ARISTIDES DE SOUSA MENDES
Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasce, na Casa do Aido, em Cabanas de Viriato, Concelho do Carregal do Sal, aos primeiros minutos do dia 19 de Julho de 1885; alguns minutos antes tinha visto a luz do dia o seu irmão gémeo, César, filhos do juiz Dr. José de Sousa Mendes, descendente de lavradores abastados da vizinha aldeia de Beijós, originários da Muxagata, e de D. Maria Angelina Paes do Amaral de Ribeiro Abranches, da nobre Família dos viscondes de Midões, senhores do velho morgadio do Aido, cujas relações familiares estreitas permitiram que aí nascessem.
Aristides, César e, mais tarde, o terceiro irmão, José Paulo, nascido em 1895, cresceram na casa familiar em Aveiro e frequentaram a escola em Mangualde.
Os irmãos gémeos fazem os estudos secundários em Viseu, partindo depois para Coimbra, onde se formam em Direito no ano de 1907. Mas não seguirão as pisadas do pai: farão a especialidade em Diplomacia, precisamente no ano de 1910, marcado pelo golpe militar de 5 de Outubro, que impôs a República.
Entretanto, Aristides casara em 1909 com a sua prima direita, Angelina de Sousa Mendes, três anos mais nova que ele, filha de seu tio paterno António de Sousa Mendes e de sua tia materna Clotilde do Amaral e Abranches. Nesse mesmo ano, nasce em Coimbra, Aristides César, o primeiro filho do casal. Muitos outros se seguirão, nascidos nos lugares onde o pai foi sendo colocado.
A 12 de Abril de 1910, ainda vigorava o regime monárquico, Aristides é nomeado cônsul de segunda classe na Guiana Britânica, para onde parte levando já a sua esposa e o primeiro filho. Vê-se obrigado a regressar a Lisboa após um ano, devido às crises de paludismo. Depois de uma breve missão à Galiza, parte, a 10 de Novembro de 1911, para ocupar o posto de cônsul-geral, em Zanzibar.
O segundo filho, Manuel, nasce em Portugal em 1912. Em Zanzibar vão nascer José, em 1912, Clotilde em 1913 e Isabel em 1915. De Março de 1914 a Junho de 1915, Aristides está em Lisboa e a família em Cabanas. Volta a Zanzibar. A forma como dirige o consulado neste protectorado britânico leva-o a ser condecorado pelo sultão com a medalha de segunda classe da Estrela Brilhante, a mais alta condecoração que podia ser concedida a um estrangeiro. O próprio sultão será padrinho do seu filho Geraldo, sinal da estima que os unia.
Em Maio de 1918 volta a ter de mudar de casa, partindo com a família para Curitiba e Porto Alegre, no sul do Brasil, onde é promovido a cônsul de primeira classe, e onde permanecerão durante pouco mais de um ano. O tempo necessário para o nascimento de sua filha Joana, ainda em 1918. A missão poderia ter sido mais prolongada, não fora o facto de Aristides de Sousa Mendes ter sido suspenso de funções, com redução considerável do vencimento, em Agosto de 1919, por ser considerado hostil ao regime republicano. Depois de julgado, e absolvido por falta de provas, declara publicamente o seu catolicismo íntegro e os seus princípios monárquicos e conservadores. Para que não restassem dúvidas, acrescenta ao seu nome os apelidos aristocráticos maternos: do Amaral e Abranches. Por tudo isto, na cimalha da casa que então erguia em Cabanas de Viriato (o Passal), lá mandou que esculpissem o brasão de sua mãe: um escudo esquartelado com as armas dos Abranches, Figueiredos, Abreu e Castelo Branco.
No início de 1920 nasce, em Coimbra, Pedro Nuno. Nesse mesmo ano, Sousa Mendes é reintegrado e nomeado para S. Francisco, onde nasce Carlos. Nesta cidade californiana, o cônsul enfrentará alguns problemas com algumas associações patronais de portugueses por tentar defender os compatriotas mais pobres contra as condições de trabalho. Sebastião nasce em 1921, o ano em que Oliveira Salazar se lançou pela primeira vez na luta política.
Em 1924, Sousa Mendes é transferido para o consulado do Maranhão, seguindo depois para Porto Alegre, onde nasce Teresinha, em 1925. Regressa a Lisboa em 1926 para prestar serviço na Direcção Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. É depois enviado para o consulado de Vigo, a cidade espanhola mais próxima de Cabanas, onde nasce mais um filho: Luís Filipe.
