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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Adolpho Bloch., morreu a 19 de Novembro de 1995


Toda trajetória de um dos maiores empresários que o nosso país já teve iniciou-se no dia 8 de outubro de 1908 em Jitomir, uma bela cidade russa banhada por seis rios e com uma população estimada naquela época em aproximadamente 100 mil habitantes. Naquele exato dia nascia Adolpho Bloch.
Em sua infância, Adolpho já convivia com as atividades comerciais. Sua família possuía uma litotipografia e uma fábrica de gelo em sua própria residência, inclusive a companhia de um tabelião, o qual o próprio Bloch devia muito a ele em sua maneira de ser. Mas a sua convivência não se restringia apenas aos serviços profissionais de sua família. Aos nove anos, Adolpho Bloch foi testemunha ocular da Revolução Russa, assistindo às diversas guerras, ao medo e ao pavor, razões levaram o então menino a se transformar em um adulto ainda naquela idade. Com o tratado de Brest-Litovsk, assinalando a paz entre a Rússia e a Alemanha, mais de dez milhões de soldados voltavam desordenadamente do front. Os habitantes de Jitomir, inclusive a família Bloch, foram brindadas com vários progroms promovidos pelo General Petliúra.
O primeiro pogrom do General Petliúra começou logo após a sua chegada a Jitomir, à frente de seu exército de cossacos, tão belos no palco, mas tão ferozes na vida real. A violência contra os judeus foi inaudita. A matança foi geral. Eram oito pessoas na sala da residência da família Bloch quando os cossacos surgiram, desembainhando seus sabres e exigindo ouro, jóias e objetos de valor como resgate da vida daqueles que se encontravam naquela sala. A mãe de Adolpho tinha apenas 45 anos de idade naquela ocasião e já estava preparada para a situação, entregando aos cossacos um porta-jóias. Ninguém foi massacrado naquele instante e local, onde o pequeno Adolpho quase não podia respirar de tanto ódio. E pensava: "se eu pudesse fazer faltar o ar, por um minuto que fosse, os cossacos morreriam e pagariam caro a violência que cometiam".
Daquele episódio, surgia naquele momento uma idéia que acompanhou Adolpho Bloch desde aquele dia sofrido: o ar representa Deus. Está em toda a parte, é invisível e tem vida. Nos livros religiosos sempre se diz que Deus é onipresente. E o ar também. Naquela ocasião, Adolpho andava lendo uma brochura sobre religião e nela se dizia que Jesus era judeu. E ele se indagava: "Como é que os homens de uma religião podiam perseguir a religião que era de Deus?".
Ainda em 1917, uma diligência do filho de um dos empregados da família Bloch chamado Baruch, os levou a Kiev, localizada a 120 Km de Jitomir. A viagem para a capital ucraniana durou sete dias, pois os caminhos estavam congestionados de soldados que voltavam das trinceiras. Naqueles dias, aconteceu um fato que Adolpho Bloch nunca esqueceu: sua mãe tinha os cabelos pretos. Quando chegou a Kiev, os seus cabelos estavam totalmente brancos. A tensão da viagem, o cuidado em proteger os filhos a haviam marcado para sempre.
Em Kiev, a família Bloch foram viver em um apartamento na Rua Pushkinskaia, 23, que seu pai havia comprado em 1914. E ali tiveram notícias de três fatos históricos: a paz em separado entre a Rússia e a Alemanha, a independência da Finlândia e a declaração de Lord Balfour, com a promessa da Inglaterra de estabelecer um lar judeu na Palestina. Foi também em Kiev que Adolpho Bloch assistiu à muitas revoluções e a mais de três pogroms. Em 1920, acompanhado pelo General Weygand, o marechal polonês Pilsudski entrou na cidade com 700 mil cavalarianos, levando semanas para ocupar a região.
Era véspera de Pessach, a páscoa judaica. As irmãs de Adolpho foram requisitadas para limpar o Bibikovsky Bulvár. Ele as acompanhava, ajudava pouco e estavam conformados com a situação. Foram até Duma (parlamento local) na Rua Krestiátik (a rua principal da cidade) e viram tremular a bandeira vermelha do novo regime que se instalava. Naquele ano, houve vinte revoluções, onde os Blochs ficaram habituados a ir à Duma para verificar qual a bandeira que estava no poder. Cada bandeira correspondia a uma nova constituição. Mudava tudo, e sempre para pior. Um sobrinho da mãe de Adolpho, chamado Ióssif, havia chegado da Sibéria. Era matemático e jornalista, trabalhando no jornal do Partido Comunista. Quando saiu um de seus artigos, o governo estava nas mãos do General Denikin, do Exército Branco, e ele pagou com a vida por suas idéias.
Tudo ficou difícil. Mas a família Bloch não deixava de ir, às noites, ao circo onde o famoso clown Durov exibia um número muito sugestivo: ratinhos brancos faziam fila e apanhavam um cartão numerado. Depois recebiam uma pequena cestinha que traziam na boca e eram levados a um enorme gato que representava a feroz Tcheká, a ancestral da KGB. Se não houvesse alguns grãos, o gato levava o ratinho para uma cela ao lado, pois se tratava de um burguês explorando o proletariado. O público gritava: "O que é teu é meu. O que é meu é meu!".
E assim, os Blochs iam dormir, depois de tomar chá feito de cascas de laranja. Eram jovens, suportando tudo aquilo com naturalidade, pois achavam que a vida era assim mesmo. Com a desapropriação de sua litotipografia e dos quiosques onde colocavam affiches, a vida se tornou ainda mais difícil.
Um episódio ocorrido com um irmão de Adolpho chamado Arnaldo tornou mais dramática a sua vida. Na grade da oficina da família Bloch, ao nível da calçada, e que dava para o setor onde ficavam as etiquetas de açúcar e balas que ali eram impressas, os dois irmãos improvisaram um trenó, usando as fitas de aço que prendiam os fardos de papel, e assim faziam deslisar o trenó de madeira facilmente na neve bastante concentrada, pois naquela época era inverno. De madrugada, ainda escuro, Adolpho e Arnaldo retiraram quatro ou cinco barras de ferro da grade, e como Adolpho era o mais magro, penetrou na oficina. Muitos pacotes foram pasasdos para o seu irmão, que os arrumava no trenó. Recolocaram as barras de ferro na grade e seguiram até o 4º Bulvár. Lá funcionava uma feira de trocas: trocavam pianos, tapetes, quadros, qualquer coisa por um pouco de batata, pepino, cebola, cenoura ou açúcar.
