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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Abaças terá sido a terra de origem de Pero Coelho?

Pero Coelho de Sousa (?-1361) foi um conselheiro de Afonso IV de Portugal, um dos responsáveis morais pelo assassinato de Inês de Castro, amante do então infante real D. Pedro, futuro D. Pedro I. 

Segundo uns, seria transmontano (nascido, ou pelo menos com parentesco em Abaças, concelho de Vila Real de Trás-os-Montes). Outros, como Leite de Vasconcelos (em De terra em terra), propõem-lhe uma genealogia alternativa - seria um homem beirão, nascido no Jarmelo (Guarda), terra que foi salgada por el-rei D. Pedro como maldição... 

Era descendendo de Lourenço Viegas (o lendário espadeiro) e de Egas Moniz, pertencendo à casa dos Teixeira Coelho; os seus pais foram Estêvão Coelho e D. Maria Mendes Petite - a qual viria a ser avó de D. Eleonora d'Álvini (ou Alvim, pode ser erro de leitura de quem passou o manuscrito para letra de imprensa), esposa do Santo Condestável D. Nuno Álvares Pereira. Imensamente ricos, os pais de Pêro Coelho deram ao jovem uma educação esmerada. Ele mesmo foi também um senhor bastante abastado, possuindo diversas propriedades na região duriense e no Tâmega. 

Casou, segundo Felgueiras Gayo, com Aldonça Vasques Pereira, ascendente em linha colateral de Nuno Álvares Pereira, e residente no Pombeiro de Felgueiras. 

Aos seus pais pertencia o melhor palácio da vila do Jarmelo no princípio do século XIV, o qual o vulgo diz ter sido propriedade de el-rei. Na realidade, persistem elementos que relacionam essa terra fronteira com o drama inesiano, na medida em que Jarmelo foi uma das prisões de Inês de Castro, mais tarde recuperada por D. Fernando - apesar desta última iniciativa de repovoamento não ter vingado. A maldição de Pedro paira ainda hoje sobre essa freguesia da Guarda. Possivelmente, Jarmelo foi local de residência alternativa (ou de parentes coetâneos) de Pêro Coelho ou onde terá deixado descendência ilegítima, na medida em que a maioria dos autores genealógicos favorece a hipótese transmontana. 

Pêro Coelho, desde cedo compreendeu que, para a ambição de homens com força maior que os resignados conterrâneos, não bastavam os horizontes maternos. A corte de D. Afonso IV permitiu-lhe o alimento de paixões humanas, de discussões ideológicas, de gestão de relacionamentos políticos e do desenvolvimento de uma sólida carreira como conselheiro do monarca intempestivo. Não será de desprezar a hipótese corrente de que esse homem, Pêro Coelho, teria, inclusivé, sido um fiel educador do príncipe herdeiro, D. Pedro. E tão próximo foi, e tanta amizade por ele teria, que, apesar de antecipar a loucura desse homem, foi um dos mais incisivos a pressionar Afonso IV a favor da eliminação de Inês de Castro. António Patrício, em Pedro o Cru, mostra um Pêro Coelho orgulhoso de ter executado a cortesã galega, dando estoicamente ao seu futuro algoz o mérito de só assim poder ficar na História. 

Os argumentos que o transmontano usou foram vários. Condensando as leituras históricas e literárias, Pêro Coelho torna-se o arauto do povo português, defendendo a soberania lusitana, receando pela dependência emocional e pela manipulação futura do monarca português (veja-se, v. g., o Pêro Coelho do conto «Teorema», de Herberto Helder), previsivelmente arrastado para um conflito de grandes proporções com a vizinha Castela, em favor da independência e possível anexação a Portugal do antigo Reino da Galiza (na sequência da divisão eclesiástica de Martinho de Dume no século VI) e pressagiando um fim funesto do Infante D. Fernando, legítimo herdeiro do trono. Mas também é sugerido, por algumas leituras, como um homem invejoso da atenção e da influência que D. Pedro proporcionava ao crescente número de galegos na corte portuguesa. 

Inês de Castro morre em Coimbra, aos 7 de Janeiro de 1355. D. Afonso IV falece em 1357. Numa acção concertada e conhecida pela corte, Pêro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco, responsáveis principais pela decisão brutal que vitimou Inês, ter-se-ão refugiado na vizinha Castela a partir da morte do pai de Pedro, tendo deslocado haveres diversos desde 1356 para o país vizinho, temendo por certo o pior. A razão deste «receio» prende-se sobretudo com a instabilidade emocional do próprio Infante. 

D. Pedro, tirando a imagem difundida por escritores e historiadores românticos, afigura-se hoje como um monarca desequilibrado, com variações de humor intempestivas. Para lá da sua bissexualidade (implícita no relacionamento mantido com alguns servos mais próximos e comodamente anotada por Fernão Lopes), mantinha um relacionamento complexo com a figura de seu pai. A morte das duas principais referências emotivas (primeiro, a amante declara mulher legítima - Inês - e depois, o Pai) foi o culminar da evidência da sua loucura. O país e a corte tremeram. O reino ficara entregue a um louco em 1357. Pêro Coelho leva vida recatada e discreta, como compreensível, no reino vizinho. Trocado, assim como Álvaro Gonçalves, com traidores castelhanos detidos em Portugal, regressa para morrer em 1360.

Para o efeito, é representado como um homem íntegro, incorruptível, preso aos ideais de uma sobranceria aristocrata própria de uma linhagem que se orgulhava de ter originado reis. Quando, em 1360, o antigo valido o pune com a morte, arrancando (ou o mais provavelmente, mandando arrancar) o coração pelo peito, Pêro Coelho é um ancião que assume palavras eloquentes que dignificam a sua fidelidade a projectos que considerava maiores. Quando o algoz (Pedro ou o carrasco de Santarém) lhe abre o peito e olha atento o velho, adivinhando-lhe a posição do coração, Pêro Coelho terá respondido: «Acha-lo-ás mais forte que o de um touro e mais leal do que o de um cavalo». Há quem refira que Pêro Coelho teria proferido estas palavras já sangrando e com as costelas estilhaçadas... 

Resposta que teria dado com lucidez extrema, apesar de torturado para revelar nomes alternativos implicados no assassínio (o romancista João Aguiar, em Inês de Portugal, comenta que D. Pedro, em justiça, precisaria de exterminar a corte toda...). Esta resposta terá surgido porque Pêro Coelho se recordara em como D. Pedro se entretinha na mocidade a lidar com touros, nas redondezas de Peniche, e a exterminá-los com uma estocada directa no coração. Consta que D. Pedro o mandou queimar, depois da execução, término reservado aos criminosos abomináveis, como símbolo de apagamento eterno - não sem antes porém o ter mordido para vingar o coração amado que ele perdera anos antes. Em suma, o ponto onde a verdade dos factos se confunde com as lendas geradas em torno deles... 

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