JOSÉ ESTEVÃO COELHO DE MAGALHÃES
Filho de Luís Cipriano Coelho Magalhães e de Clara Miquelina de Azevedo Leitão.
Nasceu em Aveiro em 26 de Dezembro de 1809, aqui fazendo os seus primeiros estudos.
Matriculou-se em 1825 no primeiro ano de Direito, na Universidade de Coimbra.
Curso que interromperá ao sabor dos grandes acontecimentos políticos da época, e da sua intervenção directa nas lutas contra o absolutismo.
Em 1828 o “Vintismo” sofre o ultimo dos grandes golpes de estado, dirigido por D. Miguel aclamado rei absoluto em vários pontos do país.
Os baluartes do liberalismo ainda estrebucham, assistindo-se a levantamentos populares e militares no Porto, Aveiro, Coimbra, Algarve e Terceira (Açores).
José Estêvão com outros, como farão Garret e Herculano, alista-se no Terceiro Batalhão Académico.
As forças liberais acabarão vencidas devido à mediocridade dos seus chefes.
Sucedem-se as prisões e perseguições, que culminam na execução de nobres filhos de Aveiro, enforcados e decapitados no Porto.
As cabeças destes Mártires da Liberdade, vieram de seguida para Aveiro, onde os absolutistas as espetaram no alto de postes, colocados durante dias em vários pontos da cidade...
O abelisco que se levanta na praceta junto aos Arcos, frente à sede dos Galitos é uma homenagem de Aveiro a esses homens.
Aquelas cabeças foram depois religiosamente recolhidas, e estão no monumento que a cidade mandou erguer no Cemitério Central.
José Estêvão entretanto tinha fugido para a Galiza.e dali passa para a Inglaterra, onde os liberais portugueses procuram reorganizar-se.
Estas forças que retiram penosamente para a Galiza famintas e debaixo das piores intempéries são acompanhadas pelo velho Conselheiro Joaquim José de Queirós (morador em Verdemilho e avô de Eça de Queirós), o único elemento da Junta do Porto que recusou embarcar no vapor “Belfast”, preferindo acompanhar a pé as “mais de 12.000 almas” que marcharam para o exílio.
Em 1829 José Estêvão está com as forças que embarcaram para os Açores onde redige a “Chronica da Terceira”
Em 1831 assiste à tomada do Faial e, no ano seguinte, integra as tropas que desembarcaram no Continente, na praia da de Arenosa de Pampelido, tomando parte da sortida a Vila do Conde.
Participa depois activamente na sua defesa, dirigindo o reforço das fortificações da Serra do Pilar e destacando-se em combate, o que lhe valeu o grau de cavaleiro da Torre-e-Espada.
Pertencia então ao corpo de artilheiros académicos, onde tinha o posto de cabo, tendo recebido aquela alta condecoração por vontade expressa dos seus camaradas de armas, que se recusaram a sorteá-la entre si, conforme hábito e fora superiormente decidido.
O bom desempenho das suas funções militares levam o comandante a propor a sua passagem para o “exército de linha” o que vem acontecer em Abril de 1833, sendo integrado com o posto de Segundo Tenente.
Por se ter destacado corajosamente cobriu-se de glória noutras lutas militares e teve outros postos militares.
A guerra civil termina em 1834 com a vitória liberal.
José Estêvão regressa a Aveiro, donde segue para Coimbra, para continuar os estudos.
O soldo de Primeiro-Tenente servirá então para financiar a sua formatura bem como a de seu irmão António Augusto.
Acaba o curso de Direito em finais de 1836 e, no ano seguinte, é eleito deputado por Aveiro às Constituintes.
O homem que defendeu os seus ideais com as armas irá agora defendê-los com a palavra, quer no Parlamento quer na Imprensa, nomeadamente no jornal “O Tempo” que fundou em 1838, ou no jornal “Revolução de Septembro” também por ele fundado, em 1840, de parceria com o seu amigo, conterrâneo e companheiro de todos os momentos, Manuel José Mendes Leite.
Ainda em 1840, José Estêvão concorre e ganha o concurso para leccionar a 10ª cadeira da Escola Politécnica - Economia Política, Direito Administrativo e Comercial”
O militar, político, parlamentar e jornalista é agora também professor do ensino superior.
As suas qualidades pessoais, a sua verticalidade moral e a sua benevolência estão bem patentes em alguns episódios da sua vida.
A generosidade de José Estêvão ia ao ponto de se envolver, sem conhecimento do interessado, na consecução de uma cargo rendoso para um conterrâneo em dificuldades, apesar de ser seu adversário político e não manter com ele quaisquer relações.
