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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Recordar Política internacional

Yankees go home
Cultura anti-imperialista mobiliza jovens europeus


Uma cultura anti-imperialista mobilizava os jovens europeus nos anos 60. Além da condenação da intervenção bélica norte-americana no mundo, crescia a contestação ao modelo de vida americano, o american way of life.
A França era então uma âncora desse criticismo. O general De Gaulle afirmava-se como opositor ao expansionismo norte-americano, contrapondo-lhe uma Europa que se estendia até ao seu limite tradicional a leste, os Urais, no coração da Rússia. Não sendo pró-soviético, pretendia que a França assumisse protagonismo numa política externa de autonomia face aos dois grandes blocos.
Vários contenciosos inquinavam as relações com os Estados Unidos da América (EUA). Em 1961, na fase final da guerra da Argélia, a CIA (Agência Central de Informações) foi acusada de apoiar o golpe de Estado na colónia francesa do norte de África. E na Indochina, os norte-americanos começaram a instalar-se após a derrota dos franceses em Dien Bien Phu, no Vietname.
Não era tanto o destino dos povos que movia o general De Gaulle, mas os interesses económicos franceses em vários cantos do mundo. E, na própria Europa, esses interesses estavam ameaçados. John Kennedy enunciou em 1962 o programa de liberalização do comércio mundial, na reunião Tóquio Round, realizada no âmbito do GATT (Acordo Internacional sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio). A Kennedy Round tinha como objectivos reduzir os direitos aduaneiros nos bens manufacturados e melhorar os mercados agrícolas.
Mas a cultura europeia estava também sob a mira da indústria de conteúdos norte-americana. Passados quarenta anos, os europeus são — como eram já então os americanos — modelados pela força e pelo sucesso individual. As consignas veiculadas pela filmografia yankee e pelas séries televisivas celebram o individualismo e a competitividade, enquanto os noticiários fornecem-nos a agenda do super-presidente George Bush filho.
Em Portugal, basta sair hoje à rua para deparar com algum homem que enverga uma camisa com a bandeira norte-americana bordada nas costas ou uma mulher que veste uma camisola com a bandeira norte-americana tricotada no peito. Os jovens bebem Coca-Cola, alimentam-se no McDonalds e mascam pastilha elástica.

Vão para casa

No século passado, a palavra de ordem e a atitude eram outras. Na Europa como em outras partes do mundo, Yankees go home era escrito nas paredes e gritado em manifestações contra a presença americana. Em Portugal também se murmurava yankees vão para casa e a Coca-Cola estava proibida pelo regime salazarista. Mas apesar dos cortes de Censura, eram exibidos filmes europeus nas salas de cinema.
Hoje, as campanhas norte-americanas contra os povos, quer seja no Golfo quer seja nos balcãs ou no Afeganistão, são aplaudidas e celebradas nos media e por políticos de diferentes matizes.
John Fitzgerald Kennedy, do Partido Democrático, que ascendeu à presidência dos EUA em 1961, com 44 anos, inaugurou uma nova época. «Não perguntem o que o vosso país pode fazer por vós. Perguntem o que podem fazer pelo vosso país», esta uma declaração do seu discurso de posse, que se tornou memorável.
Kennedy teve uma curta, atribulada e controversa estada na Casa Branca. As contradições não deixavam de exprimir os interesses antagónicos que convergiram para a sua eleição. A um eleitorado que desejava a mudança, juntou-se o apoio do crime organizado, por intermédio da patriarca Joseph Kennedy. Sam Giancana, o patrão do crime organizado em Chicago, teve um papel crucial na entrega dos votos a John Kennedy nas eleições primárias de 1960.
