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sexta-feira, 19 de junho de 2015

A 19 de Junho de 1871 - Realiza-se a última das Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, organizadas por Antero de Quental, com Teófilo Braga, Eça de Queirós e Oliveira Martins, entre outros.




Série de conferências realizadas em Lisboa, na Primavera de 1871, pelo grupo do Cenáculo, formado por jovens escritores e intelectuais de vanguarda.
O grande impulsionador foi Antero de Quental, que chegara a Lisboa em 1868, e logo principiara a influir nos gostos e interesses do grupo, iniciando-o na leitura de Proudhon, que tanto havia de transparecer nos trabalhos realizados. A ideia das Conferências (a que Antero entusiasticamente se refere em carta a Teófilo Braga, surgiu na Casa da Rua dos Prazeres, onde o Cenáculo reunia então. Antero e Batalha Reis alugaram a sala do Casino Lisbonense, no largo da Abegoaria, hoje de Rafael Bordalo Pinheiro; a Revolução de Setembro, onde então trabalhava Alberto de Queirós, irmão do romancista, encarregou-se da propaganda. A 18 de Maio apareceu naquele jornal um manifesto (que já fora distribuído em prospecto), assinado por doze nomes: Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel Arriaga, Salomão Sáraga, Teófilo Braga. Ali se apontavam as intenções dos organizadores das chamadas «Conferências Democráticas»: perante a transformação política e social que o mundo sofria, os signatários sentiam-se no dever de «estudar serenamente a significação dos interesses em jogo»; de investigar como a sociedade é e como ela deve de ser»; de «estudar todas as ideias e todas as correntes do século». A atitude de indiferença e alheamento relativamente às prementes ansiedades do momento – atitude em que Portugal se mantinha – parecia-lhes criminosa e esterilizadora das energias vitais da nação. E os organizadores enunciavam mais claramente o seu programa: «Abrir uma tribuna onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este movimento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos; ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada; procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam na Europa; agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência modernas; estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa».
A 22 de Maio, Antero de Quental fez a primeira conferência, a que chamou O Espírito das Conferências, e de que hoje nos restam apenas os relatos dos jornais contemporâneos. Era o desenvolvimento do programa contido no manifesto. Insistia-se na ignorância, indiferença e consequente repulsa dos portugueses pelas ideias novas, na missão que aos grandes espíritos incumbia de preparar as inteligências e as consciências para o progresso das sociedades e os resultados da ciência. Aduzia-se de novo o exemplo da restante Europa, e de novo se estigmatizava a vergonhosa excepção que Portugal constituía. O fulcro da discussão nas futuras conferências, anunciava o orador, seria a Revolução no que este conceito continha de mais nobre e elevado. E Antero terminava com um apelo a todas as almas de boa vontade, para que meditassem nos problemas que iam ser propostos, e nas possíveis soluções, embora contrárias aos princípios defendidos pelos conferencistas.
A segunda prelecção, realizada dias depois, foi ainda de Antero: Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, publicada meses depois em opúsculo. As causas mencionadas eram três: o catolicismo posterior ao Concílio de Trento – que desvirtuara a essência do Cristianismo e atrofiara a consciência individual; a monarquia absoluta – que coarctara as liberdades nacionais e embotara na cega submissão o carácter da raça ibérica; as conquistas ultramarinas – que tinham exaurido as energias do país e criado hábitos funestos de ociosidade e grandeza. Para estes males, cujas consequências ainda então continuavam a fazer-se sentir, as soluções propostas eram: opor ao catolicismo a consciência livre, a ciência, a filosofia, a crença na renovação da Humanidade; à monarquia centralizada a federação republicana, com larga democratização da vida municipal; à inércia industrial, a iniciativa do trabalho livre, sem interferência do Estado, e «organizado de forma a estabelecer a transição para o novo mundo industrial do socialismo, a que pertence o futuro».Antero terminava expondo o seu conceito de Revolução – acção pacífica –, e fechava com a síntese escandalosa: «0 Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo: a Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno».
Augusto Soromenho falou em seguida sobre Literatura Portuguesa. Fez a negação sistemática dos valores e literários nacionais – com excepção de Gil Vicente, Camões e poucos mais; fundado num etnicismo romântico, negava até a existência duma literatura portuguesa, uma vez que a nossa actividade nesse ramo nunca fora expressão autêntica da vida nacional; os contemporâneos eram os mais vigorosamente atacados – poetas, romancistas, dramaturgos, homens da Imprensa. Mas, para modelo e guia duma renovação salvadora, Soromenho limitava-se a propor Chateaubriand; falava do Belo absoluto como ideal da Literatura e negava que esta fosse o retrato das sociedades; era-o sim da Humanidade em geral. A voz de Soromenho, professor do Curso Superior de Letras, homem de formação clássica, soou um pouco discordante, apesar do furor de crítica que o animava.