O seu espírito de tolerância e a fidelidade aos princípios que sempre o nortearam, levaram-no em 1843, a defender em tribunal o jornal miguelista “Portugal Velho” acusado de abuso de liberdade de imprensa.
A posição que desfrutava poderia tê-lo transformado num homem acomodado, passível de vender-se a interesses políticos ou económicos, que lhe assegurassem um futuro promissor e desafogado.
Na alma deste homem não cabiam interesses mesquinhos, nem ele se alienava, qual vendilhão do templo, aos interesses materiais, que jamais sobrepujaram as suas convicções morais e politicas.
A Constituição de 1838, que José Estêvão ajudara a elaborar, na sua qualidade de parlamentar constituinte, vai deixar de vigorar em 1842, na sequência do pronunciamento de Costa Cabral. Os barões do dinheiro venciam assim as forças da Revolução de Setembro de 1836, em cujas fileiras José Estêvão militava, e cujo ideário se identificava com a esquerda liberal ou a ala democrática do liberalismo português.
José Estêvão conspira e combate em todas as frentes, mesmo quando o seu jornal “Revolução de Septembro” tem de passar à clandestinidade, não deixando porém de se publicar e chagar a todos os pontos do país. E quando em 1844, a pressão da ditadura cabralista atenta contra as liberdades fundamentais, o capitão de artilharia José Estêvão abandona mais uma vez os confortos da vida, para pegar em armas com o Regimento de Cavalaria de Torres Vedras. Num dos seus discursos, e em resposta ao Ministro do Reino (Rodrigo da Fonseca Magalhães- sessão de cortes de 12/8/1840) José Estêvão já reconhecera com desassombro, em pleno Parlamento:
“ A resistência armada é, em certas ocasiões, não digo um direito, mas uma obrigação!”
Encurralado na praça de Almeida, demitido do posto de capitão e de lente da Escola Politécnica, o grande tribuno consegue romper o cerco e deslocar-se para Trás-os-Montes, onde tenta sublevar várias localidades. A notícia da rendição de Almeida, fá-lo fugir para Paris, onde se conservará cerca de dois anos, a viver no Nº 20 da rua Laffite. Em 16 de Abril daquele ano, Costa Cabral assinava uma portaria pondo-lhe a cabeça a prémio por um conto de reis...
Em 1846, na sequência da sublevação da Maria da Fonte, cai o ministério dos irmãos Cabrais.
José Estêvão regressa a Portugal, beneficiando da amnistia que o ministério Palmela decretara para os revolucionários de 1844. Em 5 de Outubro daquele ano aparece o programa setembrista redigido por José Estêvão, com o qual a esquerda liberal pretendia pôr cobro à situação político-militar resultante da ditadura cabralista e dos acontecimentos da Maria da Fonte.
D.Maria II assusta-se com o evoluir dos acontecimentos e acaba por promover o golpe de Estado de 6 de Outubro, demitindo o gabinete Palmela substituindo-o pelo ministério de Saldanha, que se apressa a restabelecer a antiga lei eleitoral e a dissolver as Câmaras.
O País vai-se revoltando aqui e ali, do norte ao sul, enquanto José Estêvão, que tinha retomado a direcção do jornal “Revolução de Septembro”, se vê forçado a homiziar-se para escapar à prisão.
Conseguindo, sob disfarce, fugir de Lisboa, aparece-nos a trabalhar afanosamente na organização das forças revolucionárias, sucessivamente em Santarém, Caldas da Rainha, Alcobaça e Nazaré. Em Dezembro encontramo-lo envolvido na formação da Junta de Setúbal e, no ano seguinte, percorre o Alentejo na luta de guerrilha—a Patuleia alastrava por todo o território nacional.
A pacificação virá de seguida, imposta por forças espanholas, francesas e inglesas que a rainha chamara a Portugal. Em 24 de Junho de 1847 a Convenção de Gramido põe fim à guerra civil e José Estêvão, amnistiado, retoma o magistério da Escola Politécnica, mas fica proscrito do Parlamento na legislatura de 1848-50.
Em 1848, uma intervenção do Duque de Saldanha no Parlamento, afirmando ser necessário “esmagar com mão de ferro a hidra revolucionária”, deu lugar à chamada Conspiração das Hidras, onde pontificavam nomes como Oliveira Marreca, Rodrigues Sampaio e José Estêvão, que durante algum tempo, defenderam soluções republicanas para a política nacional. A repressão policial naõ se fez esperar, o que obrigou José Estêvão a passar uma vez mais à clandestinidade.
No ano seguinte regressa novamente à regência da sua cadeira na Escola Politécnica e, em 1851, a Regeneração trá-lo de volta ao Parlamento.
