foi finalmente
instituída nos EUA.
Em 1908, quando Ferdinando Sacco e Bartolomeo Vanzetti imigraram para os EUA,
reinava um clima quase de guerra civil. Os sindicatos multiplicavam as greves
em todo o país e as manifestações transformavam-se em enfrentamentos
violentos. 
Nascido em 1891, Sacco chegou a Milford, Massachusetts, com 17 anos, na
companhia de um irmão mais velho. Foi trabalhar na construção a ganhar $1.45 por
dia. Mudou-se depois para uma empresa têxtil e em 1912, ano em que casou, para
uma fábrica de calçado. Trabalhava seis dias por semana, dez horas por dia, mas
também era activo nas manifestações operárias, participava nas reuniões da
Federação Socialista Italiana, de Boston e fortalecia as convicções políticas
assinando o jornal Cronaca Sovversiva (Crónica Subversiva), que se publicava na
cidade e do qual se tornou colaborador.
Três anos mais novo que Sacco, Bartolomeu Vanzetti tinha o ofício de
pasteleiro, mas em New York começou por servir à mesa dos restaurantes italianos.
Trabalhou depois numa fábrica de tijolos de Springfield, em 1913 mudou-se para a
casa do seu amigo Vincenzo Brini, em Plymouth e foi trabalhar numa cordoaria,
onde organizou uma greve em 1916. Colocado na lista negra pelos patrões, passou
a vender peixe pelas ruas.
Sacco e Vanzetti conheceram-se nas lutas do movimento operário. Em Maio de
1916 fizeram parte de um grupo de anarquistas que fugiram para o México para não
serem mobilizados para a I Guerra Mundial, mas em Setembro estavam de volta a
Massachusetts. Sacco começou nessa altura a trabalhar na fábrica de calçado
Slater & Morril, em Braintree e foi morar para Stoughton.
Em 15 de Abril de 1920, Frederick Parmenter, pagador da Slater & Morril, e o
seu guarda-costas, Alexandre Beradelli, foram assaltados quando transportavam
$17.776 de um edifício para outro, levando cada um deles uma caixa com moedas
e notas.
Dois homens  armados saltaram de um Buick preto, um usando um boné e o outro
um chapéu de feltro, o que lhes dissimulava as feições. O do boné disparou
três tiros contra Barardelli, que caiu na valeta sem ter tido tempo de puxar a
pistola e Parmenter apanhou um tiro no peito. Os assaltantes pegaram nas caixas
e meteram-se no carro, enquanto um terceiro indivíduo fazia vários disparos
pela janela do carro para desencorajar a perseguição.
Várias testemunhas disseram que os ladrões pareciam italianos, a polícia
interrogou grande número de italianos e Sacco e Vanzetti foram presos em 5 de Maio
de1920, três semanas depois do roubo, num carro eléctrico em Bridgewater. A
polícia encontrou um revólver Harrington-Richardson de calibre 38 na posse de
Vanzetti e uma pistola automática em poder de Sacco e ambos levavam na
algibeira 23 balas suplementares.
Na versão da polícia, os dois homens roubavam para financiar as actividades
políticas. Vanzetti foi acusado de um assalto cometido em 24 de Dezembro de
1919 em Bridgewater e condenado a 15 anos de prisão, com um dia de reclusão e o
resto de trabalhos forçados.
O julgamento do assalto à Slater & Merril começou decorrido um ano, a 21 de
Maio de 1921. Os indícios da polícia eram o boné preto encontrado perto do
cadáver de Barardelli e idêntico a um que Sacco usava habitualmente e as balas
retiradas dos corpos das vítimas, que tinham sido disparadas por uma pistola
idêntica à de Sacco.
Vanzetti tinha um alibi forte: 20 testemunhas juraram até ao fim que tinham
estado ao lado dele em Plymouth à hora do assalto. O alibi de Sacco era mais
fraco, alegava que se encontrava com a mulher em Boston, para tirarem o retrato.
O julgamento durou sete semanas, a 4 de Julho de 1921 os dois homens foram
considerados culpados de homicídio em primeiro grau e condenados à morte,
veredicto que originou manifestações violentas nos EUA e várias capitais europeias,
nomeadamente em Paris, onde detonou uma bomba matando 20 pessoas.
Muita gente considerava que os dois homens tinham sido condenados pelas suas
actividades políticas e não pelo alegado crime e os escritores Dorothy Parker
e Upton Sinclair lideraram campanhas inocentistas a que se juntaram dezenas de
intelectuais como John Dos Passos, Bertrand Russel, George Bernard Shaw e
H.G. Wells.
O movimento de defesa ganhou novo alento em 18 de Novembro de 1925, quando um
recluso que se encontrava no corredor da morte da penitenciária de Dedham,
entregou ao subdirector da prisão um bilhete dirigido ao editor do jornal Boston
American, onde se lia: “Caro Editor: Quero aqui confessar que estive na
fábrica de sapatos no sul de Braintree em 15 de Abril de 1920 e que Sacco e
Vanzetti não estiveram lá”. Assinado: Celestino F. Medeiros.
Medeiros está hoje esquecido, repousa na campa 339 do cemitério Pine Grove,
em New Bedford, se é que ainda lá está, mas em 1927 tornou-se manchete em todos
os jornais.  
Medeiros assinou uma confissão garantindo que ele e quatro italianos que
conhecera num bar de Providence é que tinham assaltado a fábrica de calçado e ele
era o indivíduo sentado no banco traseiro do carro, a disparar sobre os
perseguidores.
Medeiros recusou revelar os nomes dos cúmplices, indicando apenas tratar-se
de uma quadrilha que operava em Providence e New Bedford. Para a polícia de New
Bedford tornou-se evidente que se tratava da quadrilha Morelli, chefiada
pelos irmãos Joe e Frank. Este último, também conhecido como Butsey, viria a ser o
primeiro Don ou Godfather da Nova Inglaterra.
