A comemorar hoje 103 anos, Oscar Niemeyer, o mais influente arquitecto brasileiro do último século, inaugura a sede da sua fundação, em Niterói, e edita o seu primeiro samba.
Inauguração da sede da sua fundação, em Niterói, lançamento da edição comemorativa do segundo aniversário da revista Nosso Caminho, edição digital do samba Tranquilo com a Vida, comemoração do quarto aniversário de casamento e inauguração de um centro cultural, com o seu nome, em Avilés, nas Astúrias, Espanha. É esta a agenda de hoje de Oscar Niemeyer, dia em que completa 103 anos. Mas apesar de desafiar as leis da arquitectura, numa busca incessante "pela forma nova capaz de provocar surpresa", o mais importante arquitecto brasileiro do último século não ludibria as leis da física e, por isso, não vai estar presente em Espanha. Mas nem por isso deixa de acompanhar de muito perto aquela que classifica como "a minha obra mais importante na Europa e o meu projecto mais querido". Aliás, o Centro Cultural Niemeyer, em Avilés, é o tema em destaque na Nosso Caminho, revista sobre arquitectura, arte e cultura que edita em conjunto com a sua mulher, Vera.
É certo que nas deslocações usa sempre uma cadeira de rodas, mas em casa e no atelier faz questão de andar mesmo. E apesar de o seu atelier manter o mesmo nível de trabalho de sempre, Niemeyer nunca perde de vista os seus ideais de sempre e o gosto por coisas simples. Como a leitura, "um hábito ininterrupto" alimentado diariamente. Mesmo trabalhando, em média, oito horas por dia, não dispensa a fisioterapia duas vezes por semana, para manter o corpo flexível, a sessão semanal de estudo de cosmologia, normalmente às terças-feiras, com o físico Luiz Alberto Oliveira, e dois jantares por semana no Terzetto, o seu restaurante preferido, em Ipanema, onde tem mesa cativa.
Além do Centro em Avilés, a lista de trabalhos em andamento no atelier do arquitecto, em Copacabana, é extensa. Aí se inclui o Museu de Arte Contemporânea de Ponta Delgada, nos Açores, a Biblioteca dos Países Árabes e da América do Sul, na Argélia, o Porto da Música, teatro para duas mil pessoas em Rosário, na Argentina, a recuperação do prédio Brahma, no Sambódromo carioca, o aquário do Complexo Educacional e Turístico de Búzios, na região dos Lagos fluminense, uma adega no sul de França e uma torre de televisão em Brasília.
"Não é o ângulo recto que me atrai, nem a linha recta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo de Einstein." E a obra de Niemeyer, resta acrescentar, porque esta sua posição, enunciada nos anos 40 e à qual se mantém fiel, confere identidade própria à sua obra arquitectónica.
De entre essas curvas que fascinam o arquitecto, as cúpulas são uma constante. Com menores proporções, como na torre de televisão em construção em Brasília, ou com maiores, como a do Centro de Avilés, a cúpula é aplicada em muitos dos seus trabalhos, como o do Museu dos Açores. Aliás, no museu em construção em Ponta Delgada, a solução arquitectónica é como que uma inversão da escolhida para o centro cultural asturiano: de um lado, uma cúpula, e do outro uma construção cilíndrica, formando entre elas uma grande esplanada.
E como é que no meio de tantos afazeres profissionais há ainda tempo para compor um samba? Simples. Numa cama de hospital durante dois meses, no ano passado, Niemeyer foi "matando" o tempo a escrever a letra de um samba enquanto o seu enfermeiro começou a melodia. Uns meses depois, o bisneto Caíque Niemeyer resolveu dar um empurrão e pediu ao músico Edu Krieger para finalizar o samba. Resultado: uma canção de protesto que deixa uma mensagem de esperança no atenuar da diferença entre classes. O título reflecte o estado de espírito de Niemeyer, aos 103 anos: Tranquilo com a Vida.
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