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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

José Leitão de Barros , nasceu a 22 de Outubro de 1896


José Leitão de Barros (1896-1967)

Leitão de Barros frequentou a escola de Belas-Artes, concluindo o terceiro ano de Arquitectura, após o que se inscreveu nas Faculdades de Ciências e Letras da Universidade Clássica de Lisboa a fim de cursar as cadeiras necessárias ao exercício do magistério secundário. Completo o curso da Escola Normal Superior da Universidade de Lisboa e realizado o exame de estado, foi nomeado professor de liceu, cargo que exerceu durante alguns anos leccionando Desenho e Matemática no Liceu Passos Manuel, em Lisboa.
Cedo se sentiu atraído pelo jornalismo, colaborando em várias publicações desde 1916, com artigos, reportagens, entrevistas, crónicas e críticas de arte.
Estreia-se como realizador em 1918 com dois filmes de ficção e uma reportagem cinematográfica. Malmequer, um melodrama romântico passado no séc. XVIII, revela um cuidado com cenários e figurinos que seria uma imagem de marca nos filmes históricos que Leitão de Barros viria a realizar futuramente. A nível técnico é de salientar o uso da "tintagem", que consistia em pintar a película para, através das cores, transmitir determinados sentimentos das personagens ou fazer a distinção entre dia e noite ou cenas de interior e de exterior.
Mal de Espanha, cujo título aproveitava a designação que popularmente era dada a uma epidemia que grassava pela Europa Ocidental e constava ter tido a sua origem na Espanha, é uma sátira à pequena burguesia. Para certas famílias portuguesas da época o "mal de Espanha" eram bailarinas espanholas que vinham actuar em "cabarets" portugueses e pôr em causa a fidelidade dos chefes de família...
Sidónio Pais — Proclamação do Presidente da República vale hoje, naturalmente, como um documento histórico ao mostrar as imagens da tomada de posse dum chefe de estado que viria a tornar-se mítico.
Leitão de Barros faz uma pausa de quase dez anos enquanto cineasta, dedicando-se ao teatro (como autor e cenografista) e à pintura (expôs em Portugal e no Brasil), tendo sido distinguido com diversos galardões.
Festas da Curia (1926) constitui como que um ensaio do seu regresso à actividade cinematográfica e evidencia já o interesse por manifestações tradicionais da cultura popular, que marcariam parte considerável do percurso de Leitão de Barros, particularmente na década que se seguiria.
Em 1927 realiza Nazaré, Praia de Pescadores, um documentário focado na relação homem-ambiente, com um conceito estético que o distinguia de imediato de projectos à partida idênticos, mas que não iam além do plano meramente turístico.
O início da década de 30 trará a Leitão de Barros momentos de consagração com dois documentários ficcionais contrastantes no que se refere aos ambientes em que foram rodados, mas ligados por um assinalável rigor estético: Lisboa, Crónica Anedótica e Maria do Mar. O primeiro é um relato da cidade de Lisboa em episódios que abordam figuras e situações do quotidiano, num estilo simultaneamente humorístico e poético, inovador no cinema português.
Maria do Mar, com colaboração no argumento e assistência de realização de António Lopes Ribeiro, é para muitos a obra-prima do cinema mudo português, estando representado nas cinematecas de Londres, Nova Iorque, Moscovo e Tóquio. Rodado na Praia da Nazaré, aborda as dificuldades da vida da comunidade piscatória, narrando a história de amor entre dois jovens cujas famílias haviam quebrado relações na sequência dum naufrágio. O recurso ao grande plano, o desenho sensual dos corpos em contraste com a fúria dos elementos e a convincente combinação da actuação de actores profissionais, de amadores e de gente anónima dão a Maria do Mar uma frescura que permite encontrar no filme elementos dum modernismo que permanece no tempo.
A "aposta" seguinte de Leitão de Barros é no cinema sonoro, para o qual os estúdios portugueses ainda não dispunham das condições técnicas requeridas. Barros decide passar a película a peça de Júlio Dantas A Severa, sobre a figura mítica de Maria Severa Onofriana, uma meretriz que havia levado o fado aos salões da nobreza ao apaixonar-se pelo Marquês de Marialva. A acção, passada na primeira metade do séc. XIX, apresentava uma série de motivos susceptíveis de agradar ao público: a questão da diferença social, a tragédia da personagem principal, que morre jovem, e, naturalmente, o fado, género musical cada vez mais popular graças à força da rádio.
Enquanto para alguns A Severa é um dos filmes "mais portugueses", no sentido de reflectir um dramatismo e até uma auto-comiseração que eventualmente caracterizarão a alma portuguesa, para outros terá sido (sem culpa directa de Leitão de Barros) um repositório de elementos que marcariam de forma pouco positiva certo cinema português: a associação fado e touros, em ambiente melodramático.
A Severa, com cenas de exteriores (por vezes de grande beleza estética) rodadas em Portugal (sem som) e cenas de interiores filmadas na França, onde o filme foi sonorizado, teve um enorme êxito comercial e fez também com que se tomasse consciência da necessidade de se criarem estúdios em Portugal adequados à nova realidade do cinema, o som. Leitão de Barros e outros cineastas constituíram o que poderia designar-se de um movimento, que conduziria à criação dos estúdios da Tóbis Portuguesa, em 1932.