É neste período que se bate pela construção do Liceu de Aveiro e pela passagem, nesta cidade, do caminho-de-ferro Lisboa-Porto.
O novo edifício do Liceu de Aveiro, que José Estêvão exigia, em intervenções parlamentares, desde Julho de 1853, viria a ser inaugurado em 1860, enquanto a linha do caminho-de-ferro acabaria por passar em Aveiro, depois de várias peripécias, acusações e pressões, de diversa ordem, que pretendiam calar a voz do insigne Aveirense. Segundo Luís de Magalhães, filho e biógrafo do tribuno,
“Salamanca (José de Salamanca y Mayol “1811-1883”, financeiro espanhol fundador da Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro) tentou suborná-lo para que não insistisse no traçado do caminho de ferro do Norte, que levava essa linha por Aveiro. Ouvi-o dizer muitas vezes, e ouvi, até, contar que o emissário do espanhol tivera de galgar rapidamente as escadas para não receber senão em palavras a recusa da sua afrontosa proposta.”
Talvez por tudo isto, respondendo a torpes insinuações, José Estêvão, em manifesto de 1861, dirigido aos Snrs. Elleitores do Círculo d’Aveiro, afirme a determinado passo:
“Quanto a melhoramentos locaes nada posso prometter, e não vos tenho feito mais do que aquillo a que tendes direito...Não lezei nenhuma província do reino para beneficiar a minha terra. O meu voto foi sempre promto a favor de todos os progressos, qualquer que fosse a localidade do paiz que os reclamasse.”
O exílio em Paris, que certamente permitiu a José Estêvão observar mais de perto a instabilidade europeia e a insatisfação francesa, quiçá o germinar dos acontecimentos de 1848, bem como uma natural inquietação perante a permanente fragilidade politica e social do seu país, onde a recuperação económica se mostrava inadiável e as reformas de fomento se impunham, devem ter empurrado o tribuno para os braços da Regeneração.
Esta fidelidade à ordem regeneradora, que aprioristicamente pode ser percebida como uma incoerência do seu percurso político, só será quebrada em 1860, aquando do gabinete presidido por Joaquim António de Aguiar, embora já se adivinhe em 1857, quando, na sessão parlamentar de 23 de Maio, ocupando a sua “antiga cadeira de deputado da extrema esquerda”, discursou sobre o “Contracto do Tabaco”.
O ilustre parlamentar parece sentir o peso de uma certa incompreensão, face às suas opções políticas, e é nesse sentido que interpretamos as suas sucessivas explicações e justificações, No entanto, não devemos esquecer que tanto os regeneradores como os históricos eram facções da mesma família política, o chamado partido Progressista, nascido da coligação de todas as forças liberais que se opunham ao cabralismo. Convém igualmente lembrar que, até ao último quartel do século XIX, não podemos falar de partidos no sentido moderno do termo. Os diferentes grupos políticos tinham uma débil organização e eram, frequentemente, muito indefinidos nos aspectos ideológicos e programáticos.
José Estêvão já em 1857 mostrava o seu descontentamento pelo crescente oportunismo político, e pelos trânsfugas que se iam vendendo ao ritmo das mordomia, privilegiando com as suas diabrites o ministro António José d’Ávila, que o gabinete progressista de Loulé fora recuperar das antigas hostes cartistas e cabralistas, Aliás, seriam gabinetes presididos pelo Marquês de Loulé, companheiro político do grande tribuno ao longo de quase todo o segundo quartel de Oitocentos, o alvo dos discursos mais famosos e vibrantes do estro estevaniano:
Referimo-nos aos discursos sobre as questões do:
“Charles et Georges * ” e das,
( *Barca negreira francesa, apresada em Moçambique com um carregamento de escravos; sob a ameaça de bombardeamento de Lisboa pela esquadra francesa ancorada no Tejo, o governo devolveu o navio e pagou a indemnização exigida)
Irmãs da Caridade**
(** Instituição religiosa feminina da Congregação de S. Vicente de Paula, vocacionada para a enfermagem.O governo autorizou a vinda para Portugal de algumas destas religiosas francesas, o que levantou grande celeuma)
O probo e distinto orador jamais se venderá, antes alardeara sempre uma grande independência intelectual, uma invulgar coerência cívica e política, que facilmente captamos nas suas mais importantes intervenções parlamentares. Em 1840 já se insurgia contra a promiscuidade política, contra o amálgama ordeiro, agrinaldando o discurso do “Porto Pireu” com algumas comparações de ironia demolidora:
“ o centro da câmara é um fidalgo d’aldeia, que se pretende aparentar com todos os titulares, por consanguinidade, por afinidade, e até por bastardia!”