Quando chegaram em sua casa, no luxuoso apartamento onde as cortinas tinham vindo da Itália e agora estavam reduzidas a farrapos, a festa foi geral. O trenó estava escondido por um dos pedaços da cortina. Um cunhado dos dois irmãos soube da aventura e quis ter uma participação nos lucros. Durante a guerra, ele se tornara perito em jogar o Black Jack. Com a metade das fortunas acumuladas, ele prometia ganhar milhões de rublos, mas a proposta foi recusada.
A situação tornava-se dramática, quando os Blochs foram expulsos do apartamento e foram morar em um quarto do Bibikovsky Bulvár, junto à escola comercial onde Adolpho estudava. Ali viviam onze pessoas contando com ele mesmo. Assim se passaram alguns meses, onde Adolpho assistiu a mais dois progroms. E a sua mãe, uma iídiche mame, sempre dizendo que os tempos iam melhorar. Em meados de 1921, encontraram o seu Lipa, filho de Dr. Uger. A odisséia foi contada, bem como manifestado o desejo de emigrar. O pai da familha tinha um irmão que morava no Brasil, mais precisamento no Estado da Bahia. Ele mandou uma pessoa para orientar os filhos e assim embarcaram em um trem de carga, sentados no piso do vagão. Viajaram sete dias até chegar à estação anterior à de Odessa. Durante a viagem, os Blochs eram fiscalizados de duas em duas horas. Vinha uma patrulha que pediam a eles "os documentos", que eram relógios, pulseiras, brincos ou qualquer outro objeto de valor. Antes de chegarem ao fim da viagem, já não tinham qualquer "documento". A última patrulha que os fiscalizaram não encontrou mais nada. Bella, uma das irmãs de Adolpho, precipitou-se e ofereceu a um dos guardas o livro que estava lendo, um volume de poemas do poeta nacional russo Pushkin. A reação do soldado foi imediata: queria fuzilar Bella. Uma senhora que viajava ao lado de Bella salvou a situação, dando uma jóia ao soldado. Muitos anos depois, Adolpho Bloch descobriu a razão por que o soldado queria matar sua irmã: não se oferecia livro a um analfabeto.
Um impressor da oficina dos Blochs tinha um filho que era maquinista do trem que ia para Bieloie-Tserkvi. Ele se mostrou disposto a levar uma outra irmã de Adolpho, chamada Sabina, até lá a fim de trazer seis sacos de trigo. Tiraram as cortinas italianas do apartamento para fazer os sacos. Sabina sentou-se junto ao maquinista, na locomotiva que era a carvão. O trem apitava a cada dez minutos anunciando a partida, mas não saía do lugar. No fim de seis dias, ela finalmente recebeu a notícia de que o trem não ia partir. Voltou para casa com a cara suja de carvão, sem os sacos que lhe foram roubados e com os rins afetados, pois durante os seis dias ela não podia ir ao banheiro com medo de perder a viagem.
Os Blochs desceram na estação anterior à Odessa e foram em frente, até o rio Dniester, em um local onde havia grandes plantações de milho. E lá acamparam esperando o momento propício para atravessar o rio e atingir a Bessarábia. Em uma noite de luar ouviram cerrado tiroteio. Souberam depois que várias famílias que desejavam atravessar o rio haviam sido fuziladas. Veio um mensageiro que os alertaram do perigo. Deviam esperar uma noite de lua nova para tentar a travessia. Isso levaria muitos dias. A sede era horrível, embora a água estivesse a menos de 200 metros. Bebiam gotas, quando podiam.
Finalmente, atravessaram o rio Dniester em uma noite muito escura. Do outro lado os esperavam carroças de palha de milho. Homens barbados e experimentados, vestidos com camisas ucranianas bordadas no peito e nos pulsos, arrumaram-os na parte da frente das carroças, junto aos cavalos, em grupos de três ou quatro pessoas. Na fronteira, os guardas enfiavam enormes garfos na palha. Adolpho ouvia o barulho do ferro na palha mas estava longe, no outro canto da carroça. E assim chegaram a Dobreven, já na Bessárbia. Sairam felizes, com restos de palha nos cabelos e nas roupas. Entraram em um casebre pequeno, onde o chão era de terra batida. Foi ali que Adolpho conheceu a aramatchka iv joper lhubit lest, flor típica da região. E provaram um prato inesquecível, típico da Romênia: o mameligue (angu de fubá). Consagrou-se como um dos pratos mais deliciosos já comido por Adolpho Bloch, pois para ele representava o prato da liberdade. Ali permaneceram uns dias e depois rumaram para o porto de Galátz. Ficaram em um hotel perto do cais. Adolpho gostava de ver as enormes barricas de arenque que exportavam. Aquele região era muito rica.
Semanas depois, embarcaram em um pequeno navio que atravessou o rio Constança, o mar Negro, o mar de Mármara. Fizeram uma escala em Constantinopla. Era 8 de outubro de 1921. Naquele dia, Adolpho Bloch completava 13 anos e estava preparado para fazer o seu Bar Mitzvah. Saiu do barco e, como falava um pouco de francês, informou-o sobre a sinagoga. Era do outro lado do Bósforo e ele precisava atravessar a ponte, pagando meia piastra de pedágio. Ele não tinha esse dinheiro, mas fora escoteiro na Rússia e conhecia alguns truques. Havia um turco na entrada da ponte chacoalhando seu fez cheio de moedas. Adolpho decidiu correr e o turco não o conseguiu pegar.
