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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A busca pela verdade e a não-violência foram fundamentais para a emancipação política da Índia. Mahatma Gandhi, precursor de tais idéias, foi o grande articulador deste processo. Como um homem tão franzino e tão humilde pode alcançar tamanha proeza? Conforme demonstra em Autobiografia: minha vida e minhas experiências com a verdade e em A roca e o calmo pensar, Gandhi acreditava que Deus o guiara de forma que praticasse o bem. Os caminhos percorridos foram tortuosos, mas essenciais para que ele se sensibilizasse com a situação política indiana e mobilizasse o povo a lutar pela libertação do país. Mohandas Karamchand Gandhi nasceu em Porbandar, em 02 de outubro de 1869. A família pertencia à casta bania (formada por mercadores e comerciantes) e não possuía muitos bens. O avô e o pai participaram ativamente da vida política do país, exercendo cargos ministeriais. Segundo relata, o pai, Kaba Gandhi, era um homem incorruptível e tornou-se conhecido pela imparcialidade. A mãe tinha grande influência sobre seus atos, era muito inteligente e observava as leis hindus com grande fervor. O pequeno Gandhi nutria por eles muita estima e respeito, o que lhe proporcionou um caráter exemplar, assim como a abominação pela mentira. Gandhi também reteve a Bíblia como a base doutrinal de suas ações. As influências intelectuais vieram principalmente dos mestres John Ruskin – glorificação do trabalho; Henry Thoreau – dever da desobediência cívica e, principalmente, Leon Tolstoi – sabedoria cristã. Tolstoi amadureceu seu espírito, contribuindo para esclarecer pensamentos ainda confusos. O desejo de estudar Direito na Inglaterra tornou-se uma decisão familiar, que resultou na expulsão da casta, medida que Gandhi aceitou. Na Inglaterra, sofreu grande choque cultural e sentiu vergonha de se assumir como hindu. Acreditava que, para se tornar um advogado, teria de se transformar em um verdadeiro lord inglês. Neste país, a principal experiência foi o contato com diferentes religiões – esteve aberto para qualquer uma que o convencesse – o que só fortaleceu sua credulidade no hinduismo. O retorno à Índia mostrou-se frustrante, pois sua extrema timidez, aliada ao desconhecimento das leis indianas, o deixou inseguro. Assim, não recusou a proposta de trabalho na África do Sul – onde sofreu na pele a discriminação vivida por indianos e negros, assim como as limitações impostas pela hierarquia social daquele país. Ao perceber que o problema racial sul-africano estava muito mais entranhado naquele cotidiano do que poderia imaginar, prolongou a estada na África do Sul, a fim de combater pacificamente o racismo e defender os direitos dos indianos. Foi neste contexto que percebeu a importância de se assumir enquanto indiano. Organizou a comunidade indiana local e implementou trabalhos comunitários que melhorassem as condições de vida daquele povo. Com estas ações “Deus plantou os alicerces da minha vida na África do Sul e lançou a semente da luta pela dignidade dos indianos” (Gandhi: 1999, p.133). Várias conquistas sociais e politicas foram alcançadas. Como conseqüência, fundou-se em 1894 um partido político, o Congresso Indiano de Natal. Com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Gandhi apoiou a participação indiana na guerra, como já o fizera em conflitos anteriores travados pelo Império Britânico – mesmo contrariando alguns companheiros. Acreditava, na época, “que o Império existia para o bem-estar do mundo” (Gandhi: 1999, p.273) e que “o erro era mais de cada funcionário britânico do que do sistema inglês” (Gandhi: 1999, p.300). Esta participação ocorreu, no entanto, no quadro dos servicos de saúde (unidades de ambulância), e ainda assim, muitos a contestaram, pois qualquer envolvimento em atividades de guerra não é condizente com o ahimsa (não-violência). Gandhi reconhecia a imoralidade da guerra, mas rebatia dizendo que a violência é inerente à vida humana. Portanto, o adepto da não-violência respeitará seu voto com fidelidade, pois a mola propulsora de suas ações, argumentava, fora a compaixão (Gandhi: 1999, p. 302). Assim, interromper a guerra ou libertar os demais da dor era uma obrigação daqueles que prezavam a não-violência. A filosofia pacifista somada às experiências de vida no exterior contribuíram para que ele desenvolvesse um novo olhar sobre a Índia. O retorno à terra natal ocorreu ainda durante a Primeira Grande Guerra, quando sua saúde esteve fragilizada. Mesmo abatido fisicamente, Gandhi dispôs-se a conhecer os problemas dos indianos e a solucioná-los da forma mais justa possível. Atuou em prol de diversos segmentos sociais explorados no seu país, e muitas vezes empregou o jejum como um instrumento de luta, sem abster-se do diálogo e da argumentação, a fim de alcançar os objetivos propostos. Suas ações baseavam-se também na ideologia do satyagrha, que engloba os princípios da não-violência e o fim da acomodação diante da dominação sofrida pelo povo. Desta forma, as idéias de “desobediência civil” e “não-cooperação” – pilares com os quais desafiou os colonizadores – tornaram-se perceptíveis na Índia, e também difundidas mundialmente pelos meios de comunicação. Um exemplo dessa desobediência civil está na organização do boicote aos produtos ingleses. Com ele a população indiana voltou a confeccionar suas próprias roupas, rejeitando os tecidos britânicos. O ápice de sua atuação, no entanto, se deu em 1930, quando, acompanhado por adeptos, Gandhi marchou cerca de 300 quilômetros em direção ao mar para obter sal pelo poder colonialista e que, portanto, só poderia ser obtido pelas vias britânicas. Conhecido como a Marcha do Sal, o ato simbólico também atraiu e mobilizou a atenção da imprensa internacional. Gandhi foi preso, mas a Inglaterra, pressionada pela opinião pública, o libertou e também revogou a lei do monopólio do sal. Com o passar do tempo, o movimento de descolonização se tornou ainda mais forte, principalmente no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A Inglaterra voltava as atenções para a Europa – palco dos principais combates – e Gandhi, de acordo com seus ideais, não se aproveitou da fraqueza britânica durante este período, mesmo quando as pressões internas se tornaram cada vez maiores para que a Índia conquistasse a liberdade. Gandhi não conseguira, entretanto, solucionar divergências entre hindus e mulçumanos. Embora quisesse unir no mesmo país os seguidores das duas religiões, ao perceber a possibilidade de uma guerra civil emergente, concordou com a criação de duas nações soberanas, que, de fato, emergiram no final da década de 1940. Os hindus concentravam-se na Índia, e seus antagonistas no Paquistão. Visando uma aproximação com os muçulmanos, Gandhi dispôs-se a visitar o Paquistão, a fim de demonstrar que todos eram filhos do mesmo Deus. Entretanto, um extremista hindu, contrariado pelas atitudes inclusivas do já então Mahatma (grande alma), assassinou o líder da Índia, em 1948. As idéias de Gandhi, entretanto, não morreram. Estão perpetuadas, entre outras obras, em Autobiografia: Minha vida e minhas experiências com a verdade e nos pensamentos de A roca e o calmo pensar. Embora ambos os livros não analisem a independência da Índia em si, por terem sido escritos antes de sua efetivação, a partir dos registros do Mahatma Gandhi é possível perceber como a filosofia da não-violência tornou-se sua principal bandeira política. Ao demonstrar como dirigiu a vida em busca do engrandecimento espiritual, destacou-se, sobretudo, como um grande homem e não como uma figura mitológica. Ao refazer este percurso, o leitor constata que a independência da Índia, assim como também a força e o carisma de Gandhi, são conseqüências de um processo no qual o que está em curso é a conquista da tão sonhada liberdade. Cronologia • 1869 – Nascimetno de Gandhi e em Porbandar • 1888-1891 – Estudos de Direito em Londres • 1893-1914 – Período em que vive na África do Sul • 1920 – Luta pelo boicote aos produtos ingleses • 1930 – Campanhas de desobediência civil • 1947 – Independência da Índia • 1948 – Gandhi é assassinado por um extremista hindu Glossário Ahimsa: não-violência Satyagrha: resistência pacífica








