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sábado, 14 de agosto de 2010

Show dos Beatles no Shea Stadium foi a 15 de Agosto de 1965










Até aquele 15 de agosto de 1965, estádios ou estruturas semelhantes jamais haviam sediado um show musical, e pelas mais diversas razões. Os problemas com a sonorização soam básicos e óbvios. Mas havia outros tantos, o principal talvez era que o grupo, orquestra ou artista haveria de ser muito famoso para justificar a aparente megalomania de uma performance em espaço tão grande quanto incomum. Os Beatles seriam esse grupo? Em 1965 é provável que não existisse ninguém mais famoso na face da terra. Longe do torrão natal os Fabs toparam o maior dos desafios até então, aceitando uma produção tocada em parceria pela NEMS Enterprises, de Brian Epstein, e a Sullivan Productions, do apresentador Ed Sullivan. O evento claro, contou com todos os requintes de mídia disponíveis à época. A disposição de todos era fazer um evento grandioso, profissionalmente filmado, e que seria transformado posteriormente em especial de TV nos Estados Unidos e na Inglaterra.
 Foi planejado que os Beatles desembarcariam de maneira apoteótica de um helicóptero, no centro do gramado, e dali correriam para o palco. A idéia foi para o brejo porque a prefeitura de Nova York julgou perigoso demais que uma aeronave sobrevoasse um estádio lotado, e negou autorização para o pouso. Enquanto se discutia de que maneira os Beatles chegariam ao estádio, a produção literalmente arrancava os cabelos. Como filmar com qualidade num imenso estádio? Como promover uma iluminação adequada à noite? Como dispor câmeras imensas (não existiam as camcorders de hoje em dia) de maneira que o filme pudesse documentar em panorâmicas, o que de fato podia acontecer? 

O equipamento era um problema, a começar pelo peso. Uma câmera fixa em 1965, e que se movimentava sobre trilhos, requeria além do operador afixado em sua cadeirinha, nada menos que outros 5 homens para movê-la. Não seria fácil. Mas foi feito. Quem já assistiu ao filme do Shea Stadium fica impressionado pela aula de filmagem que temos ali. Doze câmeras foram estrategicamente instaladas, obtendo uma espacialidade que enche os olhos. O complicadíssimo sistema de iluminação da época funcionou de tal maneira que a nitidez impressiona. A filmagem do Shea Stadium serve de comparativo em relação aos equívocos cometidos quando dos registros de imagens para o Concerto de Bangladesh, e do One to One Concert, num local muito mais simples para iluminação e filmagem, o Madison Square Garden.
Com os acertos feitos em relação às imagens, faltava o áudio. Caminhões da produtora de Ed Sullivan foram estacionados dentro e fora do estádio com toda a sorte de equipamentos. O som dos retornos dos Beatles no palco foram fornecidos especialmente para a ocasião. Os amplificadores foram batizados pela fábrica como Vox Super-Beatle. A linha de frente para o baixo, e as duas guitarras tinha 60 watts. Um outro amplificador menor, de 40 watts, foi usado para a conexão de um microfone que captaria o som do bumbo de Ringo Starr. O teclado que John Lennon usou para fazer I'm Down fora ligado em paralelo com a caixa de retorno de sua Rickenbacker Capri 325. Tudo muito simples – e ineficaz até para a época. Afinal, a banda tocaria num estádio que poderia receber quase 70 mil pessoas. Quem ouviria alguma coisa? Pior que o som do palco era o retorno para o público. Não havia sonorização profissional pensada para a reprodução de música do Shea Stadium. O que existia era o tradicional PA, com seu som anasalado e sem definição de graves, médios e agudos. Aquilo que no Brasil a gente chama de "som de lata". O equipamento era utilizado para que a administração do estádio anunciasse renda, público, ou serviços de utilidade pública como achados e perdídos. Foi por esses prosaicos retornos que o público que pagou 5 dólares e 65 centavos ouviu o histórico concerto dos Beatles no Shea Stadium no dia 15 de agosto de 1965.
Quando o apresentador Ed Sullivan subiu ao palco e usou os microfones para proferir essa frase histórica, a platéia teve certeza que os Fabs de fato iriam se apresentar ali. Antes, a produção americana obrigou a platéia a agüentar por quase uma hora, um festival impressionante de artistas sem expressividade alguma como o grupo Sounds Incorporated e outras maioneses.

