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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O Infante D. Fernando, nasceu a 29 de Setembro de 1402

 O Senhor D. Fernando, “o Infante Santo”, viu a alva da vida ao nascer em Santarém a 29 de Setembro de 1402, oitavo rebento d’el-rei Dom João I e da rainha D. Filipa de Lancastre. Nascido em berço de oiro, tinha o destino iluminado por arcanjos.
                                                                                    
    Foi Infante de Portugal e 23.º administrador e mestre da Ordem Militar de Avis (1434-1443). Seria por causa da sua vanglória em participar de bravuras militares, mas também a ambição para aumentar o seu património pessoal, que se originou a infeliz expedição de Tânger.
                                                                  
    Por várias vezes, a partir de 1433, demandou licença a fim de sair para o estrangeiro. Carcomia-lhe o espírito o facto dos irmãos mais velhos terem dado umas cutiladas na moirama durante a conquista de Ceuta, eram guerreiros armados cavaleiros de espada, tinham prebendas chorudas e dinheirame de farte.
                                             
    E ele, nada, fervia-lhe o sangue! Para acalmá-lo e alcançar a serenidade, o mano régio cedeu-lhe a administração da Ordem de Avis e os quinhões das terras de Atouguia e Salvaterra do Campo.
                   
    D. Fernando, mal-contente, fez saber em contumácia ao irmão Dom Duarte do desagrado em relação às rendas que usufruía, insuficientes no seu entender.
                                                                                                                   
    Ruminava vontade de ausentar-se para a estranja «onde, pela mais largueza das terras, terei eu em meu acrescentamento, ainda que seja com meu trabalho, maior esperança» de acumular mais riqueza aos escassos recursos.
                                                                                                
    Para impedir que seu irmão saísse a mata-cavalos do Reino, o rei Dom Duarte I, a modo de contrafeito e por proposta do infante D. Henrique datada de finais de 1435, mandou organizar a expedição de conquista em Marrocos. Para tal fim alcançaram a Bula de Cruzada em 1436 e a aprovação das Cortes de Évora a 15 de Abril de 1436.
                                                                                       
    A 22 de Agosto de 1437 levantou ferro da praia do Restelo a expedição comandada pelo infante D. Henrique, coadjuvado pelo infante D. Fernando e pelo Conde de Arraiolos, ao som de trombetas e atroar de bombardas. O ataque à praça de Tânger começou a 13 de Setembro de 1437, porém o desastre foi total, pese embora a bravura manifesta.
                                                                                                                                                        
    Pelo acordo de paz imposto a 16 de Outubro de 1437 os portugueses foram obrigados a aceitar as mais duras condições duma rendição humilhante: deixavam a artilharia, armas, cavalos e tudo o que traziam e embarcavam somente com a roupa do corpo, prometiam devolver Ceuta e assinar longuíssimas tréguas de cem anos com os berberes.
                                                                                                                     
    Nesse mesmo dia, o infante D. Fernando e outros sete companheiros de desdita ficaram reféns como garantia, entre os quais mestre Martinho, servindo de médico pessoal, e frei João Álvares, como secretário privativo. Os cativos seriam sucessivamente transferidos a toque de caixa para Arzila e Fez.
                                                                       
    Foram feitas algumas tentativas para resgatar a liberdade do infante a troco de dinheiro, ou por fracassados planos de fuga, mas depressa a promessa de entrega de Ceuta era abandonada e até as Cortes de Leiria, de Janeiro de 1438, foram inconclusivas sobre a eventual devolução da praça de Ceuta.
                                                                                             
    Sobreveio um entrechoque de opiniões. O arcebispo de Braga alevantou o báculo e, altissonante, fulminou os áulicos com severos ditames teológicos: porque torna, porque deixa, Ceuta era terra já cristianizada e não podia ser devolvida aos perros infiéis.
                                                                                                
