Thomas More
Advogado de sucesso e Speaker do parlamento inglês desde 1523, Tomas More foi o mais significativo nome do humanismo renascentista das ilhas britânicas. A grande inspiração para redigir o clássico livro sobre uma sociedade perfeita - Utopia - o acometeu durante uma viagem diplomática a Flandres, em 1515. Estava de visita a Erasmo de Roterdã, seu amigo, que lhe havia dedicado o Elogio da Loucura, quando o holandês lhe apresentou o jovem Peter Gilles. Ocorreu-lhe então a idéia de utilizar-se de um personagem vindo de uma longa viagem, Rafael Hitlodeu, que lhe relataria o encontro com uma sociedade ideal.Fortemente influenciado pelos relatos feitos pelo navegante Américo Vespúcio, que vieram à luz em 1504, e pela formação platônica obtida nos seus tempos acadêmicos, resolveu, num rompante, escrever a obra. Erasmo, que testemunhou sua elaboração, disse que em pouco tempo More tinha feito o esboço principal, sendo o livro editado a primeira vez em latim, em dezembro de 1516. O desembaraço de Gilles e sua conversa solta serviram para que More o transformasse num personagem-narrador com quem dialoga e, ao mesmo tempo, descreve as maravilhas da Insula Utopia.
A sociedade perfeita de More
Como todos os humanistas, More desprezava os feitos guerreiros e tinha a pior impressão possível dos militares. Condenava igualmente o ascetismo dos padres e comungava com o bem-viver. Seu livro é uma exaltação ao comunismo, nos moldes das antigas irmandades cristãs, manifestando sua hostilidade a qualquer tipo de aquisição de propriedade. Como o velho legislador de Esparta, Licurgo, considerava o ouro apenas como um instrumento estratégico de que se deveria lançar mão para manter a paz ou obtê-la através da corrupção dos inimigos da Utopia. O trabalho é obrigatório, limitado, porém, a nove horas diárias. Nessa sociedade imaginária, o roubo simplesmente não existia, tornando anacrônico todo e qualquer sistema penal ou práticas de castigo físico. Como tantos outros humanistas e criadores de sociedades perfeitas, More acreditava na bondade natural dos homens, o que possibilitava a constituição de organizações perenes e justas que banissem o despotismo e a opressão.
Como homem do Renascimento, valorizava o conforto e olhava com simpatia a luta pelo bem-estar coletivo, desprezando a vida monástica com suas rezas, jejuns e cilícios. More também, no seu pequeno tratado da sociedade perfeita, aproveitou para denunciar as mazelas do seu tempo, tal como a política das enclousures, os cercamentos das terras comunais, ordenados pelos nobres ingleses que as transformaram em pastagens de ovelhas. Viu a tragédia que se abateu sobre os camponeses pois aquela acelerada concentração da propriedade fundiária impôs enormes sacrifícios aos pobres que, desalojados dos lugares de nascença, passaram a vagar como almas penadas pelos campos e vilarejos, entregues ao crime e ao castigo.
O aviltamento salarial que se seguiu, somado ao desemprego, jogou milhares na marginalidade, fazendo com que os serviços do carrasco fossem chamados para pendurar uns vinte condenados por dia nos toscos cadafalsos de beira de estrada. Muito antes de César Beccaria, More denunciou como vestígios dos tempos bárbaros as práticas da tortura e da sevícias a que os presos eram submetidos durante os processos investigativos.
Esse era o More intelectual. Mas como político, quando tornou-se Lord-Chanceler, entre 1529-1532, não mostrou contemplação nem tolerância para com quem fosse considerado inimigo do estado, fosse com os protestantes ou com quem mais divergisse do rei. Foi um católico tradicionalista com vida de asceta, que não permitia que o corte de cabelos lhe ultrapassasse a altura das orelhas, tal como Hans Holbein o pintou. Ao negar-se a apoiar Henrique VIII, quando do rompimento com Roma, foi encarcerado na Torre de Londres. Sucumbiu ao cutelo com dignidade, apenas permitindo a presença da sua filha adotiva. Era o dia 6 de julho de 1535. Foi um desses poucos homens ilustres, dos raros que freqüentavam uma Corte, que morreram por suas convicções.
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