Quando se instalou na Casa Branca e em resposta às reivindicações mais urgentes, o Presidente tomou medidas favoráveis à igualdade e ao reconhecimento dos direitos civis dos negros. O seu programa económico traduziu-se numa das mais duradouras expansões sustentadas desde o pós-guerra. Intentou ainda pôr em prática uma acção contra a exclusão e a pobreza.
Mas os dois irmãos Kennedy, John e Robert, em pouco tempo fizeram poderosos inimigos. Um deles era John Edgar Hoover, director do FBI (Bureau Federal de Investigação) desde 1924 até à data da sua morte em 1972. Sentiu-se ameaçado pelas novas abordagens e ideias e temeu que as suas técnicas ilegais de vigilância, os seus métodos, a repressão interna e a dependência em que colocara a Casa Branca fossem contestadas pela nova administração.
Os EUA tinham conhecido dois presidentes desde o final da II Guerra Mundial. O democrata Harry S. Truman, que ascendeu à presidência em 1945, ordenou o lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima e Nagasaki. E no seu mandato foi desencadeado o Plano Marshall e criadas a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a CIA.
O seu sucessor, o republicano Dwight D. Eisenhower, entrou na Casa Branca em 1953, depois de deixar o cargo de comandante da NATO, que assumiu em 1951. Tendo Richard Nixon como vice-presidente, J. Edgar Hoover como director do FBI e Allen Dulles como director da CIA, incrementou a guerra fria e procedeu a uma cruzada contra a ameaça comunista interna e colocou no poder regimes obedientes, designadamente, no Irão e na Guatemala.
É também no seu tempo que são treinados e armados os exilados cubanos protagonistas da invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, mas cuja operação só foi despoletada pouco depois de Kennedy tomar posse.
Estes poderes e estas políticas sentiam-se comprometidos pela nova administração. Incluindo Richard Nixon, candidato republicano derrotado por John Kennedy.
O Presidente nomeou então um novo director da CIA. John McCone, engenheiro e homem de negócios, foi encarregado de pôr ordem na agência e evitar novos fiascos como o da Baía dos Porcos.
Mas as mudanças foram igualmente mal recebidas por Sam Giancana, que detinha significativos negócios de jogo e outros bens ameaçados pelo regime de Fidel de Castro. Robert Kennedy, investido no cargo de procurador-geral, agudizou essa inimizade ao declarar guerra ao crime organizado.
De resto, J. Edgar Hoover advertiu Robert Kennedy, em Dezembro de 1961, que Sam Giancana se convencera de que o seu dinheiro não tinha sido bem empregue na contribuição para os fundos da campanha do Presidente.
As medidas da administração para abrir as escolas aos negros também não foram pacíficas, assim como a legislação contra a discriminação racial e por maior justiça social. E geraram novas inimigos entre os mais empedernidos racistas. J. Edgar Hoover dispensava-lhes o apoio do FBI, combatendo e desacreditando os dirigentes negros como Martin Luther King ou Malcom X, um pacifista e outro radical.
Aliás, o COINTELPRO (counter intelligence program) do FBI foi utilizado para combater o Partido Comunista dos EUA assim como os movimentos sociais.
As grandes acções do movimento dos direitos civis sob a bandeira da não-violência ou do black power desenvolvem-se ao longo da década de 60. Stokely Carmichael é o doutrinário do poder negro, que se organiza no Partido Panteras Negras.
Também nesta década, em 1963, Betty Friedan lança «A Mística Feminina». O livro da fundadora da Organização Nacional de Mulheres (NOW) prenuncia e impulsiona a transformação radical do papel da mulher na sociedade. Neste período emergiram também os movimentos femininos negros.
A administração Kennedy era atravessada por todas estas forças em confronto na sociedade americana. O Presidente iniciou a primeira vaga da globalização neo-liberal e simultaneamente deu os primeiros passos na guerra do Vietname. Nessa época, a CIA desencadeou a operação MONGOOSE, destinada a desestabilizar o regime cubano.