Os Beatles, enquanto isso, entraram no estádio em um furgão blindado da lendária empresa Wells Fargo, de transportes de valores. Aquela mesma do tempo das diligências. Foram filmados quase o tempo todo no trajeto, quando sobrevoaram (de longe) o estádio, e depois quando se preparavam nos camarins. Filmagens em paralelo também foram feitas com o estádio vazio, durante a montagem da estrutura de palco, som e iluminação, e do acesso da platéia aos acentos.

Quem entregava o ingresso na bilheteria ganhava o programa da turnê norte-americana de 1965 intitulado, Beatles Ltd. Era um livreto com formato de LP, a mesma foto utilizada no Beatles For Sale como capa, e na face interna uma série de fotografias promocionais feitas para o disco Help! As bilheterias funcionavam freneticamente, registrando ao final que 55 mil e 600 pessoas haviam passado pelos portões. Somente com a vendagem de ingressos o concerto rendeu 304 mil dólares. O cachê dos Beatles ficou em 110 mil. Todas essas somas eram impressionantes – quebraram todos os recordes à época, registre-se. Quando os Beatles correram para o palco – John, Paul e George cada qual com seu instrumento – o mundo presenciou um momento mágico de arte popular inédito até então.

Brian Epstein estava intratável àquela ocasião. Temia que desse tudo errado, o que exporia de maneira comprometedora a imagem dos Beatles. George Martin opinara que não esperava nada da gravação do áudio. Cerca de um ano antes eles utilizaram a concha acústica do Hollywood Bowl em Los Angeles para a gravação profissional de um concerto e ficaram desapontados com os resultados. No palco todavia – armados com aquelas vintage guitars e esbanjando carisma – os Beatles literalmente arrasaram. Quem estava na platéia ouvia muito mal o som da banda. O que vinha dos retornos dos próprios Beatles também não era escutado. Ringo Starr, como sempre, tocava por mímica, acostumado que era com aquelas canções. O som do concerto, em geral, era "de lata." O ruído da platéia, lembra Neil Aspinall, era assustador. "Ali nós nos convencemos do tamanho exato dos Beatles", diria ele tempos depois.

O evento transformou-se num êxito acabado, completo. Sem exageros pode ser apontado como um precursor. Sempre que um garoto for a um estádio de futebol, ou basebol para assistir ao show de uma grande banda de Rock and Roll, precisará saber que aquilo um dia começou com a ousadia dos Beatles em encarar um desafio que modificaria para sempre até o padrão técnico de sonorização de grandes ambientes pelo mundo afora. 
O tracklist do Shea Stadium seguia o sistema de trabalho de divulgação estratégica dos Beatles. Lá estava 'Twist and Shout' como garantia de angariar a cumplicidade do público. E singles campeões de vendagem como 'I Feel Fine' e 'Can't Buy me Love'. Mas também havia espaço para a divulgação do repertório novo e que trazia a trilha sonora do filme Help! A única variação ficava por conta da faixa destinada a Ringo Starr. Ele revezava entre 'Act Naturally' e 'I Wanna Be Your Man'. Foi assim ao longo de toda a turnê norte-americana de 1965. Com o material gravado e filmado profissionalmente, a curiosidade dos Beatles ficou incontrolável.

Animados com o sucesso do evento – e as críticas favoráveis da imprensa americana – eles não viam a hora de encerrar logo a turnê e voltar para a casa com o objetivo de ver e ouvir todo aquele material. Em Londres, e juntamente com o produtor George Martin e o empresário Brian Epstein, a audição de Shea Stadium tornou-se decepcionante. Não propriamente pelas falhas humanas, mas por problemas técnicos que impediam a audição do que realmente havia ocorrido no palco. Microfones falharam, e seqüências instrumentais do baixo e guitarras simplesmente não eram ouvidas. Backing vocals "vistos" não eram porém escutados. Como usar isso num futuro especial de TV, conforme estava programado em contrato? A solução – e é incrível que isso tenha sido possível na metade dos anos 60 – foi mexer no resultado original e promover uma pesada sessão de overdubs. O que isso significa? Que o Shea Stadium que temos em LP, CD ou VHS é quase todo falsificado. Infelizmente. No dia 5 de janeiro de 1966 os Beatles foram para os estúdios CTS em Londres – especializado em sonorização para filmagens. Lá, com supervisão técnica de George Martin, eles plugaram as guitarras e refizeram boa parte do tracklist. Olhavam para a tela, e dublavam o áudio que eles próprios produziram. Tudo foi mixado em Abbey Road e virou a trilha sonora desse especial que iria ao ar pela TV BBC no dia 01.06.66, e do qual todos temos uma cópiazinha em casa.

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