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sábado, 9 de outubro de 2010

Edith Piaf, morreu a 10 de Outubro de 1963



Boémia, privações na infância, o vício da morfina e o hábito do álcool, formaram uma combinação perigosa que pôs um fim precoce à vida da cantora Edith Piaf, falecida aos 47 anos de idade. Adoecida, retirara-se de Paris, de um apartamento que ocupava há muitos anos, para ir morrer perto de Grasse, no dia 10 de outubro de 1963. Com ela a França perdeu a maior das suas chansonnières que se tem registro. Cantora e compositora imortal, suas letras retrataram, em tom de drama ou de alegre sátira, boa parte da história social e amorosa dos parisienses do século XX, levando sua voz peculiar, inconfundível, tornada universal, para todas as partes do mundo, como símbolo do renascimento francês depois da desastrosa experiência da IIª Guerra Mundial.


Edith Piaf (1915-1963)

"Dava-se na sua voz o mesmo que na sua dança...Era indefinível, era encantador; o quer que fosse de puro e de sonoro, de aéreo, por assim dizer, de alado(...)Dir-se-ia umas vezes, uma louca, outras, uma rainha (...) respirava sobretudo alegria e parecia cantá-la como a ave, serena e descuidada."
Victor Hugo, descrevendo a cigana Esmeralda (Notre-dame de Paris, 1831)

Zangou-se o poeta Pierre Gringoire. Tentara inutilmente atrair um público para a sua peça em versos que representava nas arcadas do Palácio Real, que naquela época, na Paris medieval, ficava na Île de la Cité, mas ninguém queria ouvi-lo. Era Carnaval na França e uma turba alegre carregando nos ombros o corcunda Quasímodo, aclamado como papa dos loucos, foi quem atraia a atenção de todos. Haviam-no escolhido, contou Victor Hugo na sua novela “Notre-dame de Paris”, num festival de caretas e espantaram-se quando constataram que a cara dele era aquela mesma, medonha, hedionda. Colocaram sobre o pobre diabo, que fazia as vezes de sineiro da catedral de Notre-dame, uma tiara de papelão e saíram com ele erguido pelas ruas.

Em seguida, foram os gritos de “Esmeralda”, “Esmeralda”, quem retiraram dele, de Gringoire, qualquer esperança que ele ainda guardava em receber uns trocados pela sua peça. Restou-lhe então seguir a farândola para a Place de Grève, na margem esquerda do rio Sena. Então tudo mudou. Lá, o povo tinha aberto uma boa clareira onde Esmeralda dançava e cantava. Era uma ciganinha de cor andaluza que, com seu pandeiro e sua voz, fascinava a platéia. Dominava a cena como ninguém. Logo Gringoire esqueceu-se do fracasso e deixou-se envolver pela magia daquela ninfa das ruas...tão estonteado ficou que quando a garota passou com seu pandeiro recolhendo tostões, o poeta teria lhe dado um tesouro se tivesse.


Piaf, a grã-sacerdotisa da canção francesa
Pois assim, igualmente, aconteceu de verdade com Edith Piaf, artista de rua como a cigana da ficção de Hugo. Baixinha, esmirrada, criada como chansonnette, menina cantora das vielas de Paris, onde nascera em 1915, fazia o que queria com o seu público. Não havia beco da cidade, boteco, taverna ou inferninho que ela não conhecesse como a palma da mão. Tal como Esmeralda, que terminou se comovendo com a infelicidade do pavoroso Quasímodo, Piaf enterneceu-se pelas infelizes, pelos vagabundos e bêbados, pelo desacerto dos amantes e suas paixões impossíveis, doídas e fracassadas, sem porém fazer disso uma tragédia.

Coube a um dos seus tantos amantes, um tal de Louis Leplée, dono da boate Mômes de la Cloche, refúgio de rufiões e de mendigos, tirá-la do trottoir e colocá-la para cantar quando ela alcançou os 20 anos de idade. Dele foi a idéia de chamá-la de Piaf (passarinho, pardal), adequada ao tamanho e a voz dela, ímpar , de fantástica ave canora.

Não demorou para que a levassem a gravar um disco, com um par das suas primeiras canções, da mais de duzentas e quarenta que deixou. O sucesso foi imediato. Em pouco tempo a menina que viera do lado sórdido da cidade, do bas-fond de Paris, onde enfeitiçara as platéias, pôs-se a freqüentar os locais da moda ao lado de gente como Jean Cocteau, Maurice Chevalier, Charles Trenet e Tino Rossi. Edith Piaf estourou mesmo foi depois da IIª Guerra Mundial. A França e o mundo se encantaram com La vie en rose, composta em 1946.

Após aquela matança toda, a canção de Piaf - a exaltação do amor da amante pelo seu homem e como aquela paixão a deixava ver o mundo rosa -, representou o hino universal dos que sobreviveram a guerra. Seu lema poderia ter sido, como recomenda a letra de Boulevard du Crime, “rir em meio à tormenta”. Que voltassem a se abraçar e a se amar porque afinal a vida era cor de rosa. Se Sartre e o existencialismo, com sua exaltação da liberdade, dominou o cenário intelectual do após-guerra, foi Edith Piaf, e não Juliette Gréco, tida então como a musa do da nova filosofia, quem mais de fato a exerceu.

Mulher livre, sem marido fixo, sem família ou filhos, colecionado amantes (em geral jovens bonitões como Ives Montand ou George Moustaki), entregou-se para sempre à música. Tornou-se a grã-sacerdotisa da canção popular francesa do após-guerra, com direito à corte permanente e tudo o mais. Uma das suas mais exemplares e comoventes interpretações foi o L´Hymne à l ´amour, Hino ao Amor, no qual ela expressou a perda irreparável do seu amado Marcel Cerdan, um campeão de boxe franco-argelino que morrera num desastre aéreo em 1949.

Rosto redondo, expressivo mas sem beleza, cabelos em desalinho, vestido longo escuro, pequerrucha, sob a luz do palco ela era indomável, irresistível, arrebatadora. Flutuava ao microfone, como um beija-flor frente a uma rosa. Deixou o mundo em 10 de outubro de 1963, aos 47 anos, desagastada pela morfina e pela época em que rodava pelas ruas como a cigana Esmeralda de Hugo. Uma vida da qual ela não se queixou: Non. Je me regrette rien/ Je me fous du passé, "Não me lamento de nada/ Eu me lixo para o passado". Seu corpo, sereno e descuidado, acompanhado por uma multidão de parisienses, foi sepultado no Père Lachese, cemitério de Paris que acolhe as celebridades do mundo artísticos da França.

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