Foi à sinagoga. Era dia de semana e havia pouca gente. Falou com o shames (bedel), explicando que estava fazendo 13 anos naquele dia e tinha direito ao seu Bar Mitzvah. Ele o consolou, desejou-lhe felicidades e o abençoou em turco; mas, em compensação, o shames lhe deu trabalho. Adolpho voltou ao navio pela ponte, passando por uma rua onde apreciou lojas de filatelia. Gostou muito de ver selos de todo o mundo. Quando chegou ao porão do navio, onde viviam mais de cem pessoas, encontrou a sua gente. Todos o comprimentaram e foi assim que ele comemorou os seus 13 anos. Mas não pôde deixar de lembrar, naquele dia, o seu tio Jorge, irmão de seu pai. Sempre lhe prometendo que, ao fazer 13 anos, ele o levaria à casa das meninas, na Rua das Maravilhas, 27.
Chegaram finalmente a Nápoles, onde passaram alguns meses, vivendo no cais e nas ruazinhas onde as roupas brancas penduradas parecem bandeiras de paz. Ali conheceu a miséria rica. Mais tarde, conheceria a riqueza miserável. Dois pratos de espaguete bastavam para alimentar a família. Quando via pessoas em restaurantes ou bares comendo enormes pratos, ele não podia imaginar que aquilo algum dia podeira acontecer consigo mesmo.
Em dezembro de 1921, iniciaram a viagem rumo ao Brasil. Foram de trem até Gênova, atravessando quase toda a Itália e passando por Roma. Já eram vistos os cartazes anunciando a era de Mussolini. Em Gênova, embarcaram na terceira classe do Red'Italia. Do Brasil, Adolpho só conhecia a fotografia que havia no consulado brasileiro de Nápoles: era o canal do Mangue, com suas lindas palmeiras e o rio no meio. Aquela imagem o perseguiu durante toda a viagem. Naquela época, o dinheiro tinha valor. As classes (primeira, segunda e terceira) eram bem diferenciadas. Ele via de longe os passageiros de primeira classe, que pareciam viver em um palácio de luxo. Na terceira, a mesa era farta, coletiva, parecendo-se com um piquenique. As suas irmãs, acostumadas a um certo luxo, estranharam o elevador da terceira classe: era o guincho das mercadorias. Mas eram jovens, cheios de esperança e sabiam que o Brasil os daria a oportunidade de emigrar para os Estados Unidos. Esse era o desejo e todos diziam que era mais fácil obter os vistos no Brasil.
Saindo de Gênova, um dia depois chegaram a Barcelona. Todos os passageiros podiam descer a terra, menos os de terceira classe. De lá, rumaram para Dancar. Foi a primeira vez que viu negros. Eram crianças simpáticas, falando francês. Os passageiros jogavam moedinhas na água e os garotos mergulhavam para apanhá-las, um espetáculo habitual que fazia parte das distrações da viagem.
Chegando ao Brasil, no início de 1922, a família Bloch instalava-se na cidade do Rio de Janeiro. De bagagem, trouxeram a saúde. Como riqueza, um pilão. Foram morar no Andaraí-Leolpoldo. Achava a cidade muito interessante. Vendia-se tudo na rua: peixeiros com suas varas apoiadas nos ombros, levando as grandes caçambas onde o peixe parecia ter saído naquele instante do mar. O dono do armazém logo oferecia o seu caderno de fiado (sem correção monetária) e as amostras de excelentes sardinhas Vasco da Gama, bacalhau, manteiga, era uma vida diferente. O padeiro, o homem do botequim, todos queriam ajudar. Só se pagava no fim do mês. Isso cativou os Blochs para sempre.
O Brasil se preparava para comemorar o Centenário da Independência e Adolpho freqüentava a Escola Francisco Cabrita, na Rua Major Ávila, perto da Praça Saenz Peña. A professoara chamava-se Carmem, achava-me muito grande e sabido para freqüentar aquela turma. Mal ela sabia que ele estava apaixonado por ela. E em muitas noites ela lhe vinha em sonhos.
Foram depois para a Rua Conselheiro Costa Pereira, 45, nos fundos da Fábrica de Tecidos Corcovado. Em frente passava um canal. A casa tinha uma sala e dois quartos pequenos. No verão, os Blochs costumavam dormir de janelas abertas. Eram, então 10 pessoas e uma empregada mineira, chamada Aurora, uma alma nobre. Obrigava-os a contar para ela os nossos sonhos para fazer sua fé no bicho. Jogando 200 réis ela podia ganhar 1.400. com isso ela fazia a feira, depois do meio-dia, omprando as xepas. À noite, o guarda-noturno apitava, apitava e uma de suas irmãs ia à janela e convidava-o a verificar o que podia ser roubado da casa onde viviam. O guarda ficou amigo da família e às vezes trazia coisas para alegrar o jantar. Ele os ensinou a usar luz sem pagar à Light. Bastava uma moeda de 400 réia que se colocava no lugar do fusível. De dia, retiravam a moeda. Para o fiscal da Light, diziam que quando tivessem dinheiro mandariam ligar a luz de novo. O problema eram as lâmpadas. Muitas vezes tiveram que trocar a lâmpada de um cômodo para outro, porque não tinham condições de ter três lâmpadas. Era luxo demais.
A mãe de Adolpho, um pouco religiosa, rodas as sextas-feiras acendia duas velas para festejar o shabat. Aurora aprendeu rapidamente apreparar todas as comidas típicas. Adolpho já falava um pouco de português, tanto que um dia sua irmã Bella teve dor de garganta e o Adolpho foi levá-la à Santa Casa. Serviu de intérprete e mostrava ao médico a região da dor. Finalmente compreenderam, levaram Bella e lhe arrancaram um dente.
Vieram novos vizinhos: Adauto Lúcio Cardoso e seus irmãos, que haviam perdido o pai em Curvelo e vinham tentar a vida no Rio. Adauto e o tio Jorge de Adolpho eram seus companheiros de bonde. Quando o cobrador se aproximava, tilintando as moedas, o tio Jorge permanecia imperturbável, fingindo que lia o jornal. O cobrador insistia. O tio Jorge voltava-se para ele e perguntava aborrecido: "Outra vez?".