A busca pela verdade e a não-violência foram fundamentais para a emancipação política da Índia. Mahatma Gandhi, precursor de tais idéias, foi o grande articulador deste processo. Como um homem tão franzino e tão humilde pode alcançar tamanha proeza? Conforme demonstra em Autobiografia: minha vida e minhas experiências com a verdade e em A roca e o calmo pensar, Gandhi acreditava que Deus o guiara de forma que praticasse o bem. Os caminhos percorridos foram tortuosos, mas essenciais para que ele se sensibilizasse com a situação política indiana e mobilizasse o povo a lutar pela libertação do país.
Mohandas Karamchand Gandhi nasceu em Porbandar, em 02 de outubro de 1869. A família pertencia à casta bania (formada por mercadores e comerciantes) e não possuía muitos bens. O avô e o pai participaram ativamente da vida política do país, exercendo cargos ministeriais. Segundo relata, o pai, Kaba Gandhi, era um homem incorruptível e tornou-se conhecido pela imparcialidade. A mãe tinha grande influência sobre seus atos, era muito inteligente e observava as leis hindus com grande fervor. O pequeno Gandhi nutria por eles muita estima e respeito, o que lhe proporcionou um caráter exemplar, assim como a abominação pela mentira. Gandhi também reteve a Bíblia como a base doutrinal de suas ações. As influências intelectuais vieram principalmente dos mestres John Ruskin – glorificação do trabalho; Henry Thoreau – dever da desobediência cívica e, principalmente, Leon Tolstoi – sabedoria cristã. Tolstoi amadureceu seu espírito, contribuindo para esclarecer pensamentos ainda confusos.
O desejo de estudar Direito na Inglaterra tornou-se uma decisão familiar, que resultou na expulsão da casta, medida que Gandhi aceitou. Na Inglaterra, sofreu grande choque cultural e sentiu vergonha de se assumir como hindu. Acreditava que, para se tornar um advogado, teria de se transformar em um verdadeiro lord inglês. Neste país, a principal experiência foi o contato com diferentes religiões – esteve aberto para qualquer uma que o convencesse – o que só fortaleceu sua credulidade no hinduismo.

