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sexta-feira, 19 de junho de 2015

A 19 de Junho de 2004 -- Morre Óscar Ribas, 95 anos, escritor e etnólogo angolano.



Óscar Ribas nasceu a 17 de Agosto de 1909, em Luanda. Filho de pai português, Arnaldo Gonçalves Ribas, e de mãe angolana, Maria da Conceição Bento Faria.
Cedo nasceu-lhe o bicho da escrita criativa, ainda adolescente, - conforme ele conta ao investigador francês Michel Laban: “Desde muito novo senti em mim o prurido de escrever, mas desde muito novo mesmo(...) talvez (pelos meus ) catorze anos(...). E depois, comecei a escrever os meus primeiros trabalhos literários – considero-os como voos – são uns ensaios, uns voos literários: um livrinho – o primeiro- “Nuvens que passam”, uma coisinha pequena, tinha talvez dezoito anos”.
Fez os estudos primários, secundários e liceiais em Luanda, onde conclui o 5º ano no Liceu Salvador Correia, depois de ter frequentado o liceu-seminário durante dois anos.
“ Quando fui para o Liceu Salvador Correia- recorda- tinha já concluído o segundo ano das cadeiras de francês e inglês, que eram do seminário. Aí as lições eram diárias. Eram duas horas por dia. Fiquei com grandes conhecimentos. Eu com o segundo ano do Seminário, de francês, sabia tanto como um aluno do sétimo ano de Liceu”.
Em 1923, uma vez concluído o 5º ano, parte para terra natal do seu progenitor, Guarda, Portugal, em companhia dos pais, onde estuda aritmética comercial. De regresso a Angola ingressa para o funcionalismo público, trabalhando na Fazenda, onde acaba por largar o emprego, em virtude do pai ter sido colocado em Novo Redondo, actual Sumbe, província do Kwanza Sul. Em 1926, seu pai é novamente transferido para Benguela. Óscar Ribas acompanha a família para as terras das “acácias rubras”, integrando-se e participando no meio social benguelense, vivendo e apre(e)ndendo a realidade(cultural) vivida e sentida por suas gentes e culturas.
Aos 36 anos, o decano dos escritores angolanos, perde a visão, passando o seu irmão a registar para o papel aquilo que ele ditava.
Do reviver da experiência benguelense, onde o convívio com os diversos extractos sociais, particularmente gente menos favorecida nasce “Ecos da minha terra- dramas angolanos”, em 1952. Da vivência no planalto de Benguela conta em entrevista a Michel Laban: “...Lavadeiras, cozinheiras, criados... E lá estava eu a dançar com eles. Isto tudo fez-me bem porque contactei directamente, não me afastei. Enfim gostava”. De resto, vivência com gente humilde, depositários fiéis dos “usos e costumes” do seu povo que animavam o seu projecto estético- literário, o que só viria a ser vantajosa para a sua actividade de escritor, de recolha etnográfica e de recriação do imaginário angolano, particularmente da região kimbundu - sua zona de origem. Além do título acima referenciado consta da bibliografia do autor: “Nuvens que passam(novela), 1927, “Resgate duma falta”(novela), 1929, “Flores e espinhos. Lirismo, ensaios e contos” (1948,esgotado), “Uanga”(romance,1951), “Missosso- Literatura Tradicional Angolana”, 3 tomos, primeira edição 1961, “Sunguilando. Contos tradicionais”, 1ª edição, 1967, “Alimentação regional angolana, 1ªed. 1974,Izomba, “Tudo isso aconteceu. Romance auto-biográfico” (1975), “Cultuando as musas(poesia), 1995, e “Dicionário de regionalismos angolanos”, 1997.
O falecido professor Manuel Ferreuira, um dos mais destacados divulgadores das literaturas africanas de língua portuguesa, na sua obra “Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa”(Ática, 1987) teceu os seguintes comentários:
“A sua longa carreira de escritor, veio a bipartir-se na investigação etnográfica ou etnológica, que é das mais fecundas de Angola, e na ficção. (...) Acontece, porém, que toda a sua obra romanesca é repassada pela intervenção de etnógrafo, facto que, do ponto de vista das exigências da estrutura literária, não favorece muitos dos seus textos ficcionais dada a marcada e persistente intenção de explicar, antropologicamente, determinados tipos de comportamento social, de carácter profano ou mítico. Seja como for, a sua obra literária, como Uanga, não deve ser ignorada. E bem destacada deverá ser ainda a sua obra de etnólogo, exemplo, e bem rico, para o conhecimento do angolano que sofreu a assimilação ou a aculturação”.
Ainda a propósito da sua obra de escritor e etnográfo, o professor Pires Laranjeira escreve: “Óscar Ribas(...) é um narrador que se apropriou das tradições orais em quimbundu, e também da sociedade crioulizante, sobretudo da região de Luanda, e as transformou em histórias(contos, romance) com sabor etnográfico, permanecendo como um documentalista dos dramas angolanos da gente negra, ao modo dos primeiros livros de Castro Soromenho”. Pires Larangeira sublinha ainda que” Cordeiro da Mata, Óscar Ribas, Geraldo Bessa Victor e Castro Soromenho dedicaram-se a estudar e recolher elementos do saber africano das regiões que melhor conheceram. (...) O Óscar Ribas permaneceu como um ‘documentador de tradições minguantes’, optando por um estilo popular, bastante oralizado, como que tocado pela imperfeição, na linha de António de Assis Júnior e, depois da independência, de Uanhenga Xitu, que se opõe, de certo modo, ao conceito de literatura de tradição escrita ocidental. O narrador é sempre um documentador que conhece bem o que relata, mas que se sente algo distanciado das tradições residuais ou dos atavismos que observa e transmite.”
O poeta e ensaísta angolano Mário António(1932-1989) escrevia em 1968: “Óscar Ribas apareceu nas letras angolanas numa fase marasmática correspondente à liquidação de uma tradição local de actividade intelectual, recordada com saudade. O surto literário, com projecção no meio dos dos “filhos do país”, vindo da segunda metade do século XIX, tivera seu último qualificativo representante em António Assis Júnior(...) o escritor angolano surge como um elo necessário entre essa tradição em perigo de se obliterar e os anseios de afirmação literária das gerações mais novas da sua terra. Esta é a primeira justificação do lugar que por direito, Óscar Ribas adquiriu na literatura angolana”.
Numa clara alusão à sua condição de invisual, Mário António destaca: “(...) Óscar Ribas realiza – talvez pela contingência da dura adversidade da sua vida – essa meta de toda a actividade literária: a profissionalização do escritor”.
Referindo-se propriamente à sua obra, o ensaísta sublinha que “ os diálogos dos seus contos baseados na tradição popular – particularmente de “A praga”, por sinal galardoado, em momento de felicidade judicativa, num concurso de literatura africana realizado na Inglaterra – são sem dúvida, no conjunto das literaturas africanas expressas em idiomas europeus, o caso mais espantoso de preservação, através do veículo literário escolhido, da carga psicológica, do carácter vital próprio de uma cultura e de um modo de ser. Essas páginas devem ser consideradas como um guia por quantos se queiram aproximar da expressão literária do Homem Negro”.

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