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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Podiam ter aprendido com Menem e o "Corralito"


Podiam ter aprendido com Menem e o "Corralito"


Durante o "Corralito" as manifestaçõs sucediam-se à mesma cadência da queda de Governos. Houve um, que apenas resistiu 3 horas!

A actual crise financeira mundial remeteu-me para a América Latina. Recuei uns bons pares de anos e revivi o “Corralito”. Estava emBuenos Aires quando ocorreu o maior desastre financeiro da pátria de Borges.
As abstrusas políticas financeiras de Caballo e o enfeudamento deMenem a Washington , há muitos anos que faziam adivinhar o descalabro financeiro da Argentina. Menem e Caballo conseguiram, através de artifícios financeiros e bolsistas, manter a paridade do peso ao dólar, mas os argentinos sabiam que, para além da artificialidade da política de Menem, se estava a construir um país de mentira, onde as desigualdades entre ricos e pobres tinham aumentado assustadoramente. Obnubilados pelos prazeres consumistas, que lhes permitiam ter acesso a uma parafernália de bens e produtos que durante décadas lhes estiveram vedados, os argentinos deixaram-se ir na onda de entusiasmo.
Nem pararam para pensar que execrável ditadura de Vidella tinha sido substituída pela ditadura financeira da dupla Menem/ Caballo. É certo que eles não lançaram ao Atlântico dissidentes, para serem comidos vivos por baleias ao largo de Puerto Madryn e Península Valdez,mas atiraram um povo inteiro para a miséria, lançando-o nos braços de uma Bolsa construída em cotações feitas de mentira. Quando se tornou impossível manter as aparências e o sistema financeiro argentino entrou em colapso, os bancos ruíram como castelos de areia, varridos por um vendaval. De um dia para o outro, o peso argentino transformou-se em moeda fiduciária, sem qualquer valor. As poupanças de uma vida de muitas famílias argentinas foram pelo cano de esgoto, porque os bancos não tinham liquidez e foram incapazes de resistir à corrida aos depósitos. Menem, que utilizara em obras sumptuárias e em proveito próprio, os dinheiros do FMI, foi incapaz de suster a crise.

Nas ruas de Tucuman, as pessoas continavam a dançar o tango
Todos sabemos o que aconteceu. Bancos assaltados, supermercados pilhados, ruas transformadas em campos de batalha, famílias prósperas à beira da ruína, um povo inteiro em banca rota.
De um dia para o outro, a próspera Argentina cantada em loas por Bush pai, como exemplo a seguir, despertava para a realidade, desaguando no oásis da miséria.
No quarto do meu hotel , na Avenida de Mayo, enquanto assistia ao que se passava nas ruas, recuei a Dezembro de 1994.
Acabara de chegar a Tucuman. Depositadas as malas no hotel, fui jantar. Na altura de pagar a conta entreguei pesos argentinos e recebi, como troco, um conjunto de notas- que me fizeram lembrar os “remimbi” chineses- onde se lia: “Circulação válida apenas para a província de Salta”. Perguntei ao empregado o que queria dizer aquilo. Chamou o gerente que me explicou, então, que face à grave crise financeira da província, o governo local fora autorizado a emitir moeda com circulação restrita à província de Salta. As notas tinham valor igual ao peso, mas só podiam circular na província de Salta,não podendo ser utilizadas em mais nenhuma parte da Argentina.Numa palavra, o dinheiro que circulava em toda a província era uma espécie de dinheiro do Monopólio que apenas tem valor quando jogamos. Andei por Salta durante duas semanas sempre a pagar e receber dinheiro falso. ( admito que haja um termo técnico mais apropriado, mas a realidade é que se tratava mesmo de dinheiro virtual, uma vez que não tinha valor em mais nenhuma província argentina). Fiquei entretanto a saber que a maioria das empresas pagava os seus salários com aquela moeda.



Na estrada que liga Tucuman a Cafayate, é possível desfrutar momentos de sonho

Em Cafayate, uma pequena localidade cercada pelos Andes, maioritariamente habitada por índios, hospedei-me no único hotel existente. Na altura de pagar a conta, pretendi fazê-lo com moeda local, mas não aceitaram o pagamento e exigiram que pagasse com cartão de crédito ou em pesos emitidos pelo banco central. Perguntei a dois empregados como eram pagos os seus salários: em moeda local, responderam-me. Foi então que percebi como o esquema funcionava. O hotel recebia em dinheiro real e pagava aos empregados com “notas de Monopólio”. Justificava a sua actuação, alegando ter de pagar os impostos em moeda “real”!
E como fazem os habitantes de Salta quando viajam, pelaArgentina? – perguntei a um funcionário de um banco.
A resposta meio envergonhada, embrulhada em sorrisos de celofane, fez-me adivinhar o futuro.
"Aqui a pessoas viajam pouco, porque esta é a província maispobre da Argentina. Mas se tiverem necessidade de o fazer, podem trocar o dinheiro no banco. "E como é feita a troca?- Por cada quatro pesos locais, recebem um peso federal!Por momentos, pensei-me a viver uma aventura de Lewis Carrol,uma versão melodramática de “Alice no País as Maravilhas”.Recuperado do choque, antevi o futuro da Argentina.



No quarto do meu hotel de Buenos Aires, em vésperas de Natal, impossibilitado de regressar a Portugal para passar a noite com a família, pude reviver o pesadelo anunciado sete anos antes por um funcionário de um banco, à mesa de um restaurante em Tucuman.Tudo isto para dizer, que só a hipocrisia de alguns liberais pode explicar a surpresa do colapso financeiro dos Estados Unidos e da Europa. Era uma crise há muito anunciada, mas a que os governos foram fechando os olhos, tentando acreditar que tudo se resolveria com os paliativos de uma regulação dos mercados que nunca funcionou.
O mais grave, porém, é que ao contrário do que aconteceu naArgentina, não se vislumbram poções mágicas que possam resolver o problema.
O mais dramático, é que não se vê emergir no horizonte uma ideia nova que se aplique como remédio, porque confortados com as promessas da sociedade da hipersecolha deixámo-nos adormecer nos braços da sereia das novas tecnologias e deixámos de pensar. Acreditámos que as coisas se resolveriam por si próprias e que estávamos bem entregues no regaço de uma globalização que só beneficia os poderosos.
O mais intrigante, é constatar que os povos perderam a capacidade de reagir.
O mais surpreendente é ver que a Índia e a China apresentam índices de crescimento a rondar os 10 por cento e ninguém, na Europa, parece ainda ter percebido que o poder mundial está a mudar de mãos.
Confiemos então em Santo Obama , ou entreguemos o destino à esquizofrénica Sarah Palin. Parece residir nessas figuras miríficas de terras do Tio Sam, a esperança da Velha Europa. Os velhos, por vezes, comportam-se assim. Paz à sua alma!
Adenda: este post é demasiado extenso, espero que o tenham lido até ao fim.É um teste à vossa paciência, cujos resultados aguardo na caixa de comentários

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