Previsão do Tempo

domingo, 17 de agosto de 2014

Na vez de irem às putas, foram às ninfas.



O meu pai e o biltre.

Em Fevereiro de 2012, o meu pai foi condenado no Tribunal de Arganil, por um juiz bacoco que mal sabia falar, inculto e boçal, por insultos ao Município de Arganil.
Na verdade, o Município de Arganil insultado era o Presidente da Câmara, singularmente e sem apêndices.
Os insultos, admitamos que eram insultos, eram todos escritos em verso rimado lapidar, quadras ou sonetos, de que oportuna e brevemente sairá a lume antologia.
O meu pai tem noventa e três anos, um vigor surpreendente e um carácter de jovem matreiro a quem a língua nunca atrapalhou. Os insultos saem-lhe à desgarrada em verso espontaneamente e, como esgotou já a paciência com os floreados retóricos com que qualquer regedor compõe em ramalhete qualquer rabulice, trata tudo e todos à caralhada, mas com estilo.
Bem, mas o juiz, que julgava e condenava o meu pai por insulto ao Município na pessoa singular do Presidente da Câmara, não se coibiu de chamar, na sentença, garoto ao meu pai. Sem dar conta de que insultava a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde meu pai ensinou filologia e as elegâncias no uso das línguas clássicas. E outras vetustas academias.
Foi ainda o meu pai quem manteve, face a tal despautério, o juízo e a serenidade para me segurar e impedir de retribuir o insulto com umas bolachadas.
Foi então que eu, menos afoito no uso do vernáculo e dando-me ares de petulante, me dirigi por carta, elegante, ao Presidente da Câmara e lhe chamei biltre.
O meu pai deixou então de ser acusado pelas caralhadas e responde, em solidariedade comigo, por insultar o Presidente da Câmara chamando-o biltre, em novo processo movido de novo pelo Ministério Público. Biltre não consta nos dicionários, ou consta apenas nos mais elegantes, embora caralho conste em todos.
A verdade é que o meu pai nunca perdeu o respeito pelas instituições, mas perdeu-o sem dúvida pelos seus usurpadores.
Nesta república de lorpas enfatuados, ou porcos engravatados como se diz no Alentejo acerca dos presidentes de câmaras, o culto satírico do vernáculo nos exercícios poéticos do meu pai é sem dúvida uma lufada de ar fresco.
Mas quem vai para o Panteão é a Sofia.
Trágico país de heróis e marinheiros, perdidos nos mares das índias, que nunca alcançaram Amesterdão. Na vez de irem às putas, foram às ninfas.


Manuel De Castro Nunes

Sem comentários:

Enviar um comentário