    A questão era um problema político de monta, como lava de vulcão, quebrantou a sociedade de lés-a-lés. O remorso a açoitar e a infelicidade neurasténica vitimaram o infeliz Dom Duarte em Setembro de 1438, malquisto pelo desventurado penar do irmão.
                                                          
    Em finais de 1440 por resolução da rainha-viúva D. Leonor de Aragão e do infante D. Pedro, o viajante “das Sete Partidas”, regentes na menoridade de Dom Afonso V, foi decidido restituir a praça como condição essencial para a libertação do infante.
                                                                          
    D. Fernando de Castro, fidalgo dos quatro costados, partiu para Marrocos com o encargo de cumprir a determinação, tarefa delicada, mas morreu logo de imediato numa peleja ao largo da costa portuguesa contra piratas genoveses, em Abril de 1441.
                                                                                                                 
    A missão fracassou, pese embora todo empenho de D. Álvaro de Castro, filho daquele e que assumira o encargo da espinhosa tarefa. Em vão, tanto os mouros como os portugueses desconfiavam que a outra parte inculcava traição, e que aquilo tudo era um ardil. A suspeição mútua minara o entendimento, devido a tantas delongas.
                                                                                  
    Persuadidos que a praça não seria devolvida por esta via, voltaram as negociações diplomáticas em vista dum resgate chorudo, lucilavam no céu as estrelas da esperança.
                                                                    
    O montante lusitano atingiu a proposta de 50.000 dobras e mais uns 50 cativos de troca, a moirama, pela voz de Lazaraque, governador de Arzila e Fez, exigia o somatório astronómico de 150 mil dobras e 150 cativos. Em soberba ninguém cedeu, corria o mês de Setembro de 1442, encerraram-se as negociações.
                                              
    Cumpriu-se o fatal e triste destino. O calvário do desventurado D. Fernando prosseguiu, de dia sujeito a trabalhos forçados a toque de caixa, à noite recolhido num enxovia fétida, a pão e água, a palha e baraço, levava a morte na alma, um duro crisol de penitências, e as chagas roxas dos esfaimados.
                                                                                               
    Sobreveio uma fatal forrica e morreu aferrolhado em Fez a 5 de Junho de 1443, com forte cheiro de santidade, pois pagara com língua de palmo a sua antiga avidez. Mesmo morto sofreu tratos de polé e de truz, dependurado nas ameias da muralha durante quatro dias, cabeça para baixo.
                                                                        
    O martirizado corpo seria resgatado em 1471 pelo real sobrinho Dom Afonso V, “o Africano”, que o sepultou no mosteiro da Batalha, onde dorme o justo sono eterno junto dos pais e irmãos, aquela Ínclita Geração.
                                                                          
    E o poviléu, na sua crédula ingenuidade, ergue as mãos ao céu e entoa-lhe loas de santo, ainda chegou a ter umas migalhas de culto na Batalha, na Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira (em Guimarães) e Lisboa.
                                                                                  
    Porém a crença esmoreceu, não passou a barreira do século XVII. Até um bispo de truz, D. Martim Afonso de Mexia, ali ao redor de 1610, interditou o culto público na diocese de Leiria e no mosteiro de Santa Maria da Vitória, com ameaços de excomunhão, por não estar canonicamente beatificado e santificado com bula pontifícia, nem autorizado pelo Pai do Céu.
                                                                        
    Se não arranjou assento na Corte Celeste como singular à face do Pai Divino, foi injustiça de arrepelar o toutiço, porquanto sofreu as mortalhas do martírio e da humilhação.
                                                    
    Contudo teve alma de metafísico, a regar a face com lágrimas, ao suplicar absolvição à hora da morte por todo o infortúnio que tinha originado com a infeliz jornada africana: «Assim se cumpre o exemplo que diz: “Sofrerá o justo pelo pecador”; a vós que sofreis tanto mal e aflição, perdoai-me pelo Amor de Deus».

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