Adolpho e sua família começaram a trabalhar com pequenas máquinas manuais. Ganhavam para viver. A tragédia era aos domingos, quando o próprio Adolpho queria ir ao Cinema América para ver O Corcunda de Notre Dame. Tinha de lavar a camisa e esperar secá-la ao sol e ao vento para poder ir ao cinema. Depois ia à Confeitaria Tijuca e ficava apreciando as meninas. Foi assim que começou a conhecer a gente brasileira. Quando ouvia o português, falado de longe, tinha a impressão que era o russo. O tempo passava e chegavam às batalhas de confete que precediam de três meses o carnaval. As lâmpadas eram penduradas no meio da rua, as casas se enfeitavam, o confete, a serpentina e o lança-perfume eram armas para se conquistar uma namorada.
Os Blochs haviam sido despejados da Rua Pereira Nunes, uma sensação muito triste que Adolpho teve ao ver uma carroça levando todos os móveis da casa. Dez anos depois, foi à Rua Pereira Nunes, esquina de Barão de Mesquita. No lugar, havia um café, cujo dono era um português. Pagou-o tudo o que devia. O homem ficou emocionado e o brindou com um banquete: sabia que Adolpho gostava de pão com sardinha e guaraná. Ficaram amigos para sempre.
Depois da Rua Pereira Nunes, os Blochs foram morar na Souza Franco, quase esquina do Boulevard 28 de Setembro, no coração de Vila Isabel, o mais famoso Ponto de Cem-Réis. Já tinham instaladas duas pequenas máquinas impressoras movidas a mão e imprimiam seu cartão de visita: Joseph Bloch & Filhos - Tipografia - Rua Vieira Fazenda, 24. Não tinham telefone. Em frente, havia a quitanda de dona Maria, uma mulher bondosa que ensinou seu papagaio a falar, todas as vezes que o telefone dela tocava para eles: "Joseph Bloch & Filhos! Telefone!" Foi o primeiro secretário eletrônico que Adolpho Bloch conheceu e nunca exigiu nenhum contrato de trabalho. Quando sobrava algum dinheiro, trazia-lhe um pacote de sementes de girassol. E ele, agradecido, pulava para o seu ombro.
Na Rua Dona Zulmira, que ficava perto, as batalhas de confete encantavam Adolpho Bloch. Cadeiras na calçada, luzes, as famílias ofereciam croquetes e empadinhas a todos, era uma festa para os olhos, o estômago e o coração. Já com a pequena renda da gráfica e participando da alegria geral, a família Bloch era muito feliz. Ao longo de sua permanência no Brasil, juntavam dinheiro para comprar as passagens que os levariam para os Estados Unidos. Mas a alegria de viver no Brasil foi tomando conta dos Blochs. Um dia, o dinheiro reservado para as passagens serviu para comprar o primeiro Ford Bigode da familia, no Mestre-Blatgé. E assim podiam participar das batalhas de confete e, durante o carnaval, do corso da cidade, que ia da Avenida até o Mourisco, no final de Botafogo. Sua irmã Sabrina casou-se. Depois foi a vez de Fanny. Casou-se com um homem muito bem de vida, pois tinha uma bicicleta para ir trabalhar. Levava-os uma vez por semana à Exposição do Centenário do Brasil, entrando pelos fundos da Rua da Misericórdia. Meses depois, descobriram que ele só os levava nos dias de entrada franca.
Foi lendo o jornal do bonde que Adolpho Bloch ia aprendendo o português. Só se falava no escândalo do colar oferecido pela Associação Comercial ao Presidente Epitácio Pessoa, que havia promovido as festas comemorativas do Centenário. Adolpho se perguntava: "Mas por quê? É a festa mais bonita que vi em minha vida e todos os jornais só falam no escândalo!".
Começou a freqüentar as redações dos jornais, em busca de encomendas. Em A Vanguarda, que bem mais tarde, com outro proprietário, seria um jornal integralista e anti-semita, tornou-se amigo de seus diretores Ozéas Serôa da Mota e Mazzini. A sua rotativa era em frente à Rua do Rosário, 170. Um dia apareceu um didadão português, chamado Oliveira, trazendo uma amostra de papel de seda para servir de invólucro de laranjas. Mazzini perguntou a Adolpho se ele seria capaz de imprimir aquilo. Adolpho ficou de estudar o assunto e conseguiu fabricar o papel de 18 gramas na Fábrica de Papel Companhia Mecânica de São Paulo. E comprou máquinas para imprimir naquele papel o mapa do Brasil. E assim pôde atender à freguesia dos exportadores de laranja: Alberto Coccoza, Karl Fisher, Oliveira & Irmãos e outros. Em menos de seis meses, tinham dinheiro para a primeira casa, na Rua 5 de Julho, 32, agora 82, em Copacabana. Foi construído pela Freire & Sodré e nela gastaram 180 contos de réis.
A gráfica teve vários endereços: Mem de Sá, 285 (onde Adolpho conheceu Irmã Paula); Constituição, 38 e, depois, Visconde da Gávea, 26. Foi neste endereço que compraram a primeira off-set e iniciaram a construção do prédio da Rua Frei Caneca, 511. Estavam às vésperas da Segunda Guerra Mundial. No dia 1º de setembro de 1939, quando leu no Correio da Manhã que os tanques da Alemanha haviam invadido a Polônia para ocupar o porto de Dantzig, e que os poloneses estavam reagindo com a cavalaria, Adolpho disse para ele mesmo: "Já vi esse filme, em 1920, nas ruas de Kiev.". E foi naquele ano que inauguraram a primeira sede própria, na Rua Frei Caneca, um prédio bastante moderno para a época. Nos fundos, junto ao morro de São Carlos, tirararm 50 mil metros cúbicos e eli ergueram um edifício de seis andares. E lá, ficaram até 1968, quando se mudaram para o Russel, 804.
