Previsão do Tempo

terça-feira, 14 de outubro de 2014

CARTA ABERTA A NUNO CRATO!



Caro Nuno,

Acho que, depois do que temos passado juntos, já posso tratar-te por tu. Não é, pá?
Desculpa lá estar a chatear-te, ainda por cima nesta altura, em que estás a tentar dar uma de bombeiro. Acabei de ler a tua mais recente pérola, “temos aqui um fogo e vou ter que ser eu a apagá-lo”. Só te ficam bem esses sentimentos, mas permite-me que atire mais umas achas para a tua fogueira, Nuno.
Há 15 anos que a minha casa é a minha mala de viagem. Há 15 anos que salto de quarto alugado em quarto alugado. Há 15 anos que vivo sem poiso, sem certezas, sem futuro. Há 15 anos que sou professor (não sei se já tinhas percebido…)
Eu sei que deve ser difícil para ti imaginar, enquanto estás aí sentado na tua cadeira adquirida num qualquer antiquário, na tua casa provavelmente já paga, com o teu trabalho (este ou outro qualquer) certamente assegurado. Mas deixa-me dar-te umas luzes do que é a minha vida.
Eu sou apenas um entre as largas centenas de gajos e gajas responsáveis por educar os futuros cidadãos deste país. É em nós que os papás que não têm dinheiro para por os seus filhotes em colégios privados depositam as suas esperanças de transformar os seus bezerros em seres pensantes, socialmente e laboralmente produtivos.
Num país civilizado, eu pertenceria a uma das classes profissionais mais respeitadas. Mas não. Eu sou um nómada, um marginal. Não tenho casa, tenho um carro a cair de podre. Não posso casar, não posso ter filhos. Não posso ter uma vida normal. Não ganho para isso e, mesmo que ganhasse, quem é que quer ter uma relação com um gajo que passa um ano em Bragança e o seguinte no algarve? Quem é que quer sequer namorar com uma pessoa que não sabe onde é que vai viver daqui a seis meses?
Eu e os meus colegas, caro Nuno, somos um exército de zombies com diploma. Parecemos vivos mas, na verdade, estamos mortos. Fomos condenados a prisão perpétua por termos escolhido a profissão que amamos. “Emigrem!”, podes estar a pensar para com os teus botões, embora saibas que não o podes dizer em voz alta. E se eu não quiser emigrar, Nuno? E se eu quiser ajudar o meu país? E se eu ainda acreditar que posso ajudar a educar os filhos dos poucos que ainda se atrevem a tê-los, nesta terra que rejeita os seus mas depois exige tudo de quem cá fica?
Havias de visitar uma sala de professores, Nuno. Havias de ver com os teus próprios olhos. Os corpos cansados, a angústia, a raiva. A frustração. A corrida contra um tempo que teima em fugir, porque as 24 horas do dia não chegam para cumprir objetivos ridículos, metas inalcançáveis, tabelas, gráficos, percentagens impossíveis. Tudo para que tu e os teus comparsas possam apresentar os números redondinhos de sucesso escolar. Como se tu tivesses feito alguma coisa para que isso acontecesse!
Somos nós, Nuno. Nós, que acreditamos. Nós, que renunciámos involuntariamente à família, à terra, aos amigos, ao amor, para entrar todos os dias antes que dê o segundo toque, munidos de fichas, apontamentos, cálculos. Somos nós, Nuno, a escola somos nós. Não és tu. Não são os teus números. Não é o teu programazinho de computador que tem achaques e desata a transformar a nossa vida num inferno.
A culpa é tua, Nuno. Mas não peças desculpa. Vai-te embora. E fecha a porta.

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