Previsão do Tempo

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Em memória de David Mourão Ferreira

Figura cimeira da vida literária portuguesa do séc.XX, David Mourão-Ferreira conquistou o público.

"Em qualquer parte do mundo aonde o desejo ou as circunstâncias me têm arrastado – do Brasil ao Japão, dos Estados Unidos à União Soviética – , basta alguém saber que sou português para de imediato saltar a terreiro o nome de Amália. E, se acaso por acréscimo vêm também a saber que Amália Rodrigues interpreta uma dúzia e meia de letras da minha autoria – e entre elas o Barco Negro – então aí logo fico todo a cintilar, imerecido satélite, da luz reflexa do seu nome e renome." David Mourão-Ferreira (1927-1996)

Com as suas próprias palavras, de amizade e orgulho sentido, David Mourão-Ferreira ilustra o que se viria a tornar um marco não só na sua vida, mas também no Fado e na cultura portuguesa: as suas colaborações como letrista de Amália Rodrigues, a repercussão dessas colaborações e, finalmente, a dimensão que essa produção artística adquiriu.
Na verdade, o seu percurso como poeta (e também ensaísta, ficcionista, crítico literário, tradutor e dramaturgo) iniciou-se ainda na faculdade – o primeiro livro de poesia, A Secreta Viagem, data de 1950. David era ainda aluno da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, por volta de 1952-53, quando conheceu Amália e surgiram as primeiras letras de fado, dele para ela:
"Mas que surdo e raivoso burburinho, nas hostes literatas e politicastas, quando comecei a escrever versos para Amália cantar!"
O jovem promissor, que começava a afirmar-se sobretudo como poeta e que participava de forma activa na vida literária portuguesa, decide enveredar por um caminho até aí estranho e desconhecido dos seus parceiros das lides literárias, maioritariamente progressistas.

Do feliz encontro, que mais tarde se tornaria um encontro a três (no qual se incluía também Alain Oulman) surgiu uma série de poemas para Amália interpretar como só ela sabia, e ainda aquele que ainda hoje é considerado um dos melhores discos de Fado de todos os tempos: Busto (1962). Nos seus versos, plenos de emotividade e intimismo, David Mourão-Ferreira recriava, descrevendo como ainda ninguém tinha feito até então, os temas fulcrais do Fado: o Amor, a Saudade, a cidade de Lisboa. A sensibilidade de Amália Rodrigues deixou-se imediatamente tocar pelas palavras do Poeta, e assim assistimos ao estabelecimento da mais vasta produção poética de um autor para a Diva do Fado (David Mourão-Ferreira foi o mais cantado por Amália, a seguir a ela própria).
E foi exactamente através dos fados que escreveu, que David Mourão-Ferreira conquistou o reconhecimento não só dos círculos literários lisboetas, mas sobretudo do povo português (e também de todos os estrangeiros que tomaram contacto com a obra de Amália).
O seu papel relevante como figura da Literatura Portuguesa do séc.XX é inegável, tendo em conta o extenso legado que deixou – no qual se incluem 14 livros de poesia, 6 de ficção, 2 de teatro e 16 obras como ensaísta e crítico – e os onze prémios que lhe foram atribuídos, nas diversas áreas em que se demarcou. No entanto, David Mourão-Ferreira chegou a todos os portugueses através da Maria Lisboa, da Madrugada de Alfama, da Primavera, do Abandono ,do Barco Negro, …, conquistando assim a Imortalidade reservada aos que sabem inculcar, na alma de cada português e no património de todos, a sensação visceral de nos sentirmos nós próprios, neste Lugar e neste Tempo.

Fados escritos por David Mourão-Ferreira:


• Abandono (fado Peniche)
• As águias
• Anda o sol na minha rua
• Au bord du Tage
• L'automne de notre amour
• Aves agoirentas
• Barco negro
• Em Aranjuez com o teu amor
• Espelho quebrado
• Libertação
• Madrugada de Alfama
• Maria Lisboa
• Neblina
• Nome de rua
• Primavera
• Quando a noite vem
• Sempre e sempre amor
• Solidão
• Sombra

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