1929 é a data em que atinge o auge da sua carreira, quando parte para Antuérpia como cônsul-geral, cargo invejável, porquanto rentoso e honorífico. Em Julho de 1932, Salazar atinge o lugar de Presidente do Conselho de Ministros e confia a pasta dos Negócios Estrangeiros a César de Sousa Mendes, que ocupa durante pouco mais de um ano. Os irmãos Sousa Mendes haviam sido colegas em Coimbra de Oliveira Salazar e ambos lhe reconheciam a cultura e as capacidades de trabalho, de resto inegáveis pelos actuais "labutadores e incansáveis governantes". Aristides, Angelina, os seus doze filhos, e o pessoal doméstico que normalmente os acompanhavam mudam-se depois para Lovaina, cidade flamenga onde irão nascer mais dois filhos: João Paulo, em 1932, e Raquel em 1933, que viria a falecer dezoito meses mais tarde, vítima de doença desconhecida. Na Bélgica permanecerão até 1938, não sem Sousa Mendes ter constantes atritos com colegas seus e graves problemas financeiros, devidos não só à sua prole, mas também aos seus gastos megalómanos. Apenas como exemplo diremos que manda esculpir uma imagem do Cristo-Rei com vários metros de altura, que trás para Portugal para pôr na sua sumptuosa quinta de Cabanas.
Mas esta não foi a primeira ocasião, nem virá a ser a última, em que Aristides tem de enfrentar problemas de dinheiro. Não raras vezes, César, que já tinha desempenhado funções em diversos países, tinha casa em Mangualde, e vivia uma existência confortável, terá de vir em auxílio do irmão.
A 1 de Agosto de 1938, Aristides pede a Salazar que o transfira de posto, cansado que estava da pressão dos seus colegas que cobiçavam o seu cargo. É transferido para Bordéus, para onde está marcado o seu encontro com a História.
A 29 de Setembro de 1938, acompanhados por parte dos filhos, chegam oficialmente a Bordéus. A família instala-se nas catorze divisões, das quais duas foram reservadas para os serviços consulares, do número 14 do quai Louis XVIII. Aristides não tardou a dar provas da sua generosidade. Vários corredores portugueses, que tinham participado numa prova de ciclismo, não dispunham de meios para regressar a Portugal. O cônsul, com dinheiro do próprio bolso, alojou-os num hotel e pagou-lhes a viagem de regresso em comboio.
Com o eclodir da Segunda Guerra Mundial e o exército alemão a avançar pela França dentro no Verão de 1940, Bordéus, cidade fronteiriça entre França e Espanha, torna-se refúgio de muita alma fugida do norte da Europa e o consulado português é visto como a "tábua de salvação" por milhares de pessoas que lá se amontoam na esperança de obterem um visto de entrada ou salvo-conduto para puderem atravessar Espanha e entrar em Portugal com destino ao continente americano.
Contrariando a circular n.º 14, de 13 de Novembro de 1939, que proibia a concessão de vistos a certas categorias de refugiados, especialmente judeus, Aristides, depois de passar vários dias de cama com febre e espasmos nervosos, face à desgraça humana que desfilava pelas ruas de Bordéus, toma a decisão, movido pela sua consciência, de passar vistos a todos quantos necessitem. Num ímpeto, a notícia corre célere entre os refugiados: o cônsul português dava vistos e o casarão nas margens do rio Garona é "invadido" por judeus, polacos e outros indesejados aos olhos dos nazis. Impossível se torna controlar aquela multidão em desespero, e em plena conjugação de esforços com a mulher, os filhos e José Seabra, secretário consular, os passaportes são recolhidos em sacos e três dias a fio o diplomata não se deita para assinar interminavelmente o documento que permitia a vida e a salvação. Dias mais tarde, desloca-se ao consulado de Baiona, que se encontra sob jurisdição do de Bordéus, onde empreende uma nova "operação de salvamento", chegando ao ponto de mandar colocar uma mesa do consulado na rua, para facilitar a passagem de vistos. Salazar, ao tomar conhecimento da insubordinação de Sousa Mendes, dá instruções para que este regresse de imediato a Lisboa, escoltado por dois diplomatas, sob prisão.
