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domingo, 12 de outubro de 2014

Virar a página

Virar a página por Tiago Antunes

Agora que a questão da liderança do PS está resolvida, importa olhar para o país. E olhar para o país implica, antes de mais, fazer um balanço da atual governação, uma análise retrospetiva do que foram os últimos três anos e meio, em Portugal, com o Governo de Pedro Passos Coelho aos comandos. O saldo, há que reconhecê-lo, dificilmente poderia ser mais negativo.
Este foi um Governo sem palavra. Que jurou que a austeridade seria só sobre o Estado, não sobre as pessoas; e depois entreteve-se a aprovar sucessivas vagas de austeridade sobre praticamente todas as camadas sociais (funcionários públicos, pensionistas, desempregados, etc.), por vezes com requintes sádicos. Este foi o Governo do Primeiro-Ministro que, em campanha, afirmou que cortar salários era um disparate; e, mal chegou ao poder, cortou meio subsídio de Natal a toda a gente, cortando depois, no ano seguinte, dois ordenados à função pública. Este foi o Governo que iria fazer o ajustamento em 2/3 pelo lado da despesa; e que, na verdade, procedeu ao maior aumento de impostos alguma vez visto no nosso país (que o próprio ex-Ministro das Finanças apelidou de “brutal”).
Este foi um Governo ideologicamente fanático. Que quis “ir mais longe do que a troika”. Que impôs a “austeridade custe o que custar”. Que, com a proposta de alteração da TSU, pretendia retirar dinheiro aos trabalhadores para o entregar diretamente aos patrões. E que aumentou impostos para todos, baixando-os para as empresas.
Este foi um Governo sem qualquer respeito pela Lei Fundamental e pelos princípios basilares do Estado de Direito. Que violou reiteradamente a Constituição, pondo em causa valores como a igualdade ou a confiança. Que tentou pressionar descaradamente o Tribunal Constitucional. E que legislou às escondidas (com a conivência do PR, diga-se), impondo maldades aos Portugueses nas suas costas, algo nunca antes visto.
Este foi um Governo grosseiramente incompetente. Que proclamou que o tempo da impunidade tinha acabado, mas o melhor que conseguiu foi paralisar por completo os tribunais, instalando o caos (rectius, “transtornos”) no sistema judicial. Que, uma vez mais, não conseguiu colocar os professores a tempo e horas, deixando milhares de alunos sem aulas.
Este foi um Governo que insultou os Portugueses. Chamando-lhes piegas e aconselhando-os a emigrarem.
Este foi um Governo sem visão. Que admitiu que a sua solução para o país passava por “empobrecer”. Que destruiu ou paralisou todas as saudáveis iniciativas de modernização que estavam em curso, como o Plano Tecnológico, a aposta nas renováveis, o carro elétrico, a reconversão do Parque Escolar, etc. Que não adotou uma única medida relevante de desburocratização e simplificação administrativa, tendo, pelo contrário, regredido neste domínio. Que, por pura cegueira política, matou o programa de qualificação de adultos e de jovens (Novas Oportunidades) que tinha sido elogiadíssimo internacionalmente. Que praticamente deu cabo da Ciência em Portugal, estrangulando os centros de investigação e afunilando drasticamente as bolsas de doutoramento.
Este foi um Governo sem preocupações sociais. Que invocou a “ética na austeridade”, mas invariavelmente piorou as condições de vida dos mais desfavorecidos, deixando muitos totalmente desprotegidos. Que quis evitar um “cisma grisalho”, mas não fez outra coisa senão dificultar a vida aos reformados.
Este foi um Governo de enorme descaramento. Que, para se justificar, inventou um “desvio colossal” nas contas que vinham de trás, o qual nunca foi demonstrado. Cujo ex-Ministro das Finanças, do alto da sua arrogância e sobranceria, nos tratava a todos como atrasos mentais. E cuja Ministra das Finanças contratou swaps (e cujo ex-Secretário de Estado vendeu swaps), que depois foram “avaliados” pela própria, procurando assacar responsabilidades ao anterior Governo.
Este foi um Governo politicamente trapalhão. Um Governo que inventou os briefings, autênticos tiros nos pés que criaram mais problemas do que resolveram, tendo desparecido tão depressa quanto surgiram. Um Governo que transformou o irrevogável em revogável e que transpôs inúmeras linhas vermelhas. Um Governo em que os Ministros sistematicamente dizem e desdizem e entre eles se contradizem. Um Governo em que as decisões são anunciadas ou mesmo aprovadas em Conselho de Ministros, para depois ainda serem alteradas.
Este foi um Governo que teve Miguel Relvas como Ministro e Marco António Costa como Secretário de Estado.
É justo reconhecer que as condições em que o atual Executivo teve de governar foram particularmente difíceis. Mas isso não pode desculpar tudo. A verdade é que o PSD e o CDS não tiveram uma única ideia mobilizadora, resumindo toda a sua agenda à austeridade (e, mesmo assim, nunca conseguiram atingir os objetivos inicialmente propostos). Destruíram quase tudo o que estava a correr bem e não produziram qualquer legado duradouro. Enfim, deixaram-nos muito pior do que estávamos. Não procederam a qualquer reconversão estrutural da economia portuguesa, antes nos fizeram regredir em muitos aspetos. Por isso é urgente virar esta página negra. A boa notícia é que, como ontem disse António Costa, estamos a viver os primeiros dos últimos dias deste Governo de má memória.

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