Assassinatos

John Kennedy foi o primeiro de um conjunto de figuras proeminentes a ser abatido. No decurso da sua visita a Dallas, em 1963, o Presidente foi ferido de morte numa conspiração que contou com a cumplicidade da CIA e FBI.
Dois anos depois, Malcom X era assassinado em Nova Iorque. O líder radical da organização dos muçulmanos negros lutou pelos direitos dos negros. Mas também o pastor negro Martin Luther King seria assassinado em Memphis, em 1968. Adepto da não-violência, lutou pela integração dos negros e recebeu, em 1964, o Prémio Nobel da Paz.
Nesse mesmo ano também foi assassinado Robert Kennedy. Senador por Nova Iorque, foi abatido em Los Angeles durante a sua campanha eleitoral para a presidência. Afastado drasticamente da corrida, as eleições foram ganhas por Richard Nixon.
O candidato republicano alcançou a vitória que lhe tinha sido negada na disputa com John Kennedy no início da década e garantiu o acesso do seu partido ao poder, após sete anos de interregno. Eisenhower, de que Nixon foi vice-presidente, fora o último dos presidentes republicanos.
Após o assassinato de John Kennedy, sucedeu-lhe o vice-presidente Lyndon Johnson, posteriormente eleito para um mandato. A sua administração ficou marcada pela intensificação da guerra no Vietname, tendo ordenado o bombardeamento do Vietname do Norte.
Colocou à frente da CIA William Raborn, que em 1966 foi substituído pelo veterano Richard Helms. Em Maio de 1967, a CIA acompanha o desenvolvimento do conflito israelo-árabe no decurso da Guerra dos Seis Dias.
No plano interno, o FBI incrementa o seu COINTELPRO, que passa a ser aplicado a grupos como o Comité de Coordenação de Estudantes Não-violentos (de que fez parte Stokely Carmichael), organizações nacionalistas negras (entre elas os Panteras Negras), os grupos de esquerda (de que é exemplo a Estudantes por uma Sociedade Democrática) e os maiores grupos anti-guerra no Vietname. A sua acção visava destruir qualquer grupo que fosse ideologicamente detestável para a administração.
A confiança depositada por Johnson em Hoover era tal que o elogia a Nixon, classificando-o como «um pilar de firmeza numa cidade de homens fracos». O conselho é desnecessário porque as relações de amizade entre Hoover e Nixon são antigas. O FBI prosseguiu com o COINTELPRO e foi encarregue de impedir fugas de informação da administração para o exterior e combater as manifestações hostis.
Uma das operações com maior repercussão mediática mundial reporta-se ao mandato do FBI, que leva Angela Davis ao corredor da morte. A activista feminina negra e comunista é acusada de financiar o rapto de um juiz. Presa em 1971 e incorrendo na pena de morte, Angela Davis acaba por ser posta em liberdade em 1972.
Neste ano, o Senado aprovou legislação sobre a igualdade dos sexos, na sequência das designadas «acções afirmativas» de mulheres contra a discriminação sexual no mercado de trabalho.
Também no mandato de Nixon, os Panteras Negras são violentamente reprimidos pelo FBI. Um dos mais trágicos episódios refere-se à campanha desencadeada contra a actriz Jean Seberg, que estava grávida de um dirigente dos Panteras Negras. Hoover sancionou um plano que considerava a actriz como financiadora do partido.
A publicidade negativa levou Jean Seberg a tentar o suicídio. O bébé nasceu prematuro e morreu. A actriz tornou-se psicótica e em 1979 acabou por se suicidar.
Apesar de não ter cumprido a promessa de acabar com a guerra no Vietnam no seu primeiro mandato, Nixon foi reeleito em 1972. Mas também não a cumpriu. Pelo contrário, estendeu o conflito ao Cambodja. A guerra só terminou no Vietname com a derrota norte-americana e a sua debandada em Saigão.
Entre outras medidas da sua administração, conta-se a proposta de restabelecimento da pena de morte em todos os estados, como meio alegado pelo Presidente de combater a criminalidade.
Mas o fim acabou por chegar para Nixon, na sequência da divulgação do seu envolvimento no escândalo Watergate. Uma operação de espionagem conduzida pelo FBI ao Partido Democrático durante a campanha de 1971 para a Presidência.
Estas revelações conduziram à descoberta de outros escândalos, designadamente, o de contribuições da ITT para a campanha eleitoral. E outros emergiram na CIA. Um relatório interno, designado as «jóias da família» apurou o envolvimento da agência em atentados para assassinar dirigentes estrangeiros, a sua participação em ensaios de drogas e na violação de correspondência, entre outras operações. Mais tarde a CIA interveio na crise do petróleo no Médio Oriente e esteve envolvida no golpe de Estado no Chile.
Nixon resignou, finalmente, em 1973. Em Maio do ano anterior, Hoover morreu, tendo deixado instruções numa designada «lista D», na qual indicava os arquivos e fitas que deviam ser destruídos.

Uma amostragem

A incursão neste período marcante da história do EUA visa apenas contextualizar as provas censuradas que nesta edição se divulgam. Criminalidade, eleições, segregação racial, inflação, Nixon rounds, american way of life, bipartidarismo ou sindicalismo constituem apenas uma pequena amostragem do nosso arquivo.
Algumas das questões que se equacionam nessas notícias e artigos evidenciam uma surpreendente actualidade. Até a similitude entre a actuação da Censura que procurava branquear a política norte-americana e a orientação da comunicação actual que apresenta os EUA como potência libertadora.
Noutras edições, voltaremos à temática internacional, designadamente à guerra do Vietname, ao conflito no Médio Oriente, à Jugoslávia, à América Latina ou à evolução europeia.
Muitos jornalistas e colaboradores escreveram sobre política internacional no Notícias da Amadora. Rolando del Vale (pseudónimo de Orlando Gonçalves), Alice Nicolau, Torres Rodrigues, António Caeiro, Rui Pires, Alberto Vilaverde Cabral, Sérgio Ribeiro, Álvaro Sena, Edgar Vales, Fernando J. Almeida, Miguel Urbano Rodrigues, José Antunes Ribeiro, Soeiro Sarmento ou Vítor Angelo contam-se entre aqueles que mais artigos assinaram.
Mas também outros escreveram comentários sobre política internacional como José António Freire Antunes, Agostinho Chaves Gonçalves, Carlos Carvalhas, Arlindo Mota, José Raimundo Almeida, Serras Gago e Urbano Tavares Rodrigues.
Numa tentativa para quebrar o cerco montado e para desconstruir o real made in USA (United States of America) e a sua representação manufacturada pelos censores nacionais, oficiais de um regime obediente ao amigo americano. Numa tentativa para que soubéssemos o que os norte-americanos conheciam de si próprios.

ORLANDO CÉSAR

Fontes: Sítios Internet da Casa Branca (http://www.whitehouse.gov), FBI (http://www.fbi.gov), CIA (http://www.cia.gov), a obra de Marilyn Bardsley, «J. Edgar Hoover: world most powerful lawman» e provas de Censura do Notícias da Amadora.



Orlando César

1 comentário:

  1. Muito esclarecedor o artigo. Serve para desmitificar alguns políticos e mostrar a "verdadeira" moral e a hipocrisia do Governo norte-americano.

    Obrigada!

    Ieda Raro - Rio de Janeiro - Brasil

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