O retorno à Índia mostrou-se frustrante, pois sua extrema timidez, aliada ao desconhecimento das leis indianas, o deixou inseguro. Assim, não recusou a proposta de trabalho na África do Sul – onde sofreu na pele a discriminação vivida por indianos e negros, assim como as limitações impostas pela hierarquia social daquele país. Ao perceber que o problema racial sul-africano estava muito mais entranhado naquele cotidiano do que poderia imaginar, prolongou a estada na África do Sul, a fim de combater pacificamente o racismo e defender os direitos dos indianos. Foi neste contexto que percebeu a importância de se assumir enquanto indiano. Organizou a comunidade indiana local e implementou trabalhos comunitários que melhorassem as condições de vida daquele povo. Com estas ações “Deus plantou os alicerces da minha vida na África do Sul e lançou a semente da luta pela dignidade dos indianos” (Gandhi: 1999, p.133). Várias conquistas sociais e politicas foram alcançadas. Como conseqüência, fundou-se em 1894 um partido político, o Congresso Indiano de Natal.
Com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Gandhi apoiou a participação indiana na guerra, como já o fizera em conflitos anteriores travados pelo Império Britânico – mesmo contrariando alguns companheiros. Acreditava, na época, “que o Império existia para o bem-estar do mundo” (Gandhi: 1999, p.273) e que “o erro era mais de cada funcionário britânico do que do sistema inglês” (Gandhi: 1999, p.300). Esta participação ocorreu, no entanto, no quadro dos servicos de saúde (unidades de ambulância), e ainda assim, muitos a contestaram, pois qualquer envolvimento em atividades de guerra não é condizente com o ahimsa (não-violência). Gandhi reconhecia a imoralidade da guerra, mas rebatia dizendo que a violência é inerente à vida humana. Portanto, o adepto da não-violência respeitará seu voto com fidelidade, pois a mola propulsora de suas ações, argumentava, fora a compaixão (Gandhi: 1999, p. 302). Assim, interromper a guerra ou libertar os demais da dor era uma obrigação daqueles que prezavam a não-violência.
A filosofia pacifista somada às experiências de vida no exterior contribuíram para que ele desenvolvesse um novo olhar sobre a Índia. O retorno à terra natal ocorreu ainda durante a Primeira Grande Guerra, quando sua saúde esteve fragilizada. Mesmo abatido fisicamente, Gandhi dispôs-se a conhecer os problemas dos indianos e a solucioná-los da forma mais justa possível. Atuou em prol de diversos segmentos sociais explorados no seu país, e muitas vezes empregou o jejum como um instrumento de luta, sem abster-se do diálogo e da argumentação, a fim de alcançar os objetivos propostos. Suas ações baseavam-se também na ideologia do satyagrha, que engloba os princípios da não-violência e o fim da acomodação diante da dominação sofrida pelo povo.
Desta forma, as idéias de “desobediência civil” e “não-cooperação” – pilares com os quais desafiou os colonizadores – tornaram-se perceptíveis na Índia, e também difundidas mundialmente pelos meios de comunicação. Um exemplo dessa desobediência civil está na organização do boicote aos produtos ingleses. Com ele a população indiana voltou a confeccionar suas próprias roupas, rejeitando os tecidos britânicos. O ápice de sua atuação, no entanto, se deu em 1930, quando, acompanhado por adeptos, Gandhi marchou cerca de 300 quilômetros em direção ao mar para obter sal pelo poder colonialista e que, portanto, só poderia ser obtido pelas vias britânicas. Conhecido como a Marcha do Sal, o ato simbólico também atraiu e mobilizou a atenção da imprensa internacional. Gandhi foi preso, mas a Inglaterra, pressionada pela opinião pública, o libertou e também revogou a lei do monopólio do sal.