Quando se afastou da Regeneração, enveredando, desiludido mas não vencido, por um certo isolacionismo político, José Estêvão parece ter sentido necessidade de se explicar perante o eleitorado.
Nada melhor que dar-lhe a palavra:
“ Era natural, se falássemos, que me perguntásseis a que partido eu pertenço. E talvez não, que os genealogistas políticos vão sendo raros, e os eleitores a quem me dirijo, presam mais actos de boa governação do que pergaminhos partidários.(...)
Eu pertenço ao partido histórico pela parte que tomei em todas as suas luctas parlamentares e armadas para sustentar as liberdades públicas.
Pertenço ao partido regenerador por lhe ter dado o fraco concurso do meu voto nos muitos commettimentos com que elle despersuadio o paiz d’uma politica de theorias e paixões para o occupar de melhoramentos reaes e civilizadores. Para o futuro pertencerei de certo ao partido que começa a formar-se (...)” ***
(*** In manifesto aos Snrs. Elleitores do Circulo d’Aveiro, Aveiro 21 de Abril de 1861, assinado por Jozé Estêvão.
Impresso no Porto, na Typ. Comercial, Rua de Bellmonte,19)
O tribuno casara-se em 1858 com D. Rita de Moura Miranda e, no ano seguinte, nascera-lhe o seu segundo filho, Luís de Magalhães, já que Coimbra, quando corria o ano de 1837, lhe tinha trazido um filho natural, baptizado de Mateus, fruto de amores de estudante. Em 1860 nasce-lhe a filha Joana, que viria a falecer logo em Abril do ano seguinte, quando o pai andava em campanha natural..
O ano de 1861 é para José Estêvão um período de forte actividade política. Para além de trabalhar na organização de um novo partido, como se pode perceber pelo fragmento do manifesto eleitoral atrás transcrito, ganha as eleições em candidatura de oposição ao governo. Neste mesmo ano vende a “Revolução de Septembro”, passando a colaborar activamente, desde o seu primeiro número, no jornal “A Liberdade” ( Jornal que começa a publicar-se em 26 de Junho de 1861, sendo da autoria de José Estêvão, o artigo principal deste primeiro numero. O periódico foi fundado por Jacinto Augusto de Freitas Oliveira ) em Aveiro, perante a hostilidade de Manuel Firmino de Almeida Maia, proprietário do jornal “Campeão das Províncias” e seu ex-correligionário, funda, com um grupo de amigos, o periódico “Districto de Aveiro”.
No ano seguinte, para além de continuar a trabalhar nas habituais tarefas políticas, José Estêvão irá privilegiar a Confederação Maçónica Portuguesa, da qual acabava de ser eleito Grão-mestre.
Com tradições maçónicas na família, já que seu pai, Luís Cipriano, pertencera à loja que em 1823 funcionava em Aveiro, na Quinta dos Santos Mártires.
José Estêvão foi iniciado no exílio de Plymouth, em 1828, com o nome simbólico de Pórcio.
Tendo ascendido ao sétimo grau do Rito Francês (Soberano Príncipe Rosa Cruz) o tribuno aveirense foi Venerável da Loja 5 de Novembro, de Lisboa.
Entre 1861 e 1862 José Estêvão está ainda envolvido na fundação do Asilo de S, João em Lisboa, o que faz com meios financeiros da Maçonaria, bem como, em Aveiro, de um asilo para a infância desvalida.
Repentinamente, em 4 de Novembro de 1862, José Estêvão Coelho de Magalhães morre em Lisboa, quando nada o fazia prever.
Deixa sua esposa grávida do filho que virá a nascer postumamente e que virá a ser baptizado com o mesmo nome do pai.
O duque de Loulé, chefe do ministério histórico que governará o País de 1860 a 1865, envidava todas esforços através de amigos comuns no sentido de o trazer ao governo, pretendendo entregar-lhe a pasta do Reino.
“Privando com o poder, muitas vezes, e n’algumas o seu maior esteio no parlamento, nunca ambicionou o governo, não solicitou nem acceitou mercês ou condecorações.
O peito onde pulsava tão grande coração, só ornou com a Torre e Espada, ganha no campo de batalha, e com o collar da academia das sciencias, que lhe foi conferido pelo seu talento oratório.
Eram os tropheos que havia conquistado nos dois campos de lide em que tantas victórias alcançara, e os emblemas da sua profissão - as armas e as letras”
(In archivo Pittoresco...foi um semanário ilustrado, que se publicou em Lisboa, entre 1857 e 1868. Mateus Luís Coelho de Magalhães, filho natural de José Estêvão, chegou a colaborar neste periódico.)
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