Previsão do Tempo

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Morreu Eric Hobsbawm, o historiador do "século curto"



Faleceu hoje Eric Hobsbawm, aos 95 anos de idade. O historiador, para muitos o maior do século XX, foi durante toda a vida um marxista convicto, mas consideravelmente heterodoxo na sua visão dos processos económicos, sociais e políticos que marcaram a emergência da sociedade industrial, as revoluções e as guerras do mundo contemporâneo.

Hobsbawm deixa uma obra extensa, que confronta quaisquer breves notas cursivas por ocasião da sua morte com o embaraço da escolha. Mas à cabeça de uma bibliografia hobsbawmiana encontrar-se-á quase inevitavelmente a clássica triologia que dedicou ao século XIX: "A era do capital", "A era da revolução" e "A era do império".

Não releva do contrasenso que um século só pudesse tornar-se objecto de três obras de fôlego e de três definições aparentemente contraditórias. Para Hobsbawm, o século XIX foi um "século longo", que começou com a Revolução Francesa e que terminou com a Primeira Grande Guerra. O tipo de processos que o marcaram vinha anunciado de antes e continuou presente depois da charneira meramente cronológica.

O século XX, pelo contrário, foi um "século curto", que começa para Hobsbawm com a Primeira Grande Guerra e que termina antes da data redonda, com a queda do Muro de Berlim em 1989 e a desintegração da União Soviética a partir de 1991. Curto ou longo, foi um século cheio, de História fortemente acelerada, mas Hobsbawm já só lhe dedicou, em 1994, uma obra comparável às citadas anteriormente: "A era dos extremos".

Em 1983 publicou por fora desta série um trabalho fundamental, "A invenção da tradição", que oferece um olhar original sobre a fábrica de mitos geralmente associada à construção dos Estados-nação.

Nascido em Alexandria, Egipto, numa família de judeus britânicos, Hobsbawm vivera em Viena e depois em Berlim, que trocou pela Inglaterra em 1933, na sequência da tomada do poder pelos nazis.

Manteve-se filiado no Partido Comunista Britânico (BCP) até muito tarde, e a essa filiação se atribuem algumas posições políticas que tomou e foram objecto de controvérsia: preocupado em conservar para o BCP um espaço político com verdadeiro potencial de crescimento, Hobsbawm foi um aguerrido detractor da esquerda trabalhista de Tonny Benn, expondo-se por isso às críticas que lhe atribuem responsabilidade na vitória da direita trabalhista de Blair.

Para além de discussões políticas do momento, em que interveio com o horizonte limitado e grupuscular do BCP, Hobsbawm foi sem dúvida o mais marcante historiador da sua geração e continuou a publicar incansavelmente, até ao ano passado, obras de incontornável referência. A última foi "How to Change de World: Tales of Marx and Marxism" ["Como mudar o mundo: histórias de Marx e do marxismo"].

Oito anos antes publicara ainda um importante volume autobiográfico: "Interesting Times" - retrato de uma vida longa num século curto.


Ainda assim, não desistamos, mesmo que os tempos sejam insatisfatórios. A injustiça social precisa de ser denunciada e contrariada. O mundo não se tornará melhor por si só.

Assim termina a autobiografia de Eric Hobsbawm, o historiador marxista que dizia pertencer “à era da unidade antifascista e da Frente Popular”, que “continua a determinar o meu pensamento estratégico em política”. Também por isso era um dos meus intelectuais de eleição. Um historiador comprometido com tudo o que é humano, sem separações artificiais, cruzando várias disciplinas, incluindo a economia política, e explicações. Um historiador com atenção às palavras, às inventadas logo nas primeiras décadas do século XIX, “que são muitas vezes testemunhos mais vivos do que os documentos”, como afirmou no início da Era das Revoluções - “classe operária”, “capitalismo”, socialismo”. Palavras que ainda andam por aí. Fixou quatro eras, num trabalho de quatro volumes, ao longo de três décadas, e analisou-as – revoluções, capital, império e extremos –, da geopolítica internacional às músicas que se tornaram populares, sem perder o fio materialista à meada. Continuou a escrever depois da era dos extremos. A história não tinha acabado, mesmo que as derrotas tenham sido bem pesadas, e a força da razão também não. Escreveu sobre os de cima e sobretudo sobre os de baixo, até porque nas eras das revoluções se ficou a saber que os “pobres existiam como uma classe independente das classes dirigentes”. Escreveu sobre bandidos, sobre revolucionários, os de “serviço revolucionário obrigatório” e os imprescindíveis, e também sobre jazz. Contaram-me um dia que quando veio a Portugal, depois do 25 de Abril, para além de uma conversa com Cunhal pediu para ver a zona da reforma agrária. Sempre a história da “gente comum”, dos que fazem o melhor de que são capazes nas circunstâncias que são as suas. Viveu em tempos interessantes e pensou estrategicamente sobre eles. Morreu aos 95 anos. De facto, “o mundo não se tornará melhor por si só”.

Sem comentários:

Enviar um comentário