Previsão do Tempo

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Quanto vale a República?


"A República das bananas" só não é o título desta crónica porque, estando nós a celebrar o centenário da República, levaria a leituras erradas. Mas é esse o ambiente que se vive, hoje, em Portugal. Estamos à beira de um precipício, com a credibilidade económica e financeira do País de rastos e com um quadro social negro, onde inúmeros portugueses são apanhados no turbilhão de um desemprego interminável e com apoios cada vez mais precários. Um clima explosivo, que torna impensáveis as numerosas declarações de dirigentes políticos de primeira linha, sobretudo do PS e PSD. Noutros tempos, poderiam ser encaradas como "arrufos" a anunciar combates eleitorais mais duros. Nos dias que correm, soam a outra coisa, a um misto de vaidade e de desespero inaceitáveis.
Atacar o défice orçamental e reduzir a dívida pública para níveis racionais é hoje muito mais do que um objetivo estratégico e estruturante, como o classifica o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Hoje, o que está em jogo não é "apenas" a sustentabilidade das contas públicas, algo que se pode adiar mais ano menos ano, a que se pode ir fechando os olhos e chutando para a frente. O problema é que já não há mais "lá para a frente". O ataque ao défice passou a ser uma questão imediata, de "sobrevivência". Temos à porta, pronta para entrar, uma crise que, de todo em todo, não vamos querer experimentar. O descontrolo das contas públicas e das contas com o exterior passaram a ser uma questão de Estado, desde o momento em que os "mercados" começaram a olhar para o endividamento português como algo de anormalmente elevado, descontrolado e com risco de incumprimento. As acusações e ultimatos trocados pelas lideranças do PS e PSD nos últimos dias só podem agravar esta perceção de descontrolo e de incapacidade de resposta, reforçando todos os efeitos negativos que dela decorrem.
Quem tem a primeira responsabilidade de liderar o País é o Governo. É a ele, e ao partido que o suporta, que cabe o direito de apresentar uma proposta orçamental. E é também a ele que cabe o dever de apresentar uma proposta que recolha o apoio necessário, no atual quadro parlamentar. Foi esse o mandato que o povo lhe conferiu nas eleições, uma "confiança relativa", que o Executivo aceitou. O que se lhe deve exigir agora é que, no respeito desse mesmo espírito democrático, procure, construtivamente, soluções que lhe permitam governar com estabilidade, garantindo um quadro orçamental que dê resposta à grave crise em que nos encontramos. Mas ao PSD, partido que reparte com o PS a responsabilidade pela estrutura social e económica que hoje temos, também se exige que procure, de forma construtiva, contribuir para uma solução que evite a crise política, neste momento crítico.
O equilíbrio das contas públicas faz-se entre despesas e receitas. De forma grosseira - ignorando as várias diferenças que tornam impossível dizer com propriedade que "toda a gente está de acordo" -, toda a gente concordará que a melhor solução não passa pelo aumento de impostos. Em primeiro lugar, porque a carga tributária já é alta e tem subido, consistentemente, ao longo dos anos. Em segundo lugar, porque é sempre uma medida que arrefece a economia, coisa que não desejamos, neste momento. Por isso, percebe-se o PSD quando diz que só apoiará o Orçamento socialista se não houver aumento de impostos. Mas o PSD sabe também que uma grande percentagem da estrutura das contas do Estado não é gerível, já que está atribuída, antes mesmo de qualquer opção política. É o caso, sobretudo, das despesas com pessoal. A não ser que se defendam despedimentos maciços na função pública. Ora, repetindo a ressalva feita antes, "toda a gente estará de acordo" em que este não é o melhor momento para o fazer, quer porque o Estado não tem dinheiro para assumir os custos daí decorrentes quer porque o setor privado está anémico, sem capacidade sequer para absorver o desemprego-recorde já hoje existente.
PS e PSD têm de se entender, com inteligência e bom senso, deixando de lado ultimatos que não fazem sentido nem devem fazer parte do discurso negocial. A OCDE veio a Portugal e acabou por revelar uma posição estranhamente moderada, que muitos viram como uma "mão" à política desenhada pelo Governo, mais apoiada em novos aumentos da receita do que em cortes estruturantes da despesa. A questão é que a OCDE não faz lei no mundo real em que navegam empresas e países. A questão é que o problema da (falta de) credibilidade, assim como os problemas que a determinam, continuam a ser os mesmos, antes e depois desta visita da OCDE.
Não há equilíbrio nem sustentabilidade das contas públicas sem cortes significativos no lado da despesa. E o PS vai ter de os fazer. Como também é certo que não há qualquer hipótese de equilíbrio das contas públicas, dentro dos calendários existentes, sem um rápido aumento de impostos (e, já agora, que seja do IVA, que, apesar de ser "cego", taxando pobres e ricos da mesma maneira, penaliza apenas quem pode consumir e na medida do que consome). E o PSD terá de aceitar que esse aumento é inevitável.
Cortes substanciais na despesa e aumento de impostos são duas medidas tão certas quanto o facto de que apenas a sua combinação é politica e socialmente aceitável. E tão certas quanto o facto de que apenas em conjunto poderão ter força suficiente para neutralizar rapidamente a pressão internacional que hoje recai sobre o País. Uma pressão que, não devemos esquecer, amanhã poderá ser interna e dirigida às nossas instituições políticas.
Em vésperas da apresentação de um Orçamento decisivo, e aproveitando estes dias de comemoração da República, recomenda-se vivamente uma incursão aos tempos que anteciparam, e justificaram historicamente, o aparecimento do Estado Novo. Estamos sempre a tempo de aprender com a História.
In " Visão"

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