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sábado, 3 de julho de 2010

Saladino derrota os cruzados, a 4 de Julho de 1187, na Batalha de Hattin

O dia em que Jerusalém caiu

A batalha de Hattin (1187) representou o dobre de finados pelos reinos cristãos no Médio Oriente. Jerusalém e Acra ainda voltaram episodicamente à posse dos latinos no século seguinte mas o além-mar europeu ficava historicamente condenado.

Durante o séc. XII, raramente a perda de uma batalha significou o fim de um estado. Mais depressa um reino desaparecia devido a uma crise de sucessão que por causa de uma derrota militar. Desse ponto de vista, a vitória do exército de Saladino sobre o dos reinos cristãos do além-mar nos Cornos de Hattin, junto ao lago Tiberíades (4 de Julho de 1187), foi uma das grandes excepções da época. O reino de Jerusalém perdia o seu braço armado, o mesmo sucedendo à capacidade operacional das duas grandes ordens militares - Templários e Hospitalários. A queda de Jerusalém e de Acra foi uma questão de semanas. O equilíbrio estratégico só seria reposto e, ainda assim parcialmente, pela III Cruzada comandada pelo rei inglês Ricardo, Coração de Leão (1191)
Uma batalha só se percebe conhecendo os seus antecedentes.
Ao fim de 90 anos de presença latina no além-mar, o reino de Jerusalém vive uma crise de sucessão: o rei Balduíno III é leproso e está condenado a prazo. Os principais feudatários e a Ordem do Hospital, agrupam-se em torno do seu filho, o futuro Balduíno IV e defendem uma linha moderada perante o crescente poder do sultão Saladino. Aquilo a que hoje chamaríamos os "falcões" tinha por chefe o nobre francês recém-chegado à Palestina Guy de Lusignan, apoiado pelos Templários e por Renaud de Chatillon, nobre desprezado, pela sua crueldade, tanto no campo islâmico como no próprio campo cristão.
Tomando como referência o filme de Ridley Scott, "O Reino dos Céus", o conferencista disse que o enredo político e as personagens estavam "bem descritos", com excepção de Lusignan, "bastante mais hesitante e timorato na vida real que no ecrã". Mas que, apesar de responsável pela derrota de Hattin, acabará bem a sua vida, "quando Ricardo Coração de Leão o fizer rei de Chipre" (1192).
No campo oposto, Saladino consegue a proeza histórica de unificar a Síria e o Egipto e organiza um exército baseado na cavalaria ligeira e nos mercenários curdos e turcos. Espera a oportunidade de desferir um golpe fatal no reino de Jerusalém, cuja fraqueza pressente. Esse pretexto é-lhe dado quando Chatillon, agindo por conta própria, rompe a trégua e massacra a caravana dos peregrinos a Meca. Como explica Hermenegildo Fernandes, "era atentar contra um dos pilares do Islão e humilhar o sultão Saladino, cujo papel passava, também, por garantir o sucesso da peregrinação anual".
O terceiro protagonista, o império bizantino que, apesar de tudo, sobreviverá séculos aos reinos cristãos de além-mar vive uma crise política e económica tremenda com o fim da dinastia dos Comenos. Não tem força militar para intervir e, de resto, no momento da batalha de Hattin é aliado de Saladino, visto como um mal menor e um contrapeso à ameaça dos turcos seljúcidas, na Ásia Menor.

Todos contra todos


Como sublinhou Hermenegildo Fernandes, "engana-se quem olhar para este período como um confronto entre dois blocos homogéneos". No terreno havia alianças de contornos variáveis, misturando diferentes credos religiosos. Por exemplo, a seita dos Assassinos, chefiada pelo Velho da Montanha, descrita um século mais tarde por Marco Pólo, é aliada circunstancial do rei de Jerusalém e faz atentados a Saladino. Já em 1189 assassinará Conrado de Monferat, senhor de Tiro.
No campo cristão, a clivagem entre "pombas" e "falcões" corresponde aos diferentes olhares dos latinos de segunda e terceira geração e dos cruzados recém-chegados. Ao fim de 90 anos de presença na Síria e na Palestina, os francos orientalizaram-se, não tanto na fé e no sistema político, mas nos usos e costumes, padrões de consumo, etc. Os recém-chegados espantavam-se com este mundo novo onde havia tecidos e jóias como a Europa nunca vira, as mulheres se pintavam e se comia e bebia com abundância. "Como se espantaram os cruzados que, ao atacar Lisboa, em 1147 e viam os seus defensores - que lhes pareciam mouros - invocar Santa Maria" e agrupar-se sob a protecção de um bispo...
Apesar do seu valor como combatentes, os cavaleiros cristãos nunca adaptaram as suas tácticas e armamentos à realidade local. Mantiveram-se fiéis às armaduras pesadas que conferiam protecção individual mas roubavam mobilidade. Os bizantinos, que ali combatiam há séculos, baseavam-se na cavalaria ligeira e nos mercenários locais. E diziam ironicamente dos Cruzados: "têm armamento a mais..."

Vencidos pelo calor e pela sede


Esta diferença de conceitos foi decisiva em Hattin. O exército de Jerusalém viajou completamente equipado para o combate, debaixo de um calor infernal. Perante os protestos dos soldados, o timorato Lusignan acampa com as águas do Tiberíades à vista mas não ao alcance do cantil. Os homens de Saladino só se equipam no momento do combate e estão motivados e em boa forma física. No dia seguinte as sucessivas cargas de cavalaria quebram-se contra o anel de aço de Saladino, excepto a da hoste do Conde Raimundo de Tripoli. Habilmente, o sultão manda romper o contacto e Raimundo vê-se fora do campo de batalha com pouca possibilidade de socorrer os seus camaradas cercados.
Ao fim do dia, o exército de Jerusalém e as forças dos Templários e Hospitalários, que equivaliam às dos adversários, estavam liquidadas. Dos grandes feudatários apenas Raimundo e Bailen (que irá defender Jerusalém, tal como se mostra no filme) escapam. Saladino executa Chatillon mas poupa a vida de Lusignan. E voltará a mostrar-se misericordioso com os defensores de Jerusalém, negociando a saída da maior parte dos habitantes, ao fim de um curto cerco de dez dias. Exactamente o oposto do sucedido 90 anos antes, quando os guerreiros da I Cruzada haviam passado quase todos os habitantes da cidade, cristãos incluídos, a fio de espada.
Jerusalém voltará episodicamente à posse cristã em 1229 mas os dias do além-mar latino estavam em contagem decrescente desde a batalha de Hattin.

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