A carreira criminal de Celestino Medeiros não foi tão bem sucedida, apesar da
precocidade. Nasceu a 9 de Março de 1902 em Vila Franca do Campo e chegou em
1904 a New Bedford com os pais. Aos 14 anos já tinha sido preso 14 vezes por
pequenos delitos. Aos 15 deixou a escola e, com uma irmã, foi “trabalhar” para
um tal Arthur Tatro, pedindo donativos para uma inexistente American Rescue
League nas comunidades portuguesas de Providence, Fall River, New Bedford e
Taunton.
Foram detidos a 1 de Maio de 1920 e libertados sob fiança, mas 24 dias depois
Medeiros foi detido por assalto a uma loja de New Bedford e ficou na prisão
até ao fim do ano. Quando foi detido, o português tinha em seu poder $2.800.00,
montante que alguns historiadores dizem corresponder a um sexto dos $17.776
roubados na fábrica de calçado.
Medeiros desapareceu uns tempos de New Bedford, terá andado pelo Texas, Novo
México e Minnesota, e reapareceu em 1923, dedicando-se à construção, mas em
Março de 1924 já estava a trabalhar como segurança do Bluebird Inn, bar que o
cabo-verdiano Barney Monterios possuia em Seekonk.
À noite mantinha a ordem no bar e durante o dia era motorista de Mae Boice, a
mulher do patrão, uma loura espectacular por quem perdeu um dia a cabeça e o
cabo-verdiano correu com ele a tiro.
Na manhã de 1 de Novembro de 1924, Medeiros e três cúmplices entraram no
First National Bank de Wrentham. Um dos caixas tentou premir o sinal de alarme e
foi morto por Medeiros, detido dias depois no Hotel Zack, em Providence, na
companhia  de outros dois portugueses, identificados como Mingo e Pacheco. 
Foi julgado e condenado à morte, mas com base no facto do juiz se ter
esquecido de instruir o júri de que o réu era presumivelmente inocente até ser
considerado culpado, Medeiros conseguiu ser submetido a novo julgamento e estava
nessa fase quando decidiu chamar a si o crime de que Sacco e Vanzetti eram
acusados.
A confissão de Medeiros serviu para adiar a execução, mas não ilibou os
italianos, uma vez que não se coadunou com alguns detalhes. nomeadamente a
afirmação de que o dinheiro roubado estava num saco preto, quando na verdade estava em
duas caixas metálicas.
Por ironia do destino os três homens foram executados na mesma noite.
Primeiro foi Celestino, à meia-noite de 23 de Agosto de 1927. Dois
cirurgiões, três médicos, o xerife e um jornalista escolhido à sorte entre os colegas,
assistiram às execuções.
Apoiado em dois guardas, Celestino foi conduzido à cadeira eléctrica.
Ajustam-lhe os electrodos, o executor, Robert Elliot, carrega no botão e o corpo deu
um estremeção. O médico confirmou o óbito e o corpo foi levado numa padiola.
Sacco foi executado às 12:11. Gritou em italiano: “Viva a anarquia”. E
depois em inglês: “Adeus mulher, filhos e amigos. Boa noite, senhores. Adeus mãe”.
Às 12:18 chegou a vez de Vanzetti e foi o mais falador: “Quero dizer que
estou inocente. Nunca cometi nenhum crime, alguns pecados, mas nunca um crime.
Agradeço tudo o que fizeram por mim. Estou inocente de todos os crimes, não
apenas este, mas todos, todos. Eu sou um homem inocente”. Em seguida apertou as
mãos aos carcereiros e, já sentado na cadeira, ainda disse: “Perdoo àqueles que
me condenam”.
No dia da execução, a polícia de Boston dispersou uma manifestação em que
tomavam parte 20.000 pessoas. Em todo o país e em toda a Europa, as pessoas
gritaram a sua cólera, houve distúrbios e mortes em Paris, Leipzig, México e outras
cidades.
Ainda hoje se discute se Sacco e Vanzetti seriam inocentes. Não seriam, em
todo o caso, dois anjos. Estavam associados a um grupo de anarquistas de origem
italiana que defendia a utilização de métodos de sabotagem e destruição no
contexto da luta de classes.
Alguns testes balísticos efectuados em 1969, com métodos mais modernos,
concluiram com grande probabilidade que Sacco foi realmente responsável pelo
assassinato, pois a sua arma teria sido uma das usadas no crime, mas apontaram para
a inocência de Vanzetti. O certo é que ambos foram executados e tornaram-se
mártires da classe trabalhadora.
Os corpos de Sacco e Vanzetti estiveram em câmara ardente na Langone’s
Funeral Parlor, Hanover Street, em Boston, velados por milhares de pessoas que
acompanharam o funeral no dia seguinte.
O corpo de Medeiros foi reclamado pela família e trazido para a Rogers &
Sylvia Funeral Parlor, County Street, New Bedford, onde foi visitado por algumas
dezenas de portugueses curiosos. O mayor tinha prometido pagar o funeral, mas
deu o dito por não dito ao saber que a mãe de Medeiros tinha uma casa em 735
Belleville Avenue.
Em 23 de Agosto de 1977, quando se completaram 50 anos sobre a execução, o
então governador de Massachusetts, Michael Dukakis, assinou uma declaração
afirmando oficialmente a inocência de Sacco e Vanzetti e pedindo desculpas aos seus
descendentes da injustiça cometida contra os dois.
Refira-se que a polémica sobre Sacco e Vanzetti continua a suscitar o
interesse da opinião pública norte-americana, mas daqueles que os condenaram já
ninguém fala.
 

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