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terça-feira, 23 de março de 2010

O fim do romance europeu por João Rodrigues

Nas últimas duas décadas, as elites intelectuais e políticas nacionais viveram um romance europeu. Do "pelotão da frente" de Cavaco ao "porreiro, pá" de Sócrates, todas as más opções de política foram justificadas em nome de amanhãs europeus que cantavam: da convergência nominal dos anos noventa que minou a competitividade das nossas exportações até à aprovação de um Tratado de Lisboa que confirma a impotência da União no combate à crise económica. Um romance que nunca ousou escrutinar ou criticar a viragem neoliberal da construção europeia desde Maastricht, na origem de muitos dos actuais problemas socioeconómicos europeus e nacionais.

O resultado é que Portugal é um dos países mais desiguais da Europa e uma das economias mais dependentes. Agora, com o PEC, procura-se uma inglória saída pelas exportações através da compressão dos salários, facilitada pela brutalidade de um desemprego de dois dígitos e por cortes nas despesas sociais. As elites já nem fazem promessas: a austeridade assimétrica - alguém se lembra de uma medida dirigida à banca? - é apenas um sacrifício no altar da intocada financeirização da economia responsável pela crise. A União realmente existente alimentou-a e agora exige-se aos assalariados, desempregados e pobres que paguem a crise. Quando os países europeus tentam fazer recair sobre estes grupos sociais o fardo do ajustamento, o resultado perverso à escala europeia é uma contracção do mercado interno europeu.

Alguns economistas, uma minoria, na realidade, alertaram e alertam para a insustentabilidade deste processo e propuseram e propõem alternativas. Um recente relatório do Research on Money and Finance (RMF) (disponível em www.researchonmoneyandfinance.org), rede ligada à Universidade de Londres, e de que é co-autor o economista português Nuno Teles, aponta precisamente a compressão dos salários como uma das chaves para se compreender o problema europeu. A Alemanha, a maior economia europeia, foi o país mais bem sucedido neste processo sacrificial. Em Portugal, o crescimento dos salários reais esteve globalmente alinhado com a evolução da produtividade, como deve ser, mas as desigualdades salariais aumentaram.

A acumulação de excedentes comerciais pela Alemanha, que têm como contrapartida necessária défices elevados nas periferias europeias, sinaliza o jogo vicioso europeu. A recusa do BCE em dar aos Estados a mesma ajuda que deu aos bancos simboliza o esgotamento desta UE. A partir daqui os cenários do relatório do RMF são claros: saída do euro e reforma igualitária de economias nacionais mais protegidas ou construção de um governo económico europeu com orçamento e políticas económicas e sociais à altura. Escolhas realistas numa bifurcação para lá do romance europeu.
Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas

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