Previsão do Tempo

domingo, 31 de janeiro de 2010

Há que mudar a escola pública. (Vem aí uma geração de frustrados)

Há que mudar a escola pública. Isso é incontestável.
A escola tal como funciona actualmente está a contribuir para criar desigualdades que se mantêm pela vida fora. A forma como os alunos são catalogados e objecto duma intervenção pedagógica desligada duma relação profunda com o seu eu profundo.
Não estamos a aproveitar os avanços da tecnologia para tornar o ensino mais personalizado e mais virado para o fomento da curiosidade e da criatividade. Não se atende a que as crianças vivem o corpo duma forma muito mais livre e completa do que os adultos e desde muito cedo se lhes impede um crescimento harmonioso. Só um pequeno exemplo: no terceiro ciclo do ensino básico num mesmo bloco de 90 minutos os alunos podem ter duas aulas, de 45 minutos cada, uma pode ser educação visual, a outra, educação física, ou história e educação física, as combinações são inúmeras. Isto significa que, sem um intervalo entre as aulas, os alunos são obrigados a ir duma sala de aula para o ginásio, tendo, entretanto, que vestir o equipamento. O resultado é nenhuma das aulas acaba por render o que deveria.
Mesmo os tempos de 90 minutos levantam sérios problemas, uma vez que, muitas vezes, se tem que ter um grupo de miúdos dentro duma sala insípida, obrigados a tarefas que contrariam as suas tendências naturais para o movimento e a expansão vital. O que dá sempre mais resultados.
Quem dá aulas ao ensino básico, no segundo e terceiro ciclo, pode ver-se a braços com turmas completamente caóticas, 'indisciplinadas', como se diz na gíria. O problema é que a 'disciplina' é um conceito que não tem aplicabilidade em muitos contextos educativos. Os alunos na escolaridade obrigatória quase não têm um enquadramento disciplinar: não podem chumbar por faltas, a não ser em casos muito especiais; não podem ser objecto de medidas disciplinares de integração na comunidade - o novo estatuto do aluno acabou com esse tipo de medidas disciplinares que, em muitos casos, eram muito positivas, sem bem aplicadas; também não têm nenhuma autoridade dentro da escola que possa obstaculizar os comportamentos desviantes - as medidas de suspensão só servem para agravar os problemas. Na prática, um aluno indisciplinado pode ir aumentando a gravidade das suas infracções sem que sem implementem medidas eficazes que, de facto, não existem. Se a família for disfuncional, mas não cair no âmbito da intervenção das comissões de protecção de menores, o aluno fica entregue a si próprio, o que é sempre trágico.
Por outro lado, as escolas debatem-se com a falta de auxiliares da acção educativa e a maior parte dos que existem não tem formação adequada (a escassez de funcionários é gritante, ainda mais se atendermos ao actual quadro de desemprego a que assistimos na nossa sociedade), há muito poucos psicólogos, quase nenhuns assistentes sociais, não há sequer animadores culturais, profissionais de saúde formados e dedicados em exclusivo à população escolar, para não falar de bibliotecários (as escolas precisam deles e não de professores sem formação de base na área) ou, simplesmente, de técnicos de informática - as escolas estão, neste momento, a saque por parte das empresas de informática, quando o Ministério poderia criar serviços especializados que criassem e fornecessem software livre às escolas, bem como hardware reciclado, por exemplo, das empresas públicas e dos serviços governamentais - o nível de desperdício nesta área é escandaloso.
Mas atendendo à notícia do Público: é natural que os rapazes sofram este tipo de discriminação, atendendo ao actual contexto educativo. Têm mais tendência para a indisciplina, são deixados mais entregues a si próprios pela família. E a nossa escola pública não gosta de alunos problemáticos. Dadas as deficiências estruturais que existem os professores têm que atender a solicitações que os desviam da via do aprofundamento da relação pedagógica, ou têm demasiados alunos a seu cargo, ou pura e simplesmente não têm consciência da importância sócio-afectiva da profissão - e há casos assim, verdadeiramente revoltantes, da pura intolerância.
É urgente que se devolva a escola à cidadania.
As escolas devem ter uma gestão democrática que envolva as comunidades locais. O conceito de autarquia local deve ser repensado: uma escola deve ser considerada, não dependente do poder autárquico camarário, mas uma autarquia local. As Freguesias em muitos casos não cumprem o seu papel de dar corpo à vida das comunidades, há que devolver aos cidadãos certas instituições que prestam serviços públicos, como as escolas e os centros de saúde, por exemplo. Não se trata duma privatização dos serviços, mas duma civilização dos mesmos, uma republicação, o voltar a dar ânimo novo à res pública. Só há verdadeira República se toda a sociedade se mobilizar para a cidania integral: a todos os cidadãos devem ser dadas as condições para alcançarem a sua autonomia espiritual. O que terá que levar a que se assuma duma vez por todas que não são os cidadãos que são feitos para as instituições, mas as instituições para, e pelos, cidadãos.

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