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segunda-feira, 15 de março de 2010

Camilo Castelo Branco e a sua obra

Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa, na Rua da Rosa, em 16 de Março de 1825 (se bem que ele próprio estivesse convencido de que nascera em 1826). Não é pois natural de Trás-os-Montes, mas a sua família pelo lado paterno era de sólida origem vila-realense. E também é certo que a sua matriz psíquica era a de um trasmontano, como aliás reconhece Manuel Laranjeira, ao escrever, no prefácio para A freira no subterrâneo, que «Camilo, pelo feitio étnico do seu espírito, pelo sangue, e até pela educação, é um português do norte – um trasmontano». 
Foi o facto de ter em Vila Real uma tia, irmã de seu pai, de nome Rita Emília, viúva e à época amancebada com João Pinto da Cunha, que determinou o seu envio, em 1836, pouco depois de ter ficado órfão de pai (já o era de mãe desde antes dos dois anos de idade), ao cuidado desses parentes, que aliás se viriam a revelar pouco amoráveis e pouco desinteressados.
Aqui viveu entre 1836 e 1839, altura em que acompanha a irmã Carolina, mais velha do que ele quatro anos, para Vilarinho da Samardã, ainda no concelho de Vila Real, quando esta casou com Francisco de Azevedo, filho de lavradores remediados daquela povoação e ao tempo estudante de Medicina. Note-se que Camilo já tinha vivido em Vila Real anos antes (1830-31), acompanhando o pai que aqui exerceu o lugar de correio-assistente.
A permanência em Vilarinho da Samardã não foi muito longa, pois em 1841 já se encontra em Ribeira de Pena, onde completou a sua educação com o padre Manuel da Lixa e deve ter tido o primeiro emprego, como ajudante de tabelião. Foi também na Igreja do Salvador, de Ribeira de Pena, que casou com Joaquina Pereira de França, de Friúme, tendo apenas 16 anos (a noiva tinha 15). Provavelmente a expensas do sogro, passou em 1843 ao Porto, onde frequentou a Escola Médica, com aproveitamento modesto. Segundo o seu próprio testemunho, terá também tentado o curso de Direito, em Coimbra, mas não parecem restar documentos que o sustentem. (Em matéria de estudos há ainda a registar que, mais tarde, em 1850, se matricula no Seminário do Porto, mas uma vez mais não dá sequência ao curso.)
Baldadas as expectativas de um curso superior, vemo-lo de novo em Vila Real, entre 1846 e 1848. Aqui terá tido algumas ocupações (não cabalmente documentadas), como a de mestre de meninos, secretário de amantes mais ou menos analfabetos, cujas cartas de amor se encarregava de escrever à razão de meio pinto por peça, e amanuense do Governo Civil. E ocupando o tempo também como aprendiz de escritor, começando pela publicação de correspondências em jornais do Porto (O Echo Popular e O Nacional) – crónicas essas eivadas de azedume contra o governador civil, José Cabral Teixeira de Morais, e outros, acabando em consequência disso o jovem plumitivo por sofrer alguns dissabores e agressões. Foi também por esta altura que escreveu e conseguiu ver representada a peça Agostinho de Ceuta. Foi ainda durante esta estada em Vila Real que viveu um breve romance com Patrícia Emília de Barros, que o levaria pela primeira vez à prisão.
Em Setembro de 1848, acossado pelas antipatias e animosidades que inspirou, abandona Vila Real em direcção ao Porto – cidade que, com os seus burgueses e barões mais ou menos broncos e a sua buliçosa juventude ligada aos jornais e à boémia, será o palco ideal para as suas irreverências e provocações, das quais a menor não será decerto a sua ligação com Ana Plácido, que seria a companheira para o resto dos seus dias. Isso não exclui, naturalmente, estadias mais ou menos longas, em outros lugares, nomeadamente Viana do Castelo, Lisboa e Coimbra.
Finalmente, a partir de finais de 1863 (ano da morte de Manuel Pinheiro Alves), instala-se com Ana Plácido em São Miguel de Ceide, Vila Nova de Famalicão, e aí passa a residir (com frequentes viagens ao Porto, Braga, Viana do Castelo, Santo Tirso, etc.) até ao seu suicídio em 1 de Junho de 1890.
É geralmente aceite a ideia de que a reputação literária de Camilo não provém da sua produção poética. Na verdade, não falta quem, com razão ou sem ela, aponte a diferença de qualidade entre a prosa (seja o romance, seja o texto de natureza histórica, genealógica, jornalística, etc) e a poesia de Camilo. E no entanto, Camilo terá, no começo da sua carreira literária (descontadas as referidas correspondências nos jornais), idealizado conquistar renome como poeta e deixou uma produção mais vasta do que geralmente se supõe neste campo. As suas primeiras obras, publicadas sob a forma de folheto, são poemas de carácter mais ou menos jocoso, próximos do género herói-cómico (o último é mesmo composto em estrofes de oitava-rima): Os pundonores desagravados e O juízo final; e o Sonho do inferno(ambos de 1845) e A murraça (1848). 
