Previsão do Tempo

domingo, 4 de novembro de 2012

Sérgio Godinho - Que há de ser de nós?



Já viajámos de ilhas em ilhas
já mordemos fruta ao relento
repartindo esperanças e mágoas
por tudo o que é vento


Já ansiámos corpos ausentes
como um rio anseia p´la foz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?


Que há-de ser do mais longo beijo
que nos fez trocar de morada
dissipar-se-á como tudo em nada?
Que há-de ser, só nós o sabemos

pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós


Já avivámos brasas molhadas
no caudal da lágrima vã
e flutuando, a lua nos trouxe
à luz da manhã


Reencontrámos lágrimas e riso
demos tempo ao tempo veloz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós


Que há-de ser da mais longa carta
que se abriu, peito alvoroçado
devolver-se-á: «endereço errado?»


Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós


Já enchemos praças e ruas
já invocámos dias mais justos
e as estátuas foram de carne
e de vidro os bustos


Já cantámos tantos presságios
pondo o fogo e a chuva na voz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?


Que há-de ser da longa batalha
que nos fez partir à aventura?
que será, que foi
quanto é, quanto dura?


Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós

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