Com este gesto, Aristides salvou a vida a mais de trinta mil refugiados - um terço deles judeus - mas também lhe valeu em Outubro de 1940 ser condenado a "Um ano de suspensão sem remuneração e reforma compulsiva finde este prazo". Jamais em vida será reabilitado ou receberá qualquer indemnização, apesar das suas diligências e dos pedidos de seu irmão César, então com uma já longa e brilhante carreira diplomática, passando a (sobre)viver com uma reforma equivalente a metade do salário.
Impedido de exercer advocacia e de sair do país, vê-se na necessidade de enviar todos os seu filhos para o estrangeiro. Quatro anos após o processo disciplinar instaurado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou melhor, após o castigo de Salazar, o ex-cônsul sofreu - talvez devido a toda a tensão psicológica - uma primeira hemorragia cerebral que lhe paralisou a parte direita do corpo.
Mas não se pense que Salazar foi o único responsável pela cada vez mais difícil situação do cônsul: a 16 de Agosto de 1948, Angelina morre em Lisboa, vítima de uma congestão cerebral. Vendo-se viúvo, acaba por contrair segundas núpcias em 1949 com Andrée Cibial, de quem tivera uma filha, Maria Rosa, nascida em Lisboa, em 1939, e que fora concebida em Bordéus, fruto de uma relação extraconjugal. A francesa fá-lo sair de Lisboa para residirem no "Passal", a casa da aldeia que ele fechara, sempre na esperança de voltar a abri-la com a glória de outrora, e inicia um processo de vendas capciosas, de isolamento maléfico de seu marido e de maus tratos.
A vida torna-se mais difícil a cada dia que passa e no final de 1952, Aristides é vitima de novo derrame cerebral e tem de ser submetido a uma intervenção cirúrgica.
Numa manhã gélida encontram-no em frente a uma salamandra da casa, ao lado de uma cadeira desfeita, tentando acender o fogo com a tradução de um livro inglês que ele vertera para o português. È transportado para Lisboa onde morre, a 3 de Abril de 1954, longe dos filhos, pobre e amargurado. Como mortalha, vestiram-lhe um hábito de monge da Ordem Terceira de S. Francisco. O féretro foi depois transportado, de comboio, para Cabanas. O monumento funerário que abriga o seu corpo e o da sua primeira mulher está hoje perfeitamente deitado ao abandono.
A 21 de Fevereiro de 1961, foi plantada uma árvore na Álea dos Justos, em Jerusalém, para honrar a memória de Aristides de Sousa Mendes.
Apenas o empenho dos seus e as pressões internacionais fizeram com que a primeira cerimónia oficial de reabilitação de Aristides de Sousa Mendes pelas autoridades do seu país viesse a ter lugar, a 24 de Maio de 1987, na embaixada de Portugal em Washington. Nesse dia, Mário Soares, então Presidente da República, condecorou Aristides de Sousa Mendes, a título póstumo, com a Ordem da Liberdade.
A 13 de Março de 1988 (passado meio século e catorze anos de democracia!), a Assembleia da República votou, por unanimidade, a reabilitação do cônsul.
Pessoa com tal Humanismo, protagonista da "maior acção de salvação levada a cabo por uma só pessoa durante o Holocausto" não deveria precisar de condecorações regateadas, nem louvores pressionados.
Um heroi ,reconhecido no estrangeiro e tão pouco divulgado em Portugal
ResponderEliminarCarlota Joaquina
Israel reconheceu-o como um gentio JUSTO e homenageou-o postumamente. Mas em Portugal, se não fosse o PS, Mário Soares e pressões exteriores, passava desconhecido. Deveria haver mais divulgação, não só sobre o Aristides, mas também sobre as muitas comunidades judias outrora existentes por Portugal. Cerca de 25% da população ibérica têm nas suas veias algum sangue JUDEU. Assim, a história da inquisição e efeitos causados em Portugal, deveria ser tornada pública e obrigatória nas escolas. Fez parte da história de Portugal, na altura dos Reis e das descobertas. Haja coragem e frontalidade, pois a democracia o permite. A Alemanha retratou-se, mas Portugal ainda não. Abranches, Figueiredos, Abreu, Castelo Branco, Amaral e outros tantos apelidos tiveram a sua origem nos cristãos novos, hoje, cripto-judeus , marranos, etc...
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