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domingo, 19 de maio de 2013

Extrato do romance "O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR" de Manuel Monteiro



Maria a minha impetuosa namorada nunca saiu do meu pensamento e do meu desgosto. Um dia disse-me:
– Não posso ir mais ao palheiro contigo. O meu pai quer que namore com o filho do morgado.
O pai de Maria era o regedor e queria casar a filha bem.
– Avó, fale com a Maria! Não deixe que ela se case com o filho do morgado!
– Meu pobre Pardalito: aí está uma coisa que não posso fazer. Somos pobres e a Maria, embora goste de ti, tem que obedecer ao pai.
Nem para o casamento fomos convidados. A avó foi quase às escondidas até ao largo da igreja para ver a Maria toda vestida de branco. Eu fugi para o rio. Tentei provocar um latagão que andava a guardar as vacas num lameiro próximo, mas ele, como se dava bem comigo, não ligou às minhas provocações verbais. Então, espantei-lhe as vacas e ele teve que correr montes e vales para as trazer de volta. Chegou ao pé de mim, deu-me um murro e afastou-se. Corri atrás dele, saltei-lhe para as costas, esmurrei-o na nuca, enquanto lhe chamava filho da puta. O calmeirão achou que já era provocação a mais. Deu-me tanta pancada que eu gritei que nem um desalmado. Mas aquela porrada atenuava a dor que eu sentia por ter perdido para sempre a Maria.
Quando a avó ouviu os meus gritos, foi ao meu encontro:
– Quem te fez isto?
– Fui eu próprio...
A avó entendeu tudo. Abraçou-me e chorou comigo.
Decidi abandonar de vez a aldeia. No dia anterior à partida fui, à noitinha, até à fonte onde as raparigas enchiam os cântaros de água para as lides domésticas. Ajudei algumas delas a colocarem o cântaro à cabeça. Quando chegou a vez da Maria, disse-me baixinho:
– Logo, por volta das onze horas, no palheiro...
Cheguei a casa, lavei-me e perfumei-me. A avó percebeu tudo, mas só me disse:
– Cuidado...
Cheguei mais cedo ao palheiro e deitei-me no mesmo sítio onde sempre me deitara com a Maria. Deram as onze e meia na sé de Vila Real e da Maria nada. Até que um vulto caiu sobre mim. Ah, aquele cheiro de fêmea impetuosa, aquele corpo que eu conhecia até ao mínimo pormenor...ali estava ao alcance do meu desejo!
– Só agora me pude despachar – disse ofegante. – E temos pouco tempo.
Tirou o vestido e por baixo não trazia mais nada. E ali estava a minha amada, nua, esplendorosamente nua. Deitou-se na palha e puxou-me para si. Eu também já me tinha despido.
– Fode-me! Fode-me toda!
Para além da habitual impetuosidade, eu sentia na Maria uma raiva e até um desespero que me retraiu um pouco. Ela não esteve com muitas cerimónias: agarrou no meu sexo e levou-o para dentro de si.
Depois de me sentir dentro daquele vulcão esqueci-me de tudo e procurei usufruir daquele momento, porque sentia que seria o último. Foi a própria Maria que o disse:
– Nunca mais nos encontraremos. Só espero que a tua semente germine em mim.
Não percebi o sentido daquela última frase, mas também não tive muito tempo para matutar nela. No fim, Maria beijou-me com toda a doçura:
– Adeus, meu amor...
Eu não disse nada. Absorvi apenas as suas lágrimas. Não lhe disse adeus. Não se diz adeus ao primeiro amor...
(Extrato do romance O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR)

Manuel Monteiro
Manuel Monteiro

O romance abarca três momentos fundamentais na vida de um homem: a sua infância em Trás-os-Montes, a participação na guerra colonial e a sua acção militante na revolução de 25 de Abril de 1974. Ao sentir a morte aproximar-se, decide recordar o seu passado e, sobretudo, o período exaltante da sua vida, que vai desde o nascimento numa remota aldeia transmontana até ao final da revolução. O romance não segue uma ordem cronológica. Vão sendo entrelaçados os acontecimentos da vivência na aldeia, da violência da guerra colonial, da exaltação dos momentos únicos da revolução.


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