A actividade de Leitão de Barros prossegue nesta década fundamentalmente entre o cinema e a coordenação de festividades patrocinadas por organismos governamentais (o que levaria a que o seu nome ficasse para sempre ligado ao Estado Novo): o primeiro desfile das marchas populares, o Cortejo das Viaturas, o Cortejo da Embaixada do séc. XVIII, o Cortejo e Torneio Medieval dos Jerónimos e o Cortejo Histórico das Festas Centenárias de Lisboa, entre outras.
A nível cinematográfico há algum convencionalismo na adaptação ao cinema do clássico de Júlio Dinis As Pupilas do Senhor Reitor (1935) e da vida do poeta Bocage, no filme do mesmo nome, de 1936, películas que obtêm maior êxito no Brasil do que em Portugal.
Maria Papoila (1937) é uma combinação de melodrama e comédia e beneficia duma invulgarmente enérgica interpretação da jovem actriz principal, Mirita Casimiro. Algumas cenas do filme reforçam a ligação ideológica de Leitão de Barros ao Estado Novo, acentuada na realização, ainda em 1937, dos documentários Legião Portuguesa e Mocidade Portuguesa, sobre dois instrumentos emblemáticos do regime.
Varanda dos Rouxinóis (1939) é uma curiosa, ainda que não particularmente criativa, combinação entre o mundo do ciclismo, o da imprensa desportiva e o do teatro de revista. A Pesca do Atum (1939), um documentário rodado no Algarve sob os auspícios do Consórcio Português de Conservas de Peixe, fecha com a correcção técnica habitual o trabalho fílmico de Leitão de Barros dos anos 30. A década seguinte trar-lhe-á o apogeu e o fracasso.
Em 1942 regressa a um dos seus temas predilectos, o mar, e roda na Póvoa do Varzim um dos seus filmes mais sugestivos, Ala-Arriba!, uma história de amor marcada por rivalidades, com argumento do prestigiado dramaturgo Alfredo Cortez, a partir da obra "Os Poveiros" de António Santos Graça. Com o patrocínio do Secretariado da Propaganda Nacional e bastante elogiado por António Ferro, o responsável pela política cultural do governo, Ala-Arriba!, seria o primeiro filme português a obter um prémio internacional, neste caso a Taça Biennali da Bienal de Veneza de 1942. A acompanhar a exibição do filme nas salas de cinema, surgia o documentário Póvoa do Varzim, uma homenagem de Barros à vila piscatória que servira de cenário a Ala-Arriba!
Leitão de Barros não abandonava, aliás, o documentário, realizando alguns entre projectos de maior envergadura. Em 1944, por exemplo, rodaLisboa e os Problemas do seu Acesso, enquanto prepara o regresso ao filme histórico. Inês de Castro (1944) marca o início duma série de co-produções cinematográficas entre Portugal e a Espanha, na sequência do Pacto Ibérico de 1939. O primeiro projecto deveria ter um tema que fosse comum à história de ambos os países, pelo que se optou pela paixão entre D. Pedro e D. Inês. Com imagens frequentemente de carácter pictórico, Inês de Castro revela um vigor, um domínio perfeito dos elementos técnicos e uma segura direcção de actores (o elenco é luso-espanhol), definindo um estilo que, fosse qual fosse o género cinematográfico por que optasse, colocava Leitão de Barros num lugar à parte do panorama do cinema português.
Em despacho do próprio primeiro-ministro (ou, como se dizia na época, presidente do conselho), António de Oliveira Salazar, o próximo projecto de Leitão de Barros é definido como de utilidade nacional: Camões — Erros Neus, Má Fortuna, Amor Ardente (1946) reafirma as qualidades previamente reveladas por Leitão de Barros, embora o tom demasiado majestoso da obra acabe por lhe retirar alguma autenticidade, se bem que os dados biográficos disponíveis sobre o poeta sejam respeitados. A reacção do público fica aquém do esperado, mas a generalidade da crítica da época rende-se à vitalidade técnica e artística de Barros, que decide completar uma trilogia dedicada a vultos da poesia portuguesa (após filmes sobre Bocage e Camões) com uma obra baseada na vida de Castro Alves, o "poeta dos escravos", um dos introdutores do Romantismo na literatura brasileira.
Com apoios em Portugal e no Brasil (então um importante mercado para os filmes portugueses), Leitão de Barros partiu para o Rio de Janeiro com um "trunfo" no elenco: Amália Rodrigues, um nome já conhecido no Brasil, onde gravara os seus primeiros discos, e principal razão dos êxitos de bilheteira dos filmes Capas Negras e Fado — História duma Cantadeira, realizados pouco antes. O projecto chamar-se-á Vendaval Maravilhoso, mas a estreia em Portugal e no Brasil, em fins de 1949, revela-se uma autêntica decepção.
A crítica aponta falhas graves a nível da planificação e de certas soluções cénicas, enquanto o público lamenta que Amália quase não cante. O filme fora dos mais caros de sempre da cinematografia portuguesa e não havia a menor hipótese de se recuperar na bilheteira fosse o que fosse do investimento feito. Leitão de Barros não voltará à longa-metragem e a cooperação cinematográfica entre Portugal e o Brasil tornar-se-á praticamente inexistente.
Os próximos trabalhos de Barros em cinema situar-se-ão no âmbito do documentarismo, sendo em geral feitos por encomenda: A Última Rainha de Portugal (1951), Relíquias Portuguesas no Brasil (1959), Comemorações HenriquinasA Ponte da Arrábida sobre o Rio DouroEscolas de Portugal (1962) e A Ponte Salazar sobre o Rio Tejo (1966).
Nos últimos anos de vida retomou com mais assiduidade a actividade jornalística, merecendo destaque as crónicas que assinou sob o título "Corvos", compiladas em volumes ilustrados por João Abel Manta.



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