Ao mesmo tempo, compraram os terrenos em Parada de Lucas, boa parte deles do editor José Olympio. Custaram 2 milhões de cruzeiros em vinte promissórias de 100 contos cada uma. José Olympio os concedeu a oportunidade de comprar outros terrenos ao lado e neles construíram o Parque Gráfico, um dos maiores da América Latina. Nesse tempo, a rotativa trabalhava a semana toda imprimindo revista infantis para a Brasil-América, do Adolfo Aizen, e para a Rio Gráfica, do Dr. Roberto Marinho. Adolpho Bloch tinha três dias de folga nas máquinas: sábado, domingo e segunda-feira. Sempre sonhara ter uma revista semanal que não dependesse das encomendas. Tinham capacidade para imprimir 200 mil exemplares. Os acontecimentos eram históricos e Adolpho queria participar deles. O mercado de revistas, no Brasil, era liderado pelo O Cruzeiro, dos Diários Associados. Adolpho teve a oportunidade de visitar a nova sede construída pelo Dr. Assis Chateaubriand, na Rua do Livramento. E verificou que a rotativa estava em um andar e o setor dos cilindros em outro. Não compreendeu aquela disposição e percebeu que, com inovações técnicas e editoriais, poderia conquistar o mercado.
Adolpho Bloch tinha amigos intelectuais: o Henrique Pongetti era o seu companheiro de praia. R. Magalhães Jr. era o seu conhecido dos tempos do Assirius, quando ele ocupava uma mesa na primeira fila, junto à pista e dançava os dois tangos e dois maxixes de praxe. Adolpho convidou-o para trabalhar no projeto de uma revista semanal. Em 1951, em uma reunião da qual fazia parte o seu primo, Pedro Bloch, imaginaram uma revista do tipo da Paris-Match, daí surgindo o nome de Manchete. Para o lançamento da revista, Adolpho comprou novas máquinas e instalou a redação na sede da Rua Frei Caneca. Colocou um anúncio nos jornais, dizendo que precisava de um desenhista industrial. Daí, surgiu um rapaz, o Wilson Passos, de poucas palavras, para trabalhar na revista Manchete: um técnico rápido e competente, segundo o próprio Adolpho afirmava.
Naquele mesmo ano, inaugurava-se a TV Tupi do Rio de Janeiro. A Rádio Nacional ainda era o principal veículo de comunicação do país. Foi nesse qudro que a Manchete surgia em abril de 1952. No início dos anos 50 foram lançadas grandes revistas em todo o mundo e Adolpho as acompanhava de perto. Costumava dizer que o princípio da ficliidade consiste em se trabalhar naquilo que se gosta - e ele gostava de trabalhar naquele ramo. O primeiro número da revista não o agradou, fazendo com que ele mesmo lutasse pelo seu melhoramento. Só começou a compreender um pouco do jornalismo quando do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. A capa já estava impressa, era do Brigadeiro Eduardo Gomes, tradicional adversário do presidente. Na manhã de 24 de agosto, uma terça-feira, quando Lourival Fontes telefonou para Adolpho para informá-lo sobre o suicídio, este teve de imprimir nova capa com o Presidente Vargas. À tarde, a edição foi para as ruas e à noite já estava esgotada. No ano seguinte, outra lição: Carmem Miranda morrera nos Estados Unidos e viria a ser sepultada no Brasil. O enterro foi em um sábado, com grande acompanhamento e muita emoção popular. Não podia haver dúvida: a capa da semana seria ela. Aconteceu que, no domingo à tarde, a boate Vogue pegou fogo. Dois homens, em desespero, atiraram-se do prédio onde funcionava a boate. A tragédia abalou o Rio e Adolpho teve que mudar a capa, trocando o enterro da Carmem Miranda pelo incêndio da Vogue. A edição se esgotou no mesmo dia.
Para reforçar cada vez mais o andamento de sua revista, Adolpho Bloch fez contratos com agências de fotografias no exterior e teve a oportunidade de cobrir os fatos mundiais. A qualidade do material fotográfico da própria Manchete deu muita vida à revista, que passou a ser conhecida internacionalmente. Nessa altura, o Parque Gráfico de Parada de Lucas ficara pronto e assim melhorariam a qualidade gráfica, aumentando, assim, a produção do semanário.
Depois da morte de Vargas, vieram as crises políticas de 1955. Havia muito assunto em todos os setores e as vendas aumentavam a cada semana. O ex-governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, foi eleito presidente da República. Adolpho Bloch tinha muita simpatia por ele, mas não o conhecia ainda bem.
Era um homem que costumava realizar aquilo que prometia. E durante a sua campanha eleitoral, ele garantiu que cumprimria suas 30 metas para desenvolver o Brasil. Em um de seus comícios, em Jataí, Goiás, um popular perguntou-lhe se, eleito, o candidato cumpriria integralmente a Constituição. Juscelino confirmou, sim, cumpriria todos os dispositivos da Constituição. O cidadão então perguntou se Juscelino cumpriria o dispositivo que previa a mudança da capital da República para o Planalto Central.
Juscelino já havia elaborado seu Programa de Metas e não pensara no assunto. Mesmo assim, sem vacilar, garantiu que, eleito, transferiria a capital da República para o Planalto Central. A partir desse instante, Brasília transformou-se na sua Meta-Síntese. O planalto goiano era menos conhecido do que a Amazônia. A idéia espantou muitos, mas JK foi em frente. Em um sábado, almoçava Adolpho Bloch em sua casa, no Edifício Chopin, com seu diretor Otto Lara Resende e sua mulher Helena. Durante o almoço, surgiu o Dr. Israel Pinheiro, sogro do Otto e amigo de Adolpho, comunicando a este que havia renunciado a seu mandato de deputado federal para assumir a presidência da Novacap, a empresa que iria construir Brasília. Pinheiro havia perguntado a Adolpho quantos lotes ele desejaria comprar na nova capital.
