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sexta-feira, 18 de março de 2016

Rio Ave - Da Cabreira até á foz




Das Pupilas do Senhor Reitor. 


Andava a pobre cabreira
O seu rebanho a guardar,
Desde que rompia o dia
Ate a noite fechar.

De pequenina nos montes
Não tivera outro brincar,
Nas canseiras do trabalho
Seus dias vira passar.
— Assim como tu - disse Daniel.

Margarida sorriu, fazendo com a cabeça um movimento afirmativo, e continuou:

Sentada no alto da serra
Pôs-se a cabreira a chorar,
Por que chorava a cabreira,
Ides agora escutar

"Aí! que triste a sina minha,
"Aí que triste o meu penar
"Que não sei de pai nem mãe,
"Nem de irmãos a quem amar

"De pequenina nos montes
"Nunca tive outro brincar
"Nas canseiras do trabalho
Meus dias vejo passar".

Mas, ao desviar os olhos
Viu coisa que a fez pasmar.
Uma cabra toda branca
Se lhe fora aos pés deitar.

— Assim, pouco mais ou menos - disse Daniel, pousando a cabeça nos braços encruzados sobre as urzes do chão.


Margarida prosseguiu:


Branca toda, como a neve,
Que nem se deixa fitar,
Coberta de finas sedas,
Que era coisa singular!
E, maliciosamente, com um sorriso de travessura infantil, passou os dedos por entre os cabelos de Daniel.

Nunca a tinha visto antes
No seu rebanho a pastar,
E foi a fazer-lhe festa...
E foi para a afagar...

E continuava a correr as mãos pela cabeça de seu jovem companheiro, que sorria.


Eis vai a cabra fugindo
Pelos vales sem parar;
Ia a cabreira atrás dela
Mas não a pôde alcançar.

E andaram assim três dias.
E três noites sempre a andar!
Até que a porta de uns paços
Afinal foram parar.

Chorava o rei e a rainha
Há dez anos sem cessar,
Que lhe roubaram a filha
Numa noite de luar.

E dez anos são passados
Sem mais dela ouvir falar,
Eis chega a cabreira à porta
À porta foi se sentar

"Ai que bonita cabreira...
E Margarida, ao cantar este verso, não pôde conservar-se séria, vendo Daniel levantar os olhos para ela.

Que lá embaixo vejo estar!
E uma cabra toda branca
Que nem se deixa fitar

Meus criados e escudeiros
Ide a cabreira buscar".
Isto dizia a rainha,
Este foi seu mandar.

Foram buscar a cabreira
E a cabra de a acompanhar
Até a sala dos paços
Onde o rei a viu chegar.

"Pela minha c'roa de ouro
Eu quero agora apostar,
Que esta é a filha roubada
Numa noite de luar".

Milagre! Quem tal diria!
Quem tal pudera contar!
A cabrinha toda branca
Ali se pôs a falar.

A seguinte quadra foi cantada também por Daniel e sem ofensa da harmonia:


"Esta é a filha roubada
Numa noite de luar,
Andou sete anos no monte
Quem nasceu para reinar!"

O resultado da intervenção de Daniel foi acabarem os dois a rir, com grande risco de deixarem incompleta a cantiga.


A rogos do seu companheiro, Margarida, