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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Isabelle Eberhardt, nasceu a 17 de fevereiro de 1877







Em Outubro de 1904 um rio transbordante arrasa as casas do bairro de Ain Sefra em Argel. Entre os escombros de uma casa humilde encontram o cadáver de uma mulher europeia. Pouco tempo depois descobre-se a sua identidade, é a escritora suíça Isabelle Eberhardt, que encontrou no Sara argelino a sua verdadeira casa e se integrou plenamente na vida dos nómadas. Da lama foram ainda resgatados os seus manuscritos e diários íntimos, que relatam os sete anos intensos vividos desde a sua chegada à Argélia, em 1897, com a idade de 20 anos.
É preciso ler os seus relatos, de um estilo directo e vigoroso, para compreender a complexa e fascinante personalidade desta mulher rodeada de uma aura de lenda. Ninguém como ela retratou as paisagens e as gentes do Norte de África e esses desertos infinitos com os quais sonhava desde menina.
Nestes mares de areia podia ser livre, viver longe do asfixiante ambiente familiar onde cresceu e foi educada. «Serei nómada toda a minha vida, amante dos horizontes que mudam, das paragens distantes ainda inexploradas, pois toda a viagem, ainda que às regiões mais frequentadas e conhecidas, é uma exploração», anotou no seu diário. A viagem iniciática ao Sul de Isabelle não teve nada de exótico; precisava de encontrar o sossego na solidão das dunas.
Isabelle nasceu em Genebra em 1877. Filha de pais russos exilados, foi educada como se fosse um rapaz pelo tutor, um filósofo extravagante e erudito chamado Vava. Foi ele quem lhe ensinou, entre outras coisas, grego, latim, turco, árabe, alemão, italiano e, principalmente russo. Desde muito jovem que despreza as peças de roupa femininas e prefere vestir-se como um rapaz. Os que a conheceram falam da sua ausência de feminilidade e das suas maneiras varonis. Nos escassos relatos que dela se conservam parece uma adolescente, mas é denunciada pela beleza excessiva dos seus traços.
Já nessa altura se sente fascinada pela cultura do Islão, lê o Corão, no original, e escreve árabe sem a menor dificuldade. Nas cartas que escreve refere-se a si mesma no masculino e utiliza nomes diferentes, entre eles Mahmoud Saadi ou Nicolas Podolinski. Durante a sua curta mas intensa vida, Isabelle jogará sempre com a sua identidade. A chegada à Argélia veste como um árabe, tem o cabelo cortado à escovinha e ninguém percebe que sob a túnica branca se esconde uma bonita europeia, muçulmana de coração.
O seu comportamento escandalizará a sociedade colonial, que não pode compreender que esta jovem vestida como um rapaz muçulmano, que só se relaciona com os nativos, chegue a ser membro de uma das confrarias muçulmanas mais influentes e viva um amor apaixonado com um muçulmano.
Depois da repentina morte da mãe e, mais tarde, do tutor, ela decidiu viajar até Tunes. Viveu ali, numa casa velha do bairro mais antigo. «Ali, na fresca penumbra, no silêncio apenas perturbado pelo canto melancólico das chamadas à oração, passavam os dias, deliciosamente lânguidos e de uma doce monotonia sem tédio…» Nas estreitas ruelas, que ainda hoje cheiram a jasmim, Isabelle perdeu-se dias a fio, aspirando os aromas e admirando os belos palácios e mesquitas. Não é difícil imaginá-la misturada entre a gente dos bazares, sentada nos cafés a discutir o Corão com muçulmanos ilustrados, ou talvez a contemplar o entardecer numa açoteia.
O deserto e a vida nómada dos seus habitantes iam ser outra das suas grandes descobertas. Depois do seu descanso em Tunes, Isabelle viajou até o Sara, percorreu o deserto de Biskra até Tuggourt e renasceu nela a paixão da viagem. Fez-se passar por um jovem tunisino em viagem de instrução espiritual. Quando finalmente chega a El Oued, descobre o grande oásis do Suf e a alma do País da Areia revela-se-lhe. Nunca esquecerá esta primeira visão. «Jamais, em região alguma da terra, tinha visto um entardecer ornamentar-se de cores tão mágicas…»
Um ano depois daquele encontro, regressou a El Oued com a ideia de ficar a viver ali. Era feliz a cavalgar pelo deserto, acompanhando as tribos de pastores nómadas nas suas longas deslocações e adormecendo nas suas tendas, debaixo das estrelas. «Grandes e belos são os nómadas…aqui estão em sua casa, na grandeza vazia do seu horizonte ilimitado onde vive e reina a esplêndida luz soberana», escreveu nos seus diários.
Com frequência caía vítima de malária, mas recusou-se a abandonar a vida de vagabunda que a tinha agarrado e além disso iniciou-se noutra vida marcada pelo misticismo. Poucos dias da chegada conheceu aquele que se tornaria seu companheiro inseparável, Sliméne, um jovem oficial árabe com o qual viverá um apaixonado amor. Durante a sua estada foi iniciada pelos importantes membros da importante confraria dos Quadirya e aprendeu as técnicas sufitas de êxtase místico. Tendo em conta o carácter fechado destas irmandades, é surpreendente que tenho sido aceite, sendo além de tudo o mais mulher e europeia.
Isabelle começou uma nova vida de retiro e pobreza, afastada da civilização, e estava cada vez mais segura de ter por fim encontrado o seu lugar no mundo: «Sim, eu amo o meu Sara com um amor obscuro, misterioso, profundo e inexplicável, mas real e indestrutível. Agora parece-me que já não podia voltar a viver longe destes países do Sul».
No entanto teve de abandonar à força a Argélia quando as autoridades francesas ordenaram a sua expulsão. A jovem rebelde, crítica do colonialismo francês, à qual não era perdoado o passado anarquista, era uma figura incómoda. Mudou-se para Marselha, onde a melancolia a invadiu. Sonhava apenas com o reencontro com Silmène, com quem se tinha unido num casamento muçulmano. Ao adquirir nacionalidade francesa regressou do exílio, estabeleceu-se em Argel, e continuou a escrever artigos, relatos e os seus diários.
A sua última viagem foi a Uchda, em Marrocos, e depois de percorrer o sul oranês, e sentindo-se já muito doente, regressou a Ain Sefra. Antes de morrer, e segura da sua recuperação, anotou nos seus cadernos: «Sei que voltarei a contrair a febre da vida errante, que voltarei a partir. Sim, sei que ainda estou muito longe da sabedoria dos faquires e dos anacoretas muçulmanos».
A lama acabou com a sua vida, mas salvaram-se as suas palavras carregadas de poesia que ainda fazem sonhar e estremecer os viajantes que se adentram na magia do Magreb e seguem as suas pegadas nas dunas do Suf.

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