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quarta-feira, 22 de abril de 2015

CARMEN DOLORES nasceu em Lisboa, 22-04-1924





Filha de José Sarmento, jornalista, tradutor e crítico de teatro, que chegou a ser comissário do governo junto do Teatro Nacional, Carmen Cohen Sarmento Veres Dolores contactou desde criança com o meio teatral lisboeta.

Carmen Dolores, s.d., fot. Silva Nogueira (cortesia do Museu Nacional do Teatro)

Em 1938, com apenas catorze anos, começou a recitar poesia na Rádio Sonora (depois Voz de Lisboa), atividade que, a par do teatro radiofónico, prosseguiu na Rádio Renascença e no Rádio Clube Português. Estreou-se no cinema pela mão de António Lopes Ribeiro, em Amor de perdição (1943), a que se seguiram, entre outros, Um homem às direitas (1943-44), de Jorge Brum do Canto, A vizinha do lado (1945), também de Lopes Ribeiro, Camões (1946), de Leitão de Barros, e A garça e a serpente (1952), de Arthur Duarte, só voltando mais de duas décadas depois à atividade cinematográfica, com O princípio da sabedoria (1975), de António Macedo, e outros filmes, entre os quais A balada da praia dos cães (1987) e A mulher do próximo (1988), ambos de José Fonseca e Costa. Na década de 60 rendeu-se a outra vertente do audiovisual, participando em várias peças (de Eugene O’Neill, Wilde, Casona, Tourgueniev e outros), transmitidas pela Radiotelevisão Portuguesa. Entre os vários regressos ao pequeno ecrã, contam-se a série Cobardias (1987) e as telenovelas Passerelle (1988), A banqueira do povo (1993) e A lenda da garça (1999).

O seu percurso de cerca de seis décadas como atriz de teatro evidencia o interesse por experiências profissionais distintas, característica que a levou a integrar – e, nalguns casos, a co-fundar – vários coletivos teatrais.

Estreou-se no papel de Ágata em Electra, a Mensageira dos Deuses, de Jean Giraudoux, n’Os Comediantes de Lisboa (1945), dirigidos por Francisco Ribeiro (Ribeirinho). Nesta companhia, a única profissional que, a par do Teatro Nacional, procurava romper o estagnado panorama teatral português dos anos 40 com peças incontornáveis da dramaturgia universal (frequentemente proibidas), entrou também, em 1946, em Cinco judeus alemães, de Karl Roeszler, Pedro feliz, de Marcel Achard, e A massaroca, de Pedro Muñoz Seca, e, no ano seguinte, em O cadáver vivo, de Léon Tolstoi. Entre 1950 e 1958 integrou o elenco da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, concessionária do Teatro Nacional (1929-1964), onde participou em perto de duas dezenas de espetáculos, entre os quais Sonho de uma noite de Verão (1952), de William Shakespeare, Casaco de fogo (1953), de Romeu Correia, Alguém terá de morrer (1956), de Luiz Francisco Rebello e Dona Inês de Portugal (1957), de Alejandro Casona. O contacto com experientes e reconhecidos atores nestas duas companhias – como Lucília Simões, Maria Lalande, António Silva, Nascimento Fernandes, João Villaret ou Assis Pacheco, na primeira; e Amélia Rey Colaço, Pedro Lemos, Álvaro Benamor, Augusto Figueiredo, Palmira Bastos ou Aura Abranches, na segunda – constituiu a sua primeira “escola”, aprofundando permanentemente a sua formação “nas tábuas” e, nos anos 60, também nos cursos ministrados em Portugal por Henriette Morineau e Adolfo Gutkin.