Este o respondeu dizendo que compraria apenas um, no setor destinado à indústria gráfica, e onde realmente construiu a primeira sede da sucursal da nova capital. Nos 12 anos de convivência diária e fraternal com JK, Adolpho Bloch aprendeu bastante. Às vezes, o próprio Bloch queria transmitir esses ensinamentos, mas infelizmente não era compreendido. Durante os cinco anos de seu governo, só estiveram juntos três ou quatro vezes. Em uma delas, era dia de greve dos bondes promovida pelos estudantes que protestavam contra o aumento de um centavo nas passagens. Adolpho estava com um problema, pois havia prometido ao embaixador Negrão de Lima, chefe da campanha eleitoral de JK, que, eleito o presidente, sua gráfica daria 20 mil cartazes enormes com o slogan 50 anos em 5. Adolpho havia tirado este slogan de um discurso de JK, feito em uma pequenina cidade do interior. Jornais, revistas e a televisão criticavam o famoso slogan. Adolpho desejava explicar ao presidente que se responsabilizaria pelos cartazes.
Procurando o presidente pelo Catete, Adolpho o encontrou na cozinha, comendo de uma marmita que viera do Palácio Laranjeiras com o seu almoço. JK ficou feliz ao vê-lo. Perguntou-o pela sua saúde. Adolpho disse, então: "Presidente, esta campanha diária contra o senhor, feita pela imprensa, rádio e televisão, está sendo causada pela minha confiança no seu governo. Fui eu quem mandei imprimir e colocar cartazes em todas as principais cidades brasileiras.". JK deu uma gargalhada e respondeu: "Então, Bloch, você acha que nós vamos fazer o Brasil caminhar 50 anos em apenas cinco anos?". Adolpho acompanhou o sorriso dele e a partir daquele dia ficaram amigos inseparáveis.
Ele tinha a certeza de que JK era um grande homem e que seu lugar na história estava garantido. Adolpho editou suas memórias, apesar das muitas dificuldades que o governo de então colocou no projeto por ambos criado. Foram publicados os três volumes de suas memórias (A Experiência da Humildade, A Escalada Política e 50 anos em 5, além de um resumo dos três com o título Por Que Construí Brasília.). Posteriormente, Carlos Heitor Cony completou a série com JK - Memorial do Exílio. O governo liberaria a venda dos livros bem mais tarde. Assim, JK não viu a publicação dos dois últimos livros de suas memórias.
Ele freqüentava diariamente a redação de Manchete. Um dos editores, sabendo que ele estava a par de tudo o que se publicava, pediu-lhe que escrevesse resenhas de livros, garantindo-lhe um cachê de 100 cruzeiros a lauda. Ele aceitou o encargo, mas recusou o pagamento. O editor garantiu-lhe que, se não recebesse, a colaboração dele seria suspensa. E, assim, os últimos cachês que JK recebeu foram os de colaborador de Manchete. Assinou críticas de livros sobre economia, sobre ensaios e romances. Era com alegria que ele próprio juntava os recortes de suas colaborações.
Certa vez, Adolpho Bloch procurara o Dr. Israel Pinheiro, presidente da Novacap, dizendo-lhe que faria toda a propaganda de Brasília sem qualquer interesse comercial. À mesma época, a revista O Cruzeiro só publicava matérias pagas sobre a construção da nova capital. Dizia Bloch que desejava pagar ao governo o privilégio de divulgar a epopéia que estava se realizando no Brasil Central.
Em 1958, acompanhado de seu Dirceu do Nascimento, Adolpho Bloch foi procurar o Coronel Affonso Heliodoro, que lhe fez a entrega de numerosas fotografias da construção da cidade. Com elas, foi editada um número especial de Manchete, que esgotou 200 mil exemplares em apenas 24 horas.
A televisão ainda engatinhava e Bloch pensava: "Quantas pessoas estão sabendo o que se passa no coração do Brasil? 50, 100, 150 mil? E o restante dos 75 milhões de habitantes? (a população total do Brasil da época). Foi assim que Brasília e manchete cresceram juntas. Aquela meta, que o próprio JK denominava meta-síntese, fez a indústria de São Paulo funcionar a todo vapor. Os imensos canteiros de obras que se abriam em todos os estados ofereciam mercado de trabalho a todos e todos prosperaram.
Durante a construção da capital, o presidente saía do Catete depois do expediente diário. Às 8 da noite, tomava um DC-3 no Aeroporto Santos Dumont e levava quatro horas para chegar a Brasília. De meia-noite às quatro da manhã, fiscalizava as obras. Dormia nos aviões. E regressava ao Rio. Às 8 horas da manhã, já estava de volta à sua mesa de trabalho no Catete, despachando o expediente, cobrando tarefas e praxos. Esta rotina durou mais três anos. Foram 354 viagens ao Planalto Central, até que a cidade estivesse pronta para a mudança da capital. Foi um governo sem ódios. O homem comum brasileiro, de repente, descobriu que pertencia a um grande povo, capaz de grandes realizações.
Ainda durante a construção da cidade, Adolpho Bloch fez questão de inaugurar o primeiro escritório jornalístico da nova capital. Quando o lago artificial encheu, Bloch mandou para o Murilo Melo Filho, diretor local de Manchete, uma lancha com o bilhete: "Não faça economia. Por falta de relações públicas, os judeus perderam Jesus Cristo. E um homem desses não se perde.".
O Presidente pediu a Bloch que não faltasse à inauguração de Brasília. Foi a festa mais bonita assistida assistida por Bloch. Ao seu lado, o teatrólogo Joracy Camargo vibrava. Também a seu lado, o ator Silveira Sampaio criticava pequenos detalhes das cerimônias. Bloch sentia o seu coração inundado de alegria. Fio naquela festa que, pela primeira vez, vestiu casaca. O Presidente, quando o viu no Alvorada, veio em sua direção, dizendo: "Bloch, você não podia faltar a esta festa!". Trazendo o material da reportagem para a redação, o editor Justino Martins examinou com seu olho de Moscou todas as fotos e o observou:"Tchê, você não podia estar usando esse sapato com furinhos no couro, ele não combina com a casaca."