Com o passar do tempo, o movimento de descolonização se tornou ainda mais forte, principalmente no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A Inglaterra voltava as atenções para a Europa – palco dos principais combates – e Gandhi, de acordo com seus ideais, não se aproveitou da fraqueza britânica durante este período, mesmo quando as pressões internas se tornaram cada vez maiores para que a Índia conquistasse a liberdade.
Gandhi não conseguira, entretanto, solucionar divergências entre hindus e mulçumanos. Embora quisesse unir no mesmo país os seguidores das duas religiões, ao perceber a possibilidade de uma guerra civil emergente, concordou com a criação de duas nações soberanas, que, de fato, emergiram no final da década de 1940. Os hindus concentravam-se na Índia, e seus antagonistas no Paquistão. Visando uma aproximação com os muçulmanos, Gandhi dispôs-se a visitar o Paquistão, a fim de demonstrar que todos eram filhos do mesmo Deus. Entretanto, um extremista hindu, contrariado pelas atitudes inclusivas do já então Mahatma (grande alma), assassinou o líder da Índia, em 1948.
As idéias de Gandhi, entretanto, não morreram. Estão perpetuadas, entre outras obras, em Autobiografia: Minha vida e minhas experiências com a verdade e nos pensamentos de A roca e o calmo pensar. Embora ambos os livros não analisem a independência da Índia em si, por terem sido escritos antes de sua efetivação, a partir dos registros do Mahatma Gandhi é possível perceber como a filosofia da não-violência tornou-se sua principal bandeira política. Ao demonstrar como dirigiu a vida em busca do engrandecimento espiritual, destacou-se, sobretudo, como um grande homem e não como uma figura mitológica. Ao refazer este percurso, o leitor constata que a independência da Índia, assim como também a força e o carisma de Gandhi, são conseqüências de um processo no qual o que está em curso é a conquista da tão sonhada liberdade.

Cronologia

• 1869 – Nascimetno de Gandhi e em Porbandar
• 1888-1891 – Estudos de Direito em Londres
• 1893-1914 – Período em que vive na África do Sul
• 1920 – Luta pelo boicote aos produtos ingleses
• 1930 – Campanhas de desobediência civil
• 1947 – Independência da Índia
• 1948 – Gandhi é assassinado por um extremista hindu

Glossário
Ahimsa: não-violência
Satyagrha: resistência pacífica

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