A ambição de participar na renovação do teatro português, que não acompanhava as experiências dramatúrgicas e cénicas que se desenvolviam no estrangeiro, levou-a a participar em várias companhias. Entre 1958 e 1959, desafiada por Rogério Paulo, integrou o Teatro de Sempre (no Teatro Avenida), dirigido por Gino Saviotti, onde participou, entre outros espetáculos, no ressurgimento na cena profissional de O Gebo e a sombra (1958), de Raul Brandão, e na estreia tardia em Portugal de Seis personagens à procura de autor (1959), de Luigi Pirandello (por este trabalho, recebeu em 1959 o Prémio Lucinda Simões, para “Melhor intérprete feminino de teatro declamado”, instituído pelo Fundo de Teatro). Na temporada seguinte, voltou a trabalhar sob a direção de Ribeirinho, desta vez no Teatro Nacional Popular (no Teatro da Trindade), inspirado na companhia francesa TNP de Jean Vilar, ali participando em Lucy Crown (1959), de Irving Shaw, e Amor de Dom Perlimplim com Belisa em seu Jardim (1959), de Federico García Lorca. Entre 1961 e 1965, no início de uma década fortemente marcada por convulsões políticas, sociais e culturais, foi corresponsável, com Fernando Gusmão, Armando Cortez, Rogério Paulo e Armando Caldas, pela criação e direção do Teatro Moderno de Lisboa (no Cinema Império), onde participou em vários espetáculos com “função social”, que serviram para o “despertar de uma geração”, entre os quais: O tinteiro (1961), de Carlos Muñiz; Humilhados e ofendidos (1962), de Fedor Dostoievski; Os três chapéus altos (1963), de Miguel Mihura; Dente por dente (1964), de William Shakespeare, e, de entre as peças contemporâneas portuguesas (aliás, proibidas durante anos), O dia seguinte (1964), de Luiz Francisco Rebello, e O render dos heróis (1965), de José Cardoso Pires. Entre outras colaborações, participou em quatro espetáculos encenados por Jorge Listopad: três na Casa da Comédia – Dança da morte (1969), de August Strindberg, A dança da morte em doze assaltos (1972), de Friedrich Dürrenmatt, e Alice nos jardins do Luxemburgo (1972), de Romain Weingarten; e um no Teatro Laura Alves – Forja (1969), de Alves Redol.

No pós-Abril de 1974, participou em espetáculos de várias companhias, entre os quais se destacam Virgínia (1985), de Edna O’Brien, no Teatro Nacional (Prémio da Crítica), Espectros (1992), de Henrik Ibsen, no Teatro Experimental de Cascais (Troféu Prestígio da revista Sete), e O jardim zoológico de cristal (1998), de Tennessee Williams, também no Teatro Nacional (Prémio da Casa da Imprensa). Mas foi no Teatro Aberto que mais vezes subiu ao palco, sempre dirigida por João Lourenço, com quem, aliás, ainda na Casa da Comédia, fez a sua primeira incursão pela obra brechtiana (até então proibida), em As espingardas da Mãe Carrar (1975). Neste Teatro colaborou com o Grupo 4, n’ O círculo de giz caucasiano (1976), e – no seu regresso à cena, após uma interrupção de cerca de sete anos a viver em Paris, onde escreveu Retrato inacabado: Memórias (1984) – com o Novo Grupo, em Comédia à moda antiga (1983), de Alexei Arbuzov, Confissões numa esplanada de Verão (1984), colagem de textos de Tchekov, Strindberg, Pirandello. O espetáculo Copenhaga, de Michael Frayn (ali estreado em 2003 e reposto em 2005) foi referido como sendo a sua despedida enquanto atriz de teatro.

Amélia Rey Colaço, Robles Monteiro, Francisco Ribeiro, Gino Saviotti, Rogério Paulo, Fernando Gusmão, Paulo Renato, Jorge Listopad, Carlos Avilez, João Lourenço e Diogo Infante, são apenas alguns dos encenadores com quem trabalhou, de contextos artísticos distintos e de diferentes gerações.

Foi cofundadora, com Raul Solnado, Manuela Maria, Armando Cortez e Octávio Clérigo, da APOIARTE/Casa do Artista (inaugurada em 1999), uma estrutura de apoio social aos artistas portugueses e suas famílias. Recebeu várias distinções e prémios pelas suas interpretações no teatro, no cinema e na televisão e, entre outras condecorações, foi agraciada pela Presidência da República com a Ordem de Sant’Iago da Espada (1959) e com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (2005).

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