A quarta conferência – a de Eça de Queirós, sobre A Literatura Nova – o Realismo como nova expressão de Arte – contradizia em vários pontos a sua exposição e era na verdade um grito de revolta contra as tradições literárias. Bem integrada no espírito revolucionário, a sua prelecção, que directamente se inspirava em Proudhon, chamava logo de início a atenção para a necessidade de operar na literatura a mesma revolução que se estava dando na política, na ciência, na vida social. Expunha depois a doutrina da arte como produto das sociedades, intimamente ligada ao progresso e decadência destas, e subordinada não já a puros factores individuais, mas a causas extrínsecas – causas permanentes (o solo, a raça, o clima) e causas acidentais (as circunstâncias históricas). Entre as causas acidentais, a mais importante era sem dúvida a que Eça chamou «ideia-mãe» - o ideal duma sociedade; eis o que não faltava ao século XIX, mas que só havia pouco principiara a ser aproveitado em Literatura, pois muitos tinham-no ignorado ou atraiçoado. Era a Revolução, que inspirara tantos escritores (Eça insistia nos exemplos franceses), de Rabelais a Beaumarchais, até ser renegada e esquecida pela arte contra-revolucionária; seguia-se depois a crítica cerrada ao Romantismo, a Chateaubriand, ao dessoramento aristocrático e à apoplexia plebeia dos românticos; verberava-se o terrível divórcio entre o artista e a sociedade; depois, Eça anunciava o princípio da reacção salutar que se estava dando contra a impostura oficializada: era o Realismo. Seguia-se a definição apologética da nova escola, que estava longe de ser um mero processo formal, como alguns supunham: era a negação da arte pela arte, da retórica balofa, do passadismo; era a análise com vista à verdade absoluta, era a anatomia do carácter; e, dando um retrato do homem e da sociedade, o Realismo tocava os limites da moral; visava à justiça e à verdade, servia o ideal do seu tempo. Bela, justa, verdadeira, a obra de arte realista não podia nunca ser considerada imoral, como tantos criam. E Eça documentava-se com a Bovary, com os quadros de Courbet (como Proudhon já fizera), e acabava com um apelo para que a arte se salvasse pelo Realismo, condenação do vício, revalorização do trabalho e da virtude.
A quinta e última conferência fê-la Adolfo Coelho a 19 de Junho; chamou-Ihe A Questão do Ensino, quando, passado tempo, a publicou em opúsculo. Menos avançada que as deAntero e Eça, estava apenas, como a de Soromenho, numa pura posição de ataque às coisas portuguesas, e as soluções que apontava circunscreviam-se ainda a uma zona restrita da vida nacional. Depois de traçar o quadro desolador do ensino em Portugal através da História, Adolfo Coelho apontava como solução a separação completa de Igreja e Estado, e a mais ampla liberdade de consciência. E como, segundo o conferencista, a Igreja não fazia mais que deprimir o povo, e do Estado também nada havia a esperar, o único remédio era apelar para a iniciativa privada, esperando que ao menos esta se esforçasse por difundir o verdadeiro espirito cientifico – único verdadeiramente profícuo no ensino.
Anunciou-se ainda uma sexta conferência, Os historiadores críticos de Jesus, de Salomão Sáraga. Mas, no dia marcado para a sua realização, apareceu colado na porta do Casino Lisbonense o aviso de proibição das conferências, «prelecções em que se expõem e procuram sustentar doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do Estado». À volta desta proibição levantou-se violenta celeuma; lavrou-se imediatamente um protesto, e logo choveram as cartas aos jornais e os opúsculos de polémica entre os quais a terrível carta de Antero «ao Marquês de Ávila e de Bolama». Os protestos foram vãos; a proibição manteve-se, e nunca chegaram a realizar-se as outras conferências previstas: O Socialismo, por Batalha Reis; A República, por Antero; A Instrução Primária, por Adolfo Coelho; e A Dedução Positiva da Ideia Democrática, por Augusto Fuschini.
Encaradas no seu conjunto, as «Conferências do Casino» representam entre nós a afirmação dum movimento de ideias que contagiara os intelectuais portugueses, através dos livros vindos de fora. Era o historicismo, o interesse pelas ciências políticas e sociais, a critica positivista à maneira de Taine, o evolucionismo de Darwin, um alvorecer de interesse pelas teorias de Marx e Engels, os ecos da Internacional, o realismo em Arte como expressão dum novo ideal de vida, a crença no progresso das sociedades, conseguido através do avanço das ciências – das positivas, cujo prestígio crescia a cada instante. E, embora as prelecções de Soromenho e A. Coelho se tenham mantido alheias a este espírito revolucionário, e apenas tenham marcado uma posição de ácido negativismo quanto às coisas portuguesas – a verdade é que o espírito das Conferências do Casino foi este. Como Eça afirmava nasFarpas, «era a primeira vez que a Revolução sob a sua forma científica tinha em Portugal a sua tribuna».

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