Segundo Camilo confessa, na novela As três irmãs (1862), os seus «primeiros versos lá estão abertos naquela pedra [do assim-chamado mausoléu de Camilo, no cemitério do Carmo, em Vila Real].» E expende sobre eles uma crítica severa: «Maus versos, mas sentidos. Como haviam de ser bons se eram contrafeitos, numa idade em que o génio só voeja com asas de ouro através dos ares rescendentes de perfumadas alegrias!...» E, mais adiante, uma lúcida constatação: «Triste berço embalou a minha poesia – um túmulo! Como não havia ela de sair enfezada e para pouca vida!»
Mais tarde, na nótula que dedicou a si próprio no Cancioneiro Alegre (ver abaixo), insistiria na apreciação negativa da sua poesia, ao escrever: «No cérebro deste sujeito nunca fosforeou pirilampo de poesia bem medida.» 
(Há sempre margem para pensar, contudo, que Camilo se autodeprecia para ser lido a contrario sensu.)
Mas antes ainda dessa sextilha inscrita no supedâneo do dito mausoléu, terá certamente Camilo escrito os seus poemas muito juvenis, muito incipientes, de que se perdeu totalmente o rasto. «Como eu, saudoso das montanhas que deixara, continuasse a escrever outras odes (…)», confessa em Ao anoitecer da vida, referindo-se ao tempo em que viveu em Ribeira de Pena (entre 1841 e 1843). E sabemos que, por essa altura, teria já entre o povo alguma fama de poeta, pois escreve, no mesmo prefácio: «Poeta era só eu naquele quadrado de dez léguas.» Os versos a propósito dos quais escreve isto terão sido uma sátira chocarreira a um casamento desigual – e por pouco não lhe valeram uma sova, e foram a causa da sua retirada intempestiva de Ribeira de Pena, «com os ossos direitos que me aquela ingrata terra queria comer». 
Uma vez mais, portanto, encontramos em Camilo poeta o cultor da sátira. Este é de facto um dos grandes veios da sua poesia (como o foi aliás, da sua prosa). Mas não podemos ignorar dois outros veios igualmente significativos: o lirismo e a inspiração religiosa.
De qualquer modo, não é de ignorar, por muito secundária que seja, a obra poética de Camilo Castelo Branco. Para Manuel Simões, que foi camilianista distinto e director da Casa de Camilo, em S. Miguel de Ceide, em artigo publicado no n.º 19 da Revista Tellus, a poesia «foi para Camilo indubitavelmente linguagem natural, uma espécie de respiradouro para as angústias da vida. Qualquer que seja a valoração crítica que façamos da sua lírica, creio que ela é de grande importância para conhecer os mais recônditos pensamentos do escritor.»
A produção camiliana no campo da poesia conheceu o seu momento mais fecundo entre os anos de 1849 e 1854, correspondente à sua fase de afirmação literária no Porto. Incansavelmente, publicou poemas em diversos jornais e recitou outros tantos em abadessados e sessões culturais. «(…) A poesia foi, em Camilo, ou uma tempestade de verão, ou funcionou por revoadas (…)», diz Ernesto Rodrigues (in prefácio a Camilo Castelo Branco – Poesia). 
A obra poética em livro de Camilo Castelo Branco inclui: Os pundonores desagravados (1845), O juízo final; e o sonho do inferno (idem), A murraça (1848), Inspirações (1851), Hosanna! (1852), Duas épocas na vida (1854), Folhas caídas, apanhadas na lama (idem), Um livro (idem), Ao anoitecer da vida (1874), Nostalgias (1888) e Nas trevas(1890).
Note-se que muitos destes títulos correspondem a compilações de poemas publicados algures, como é o caso deInspirações, Hosanna! e Ao anoitecer da vida. Note-se ainda que Camilo intercala por vezes poemas em muitas obras de prosa, como é o caso de Coração, cabeça e estômago ou Serões de S. Miguel de Ceide, e também de teatro, como O Morgado de Fafe amoroso e A Morgadinha de Vale de Amores, esta incluída no volume Teatro cómico (1871). Note-se igualmente que, a partir de 1856 (ano em que publica o romance Onde está a felicidade?), a produção poética de Camilo abranda significativamente, marcando a sua inflexão no sentido da prosa. 
O seu engodo pela poesia levou-o ainda a publicar o Cancioneiro alegre de poetas portugueses e brasileiros (1.ª ed. em 1879), uma antologia de poemas mais ou manos risonhos, em que inclui dois “Sonetos da decrepitude”, de sua autoria. Esta antologia viria a provocar algum burburinho, especialmente no Brasil, tanto que Camilo a reimprimiu acrescentando uma secção chamada “Os críticos do Cancioneiro Alegre”. 

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