Fernando Nobre está incomodado com os ataques pessoais na campanha, mas também entende que o actual Presidente deve dar explicações suplementares sobre o BPN
O candidato independente Fernando Nobre está descontente com o rumo da campanha presidencial porque os ataques pessoais tomaram o lugar do debate de ideias. Mas, em relação ao BPN, pensa que Cavaco Silva tem mais explicações a dar.
«Cavaco Silva devia nesta fase explicar a quem comprou e a quem vendeu as acções do BPN, com 145% de lucro», esclareceu na entrevista a Judite de Sousa na RTP1.
Com esta ressalva, Nobre aconselhou os que têm insistido neste tema a terem cuidado. «Todos têm telhados de vidro», disse, não querendo concretizar ou pessoalizar a afirmação. Perante a insistência da entrevistadora, acabaria por dizer que «ninguém é santo».
Nobre continua a negar que tenha sido levado a candidatar-se por influência de Mário Soares. Leva aliás a insinuação à conta de insulto ao seu carácter. «Quem me conhece sabe que não sou pessoa para ser empurrado por ninguém».
Quanto aos impulsos que o levaram a avançar, eles «vieram de outros quadrantes», assegurou. O que acabaria por ser determinante, explicou, foi o «imperativo de consciência», que contrariou a opinião em sentido contrário da mulher e dos filhos.«Tive uma infância felicíssima no Portugal ultramarino», começou por dizer, na explicação sobre a dívida de gratidão que julga ter com o país e que agora está a tentar pagar.
«Mas ó Fernando, o que vai retirar desta candidatura se não ganhar?», perguntou Judite de Sousa, que sempre tratou o candidato pelo nome próprio. Se não obtiver votação expressiva«isso será dramático para o povo português», porque «nas próximas décadas não haverá outro cidadão que não seja político ou general» que se atreva a candidatar-se, dramatizou Nobre.
«Se não me candidatasse considerava-me um cobarde»,prosseguiu, depois de assegurar que julga ser «o único candidato capaz de vencer Cavaco Silva na segunda volta».
Lamentou que nestes dez meses de candidatura «tenha perdido alguns amigos pelo caminho» embora tenha ganho mais: «Vá ao meu facebook, estou à beira dos 30 mil apoiantes no facebook».
Sobre os custos da campanha, que não será paga por nenhum partido político, Nobre disse que pensava gastar 800 mil euros, negando que a sua casa no Estoril estivesse já hipotecada para custear a candidatura. Criticou a lei que obriga os candidatos independentes a pagar IVA, enquanto os partidos políticos ficam isentos. «Se isto nao é descriminação...».
Admitiu que foi «com alguma ingenuidade» que entrou na corrida e «alguma utopia», mas que isso é uma vantagem. «Porque eu tenho ideias», explicou. «Tirando o meu colega Defensor Moura, que avançou com a regionalização, ninguém, além de mim, avançou com ideias para o país».
Rebateu as críticas de que fala demasiado do seu percurso como activista humanitário. «De que vou falar se não for da minha vida, de rosas?». Judite de Sousa recordou a famosa tirada de Nobre, no seu primeiro debate, em que disse que conhecia a pobreza como ninguém porque já tinha visto uma criança tentar tirar«pão do bico de uma galinha» perguntando-lhe se tinha sido pensada com antecedência.
Nobre aproveitou para contra-atacar um comentador que terá dito que a história não fazia sentido, porque a criança não ia atrás da galinha. «O que esse comentador encartado não sabia é que a galinha tem dono», retorquiu, garantindo que o episódio da galinha lhe tinha saído espontaneamente.
Desafiado a contar a pior coisa que viu, nas suas missões da AMI, lembrou «uma pilha de corpos de crianças em Mogadíscio». Depois, disse, «só me falta ver o resultado de uma bomba atómica».
Salgueiro Maia é uma das suas principais referências na democracia e um exemplo de intervenção altruísta. Na mesma linha do operacional do 25 de Abril, aliás, o candidato não tem intenções de rentabilizar politicamente a sua intervenção nestas presidenciais.
Se não ganhar, não irá «criar nenhum partido político nem fundações», atirou. Percebeu-se que tem dúvidas sobre um bom resultado quando disse, com um sorriso sonhador, que no dia seguinte à votação de dia 23 conta ir para a Papua Nova Guiné. Percebendo que isso implicava reconhecer a derrota, ressalvou:«Se não for à segunda volta».
Sobre uma eventual colagem da sua candidatura à AMI, com potencial para prejudicar a imagem da organização médica humanitária a que preside, Nobre, categórico, afastou esse cenário e pediu: «Deixem a AMI em paz».
Depois de Fernando Nobre, amanhã será o candidato comunista Francisco Lopes o convidado de Judite de Sousa, na série de entrevistas da RTP1 a candidatos presidenciais, que incluirá ainda Manuel Alegre (quinta-feira), Cavaco Silva (sexta) e - soube-se hoje - o madeirense e candidato surpresa José Manuel Coelho (no sábado). Sempre às 21h.