Muita gente perguntava a Bloch se era verdade tudo aquilo que habitualmente ele escreve para JK. Sim, tudo era verdade. E mais verdade ainda era que a sua presença continua em nós, com sua alegria, seu patriotismo, sua garra de trabalho e seu otimismo. Em 1961, Bloch teve endocardite e estava internado na clínica do seu amigo Dr. Raymundo Carneiro. Recebeu diversos telefonemas do Presidente Jânio Quadros, que desejava saber de sua saúde. Um outro amigo de Bloch, o Henrique Pongetti, nunca tinha ido a Brasília e o próprio Bloch quis levá-lo a conhecer a nova capital. Naquele 25 de agosto, às 2 horas da tarde, o Murilo Melo Filho, que era diretor da sucursal de Brasília, levou a mensagem de renúncia do Presidente Jânio Quadros ao plenário do Congresso. E foi assim que o Pongetti não conseguiu conhecer Brasília naquele dia.
Veio Jango. Era também amigo e conhecido de Adolpho Bloch. Moravam no Edifício Chopin, em Copacabana. Quando visitou oficialmente os Estados Unidos e o Chile, fez quastão de incluir Bloch na sua comitiva. Fio assim que Bloch conheceu o Presidente John Kennedy. Um dia, o Jango apareceu na Frei Caneca. Eram duas da tarde, mas ou menos, e Bloch já almoçara, quando recebeu o aviso de que o presidente estava chegando, acompanhado de seu secretário Raul Riff. Jango chegou e disse que viera almoçar com Bloch. Não houve problema algum: naquele dia, Adolpho Bloch havia almoçado duas vezes naquele dia, e com prazer.
Oscar Niemeyer havia trazido a maquete da futura sede da Manchete no Russel. Bloch a havia apresentado a Jango, este lhe perguntando se estava previnido para construir a obra. Bloch respondeu: "Presidente, no momento estou preocupado em arranjar dinheiro para comprar as estampilhas da escritura de promessa de compra do terreno."
. No dia 13 de março de 1964 houve o famoso comício da Central do Brasil. JK havia pedido a Bloch que transmitisse um recado a Jango. O recado era o seguinte: "Se ele, Jango, era o presidente, por que o comício?".
Veio o Regime Militar de 64. Muitos temeram que Jango resistisse com armas. Mas Bloch dizia sempre: "Conheço bem o presidente. É um gaúcho bom e gosta da vida. Não deixará que se derrame o sangue dos brasileiros.".
Manchete foi a única revista que publicou a foto de João Goulart, em companhia de Eugênio Caillard, no momento em que deixava o Rio. Bloch transmitiu esta notícia a JK, que logo compreendeu tudo: Jango iria para o Uruguai e o movimento militar estava vitorioso.
A vida continuou. E os acontecimentos também. Bloch trabalhava sem parar e colecionava obras de arte, pois desejava ter um Museu de Arte Brasileira no novo prédio da Manchete
Em 1965, com o edifício já erguido mas não acabado, o Mauro Salles o pediu para ali fazer o lançamento do AeroWillys, pois a festa seria muito importante para a sua nova agência de publicidade. Bloch preparou o hall, que ainda estava em concreto. A porta era de tábuas, mas a decoração foi tão luxuosa que começaram a lhe chamar de Cecil B. DeMille. Mauro e Luiz Salles, seus grandes amigos, sempre se lembram desse lançamento que marcou época no Rio e foi o início da ascensão de suas carreiras profissionais.
Bloch mudou-se para a Praia do Russell em novembro de 1968. Na galeria do segundo andar, inaugurou o Museu de Arte Brasileira com quadros e esculturas dos melhores artistas nacionais. O museu serve de foyer para o teatro que hoje leva o seu nome e que foi inaugurado com a peça O Homem de La Mancha, com Bibi Ferreira, Paulo Autran e Grande Otelo, sob direção de Flávio Rangel. Foi um sucesso absoluto. Na matinê da primeira quinta-feira, como de hábito, a platéia era constituída de senhoras.
Caiu forte temporal na cidade e não havia condução para elas. Bloch mandou preparar sanduíches, serviu refrigerantes e providenciou carros que as levassem até em casa. Para ele, nunca foi visto pessoas tão gratas a um empresário teatral.
Bloch gostava tanto da peça que todas as quintas-feiras fazia gazeta e ia assistir à matinê. Aprendeu algumas falas e decorou a canção principal da peça. Certa vez, reparou em um caco de Grande Otelo. Em uma das cenas em que os mouros roubam tudo, o pobre Sancho Pança fica sem nada e ele disse para o público: "Além de ser Furtado, sou obrigado a ficar Callado!" Com esse inesperado caco ele homenageava dois amigos que estavam na platéia: o ex-Ministro Celso Furtado e o escritor Antônio Callado.
O teatro dava para Adolpho Bloch muita alegria. Em um dia, quando o Almirante Faria Lima tomou posso no governo do Estado do Rio de Janeiro, Bloch foi a ele, em companhia do Murilo Melo Filho, para dizer-lhe que o Rio precisava de mais teatros e grandes espetáculos, e que ele mesmo gostaria de contribuir com 2 milhões de cruzeiros para a construção do Palácio das Artes, que teria como modelo o Lincoln Center de Nova Iorque.
Três semanas depois, em uma sexta, o telefone tocou e ele mesmo atendeu. Era o Governador Faria Lima lhe convidando para assumir a presidência da Fundação dos Teatros do Rio de Janeiro (Funterj). Bloch deveria se apresentar à secretária de Educação do Governo para ali erguer um edifício de 22 andares. Os dez primeiros seriam destinados ao apoio técnico do teatro, com salas de ensaio, de orquestra, balé e administração. Os restantes andares seriam vendidos para formar um fundo de renda estável para as atividades do Municipal.
Em Inhaúma, Bloch construiu a Central Técnica, onde são feitos cenários, figurinos, sapatos, adereços, tudo o que um espetáculo teatral necessita. Restaurado o Teatro Municipal, surgiram as dificuldades: era difícil contratar grandes nomes internacionais, pois as contas e os pagamentos das administrações passadas não estavam em dia. O Municipal tinha fama de mau pagador. Depois de sanear as contas, trouxe uma equipe de técnicos do Teatro Colón, de Buenos Aires. E assim, dois anos depois do início das obras, reinaugurou o Municipal com a ópera Turandot, de Puccini, em um espetáculo de gala que teve a presença do Presidente Ernesto Geisel. E a temporada de reabertura prossegiu com grandes espetáculos: a Orquestra Filarmônica de Israel, regida por Zubin Mehta, os concertos de Rostropovitch e, na parte lírica, para coroar a temporada, convidou Franco Zeffirelli para montar La Traviata. Foi um espetáculo como o Rio nunca tinha visto antes e que se prolongou em diversas récitas.
Quando lhe pediam uma autodefinição, Adolpho Bloch costumava responder que era brasileiro, judeu e sionista. Conhecia o mundo. Para ele, conhecer Israel foi uma grande lição. Ali vivem judeus de 150 países diferentes e que formam uma nação espiritualmente forte e verdadeiramente democrática. Em 1948, no instante em que Ben Gurion declarava a independência de Israel, sete exércitos árabes altamente equipados invadiam as fronteiras do novo país para esmagar o seu povo e lançá-lo ao mar. O mesmo aconteceria em 1956, em 1967 e em 1973. Conversando com os líders e chefes militares de Israel, compreendeu que uma nação se forja na luta e na fé.
Em sua juventude, Adolpho Bloch leu muito sobre o Caso Dreyfus. Quando lhe perguntam por que abraçou a causa do Presidente JK, costumava responder com o caso Dreyfus. É a história de uma injustiça. Para Bloch, que era judeu, estava habituado a sofrê-la. Por isso mesmo lembrava um caso. Em 1981, estava em Nova Iorque com Zevi Ghivelder. Bloch ia receber uma homenagem do American Jewish Committee. Ao entrarem em um táxi, o motorista lhes transmitiu a notícia que acabara de ouvir no rádio: o Papa João Paulo II sofrera um atentado em Roma e estava em grave perigo de vida. Zevi e Bloch não trocaram uma palavra. Ficaram mudos. Nada falaram, mas pensaram a mesma coisa: e se um judeu maluco fose o autor do atentado? Só respiraram, aliviados, quando souberam que o criminoso era um turco. O final da história é que tudo terminou bem, o Papa goza de boa saúde e, na cerimônia do lava-pés, na Quinta-Feira Santa, lavou os pés de seu quase assassino.
Foi nessa mesma estada em Nova Iorque que, durante uma reunião do American Jewish Committee, foi procurado pelo senhor Norman Alexander, que se apresentou como diretor da Rutherford Company. Bloch conheceu a firma, que estava fabricando máquinas para imprimir latas de alumínio sem costura para bebidas. Era então uma novidade, pois as latas que usavam no Brasil eram de folha-de-flandres e tinham costura. Conhecia a técnica e achou que seria um grande negócio investir no setor. Contudo, não quis fechar o contrato na hora. Disse que regressaria ao Brasil e depois voltariam a falar no assunto.
Quando aqui chegou, encontrou o projeto da televisão bastante adiantado. Ele não estava a par de quase nada. Era grato ao Presidente João Figueiredo, que lhes concedeu os cinco canais depois da necessária licitação pública. Dois anos antes, ele estivera na Itália e adquirira uma Cerutti de última geração, uma rotativa fabulosa, capaz de imprimir 42 mil exemplares por hora a quatro cores.
Pessoalmente, ele preferiria continuar investindo na editora, visitando exposições de maquinas gráficas, de livros, revistas e, com o tempo, concretizando o projeto de fabricar latas de alumínio, uma novidade no mercado brasileiro. Possuía em Água Grande instalações de 30 mil metros quadrados para a nova indústria, cujo ramo é parecido com aquele que sempre foi dele. Para isso, ele tinha recursos mais do que suficientes. Para iniciar a televisão, entre outros projetos, ele tinha de comprar de uma só vez 12 milhões de dólares em filmes que poderiam ser transmitidos apenas três vezes no espaço de dois anos. E em dois anos, os 12 milhões de dólares viraram fumaça.
Relutou consigo mesmo e custou-lhe a idéia da televisão. Mas quando aderiu, e seguindo o seu temperamento, foi para valer. Seu sobrinho Jaquito seguiu para os Estados Unidos e para o Japão, trazendo os equipamentos mais modernos. Aqui, com a sua equipe, começaram a viabilizar o projeto. Tinham cinco canais (Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza), que estiveram acrescidas de dezenas de afiliadas que cobriam todo o território nacional.
Em 1987, a Associação de Críticos de São Paulo, em 12 prêmios, concedeu sete à Rede Manchete, inclusive o Grande Prêmio da Crítica. Entraram no ar em 5 de junho de 1983 e meses depois, no carnaval de 84, fizeram sozinhos a cobertura do primeiro carnaval na Passarela do Samba. Foi um sucesso inesquecível e sentiram que o povo lhes prestigiava.
Produziram uma programação da mais alta qualidade. Seus estúdios em Água Grande, com 20 mil metros quadrados, entusiasmavam os visitantes que comparavam as suas instalações cenográficas às de Hollywood dos anos dourados. Tinha confiança na televisão. Para ele, era o futuro da comunicação.
Antes de falecer, em novembro de 1995, Adolpho Bloch confessava em suas entrevistas que se sentia feliz. Encontrou a mulher que esperava. Anna Bentes era para ele a amiga e companheira de todas as horas. Ela trouxe a alegria de viver e novo ânimo para o trabalho. Seria preciso viver cada instante com amor e intensidade. Para ele, seria preciso desenvolver o nosso país, além de compreender o próximo. Afirmou também que a vida passou muito depressa em um tempo muito curto, no computador da memória.
Uma frase que se destacou bastante na vida de Adolpho Bloch foi aquela em que o mesmo afirmava que em suas veias corriam tintas. Com isso, mostrava a grande paixão que tinha pela imprensa. Mesmo não sendo natural de nosso país, Adolpho Bloch tornou-se um dos mais respeitados cidadões de nosso país, deixando uma grande contribuição para os nossos meios de comunicação.
As nossas homenagens a um homem que se consagrou como um verdadeiro herói e símbolo da imprensa brasileira, bem como defensor e grande contribuinte da cultura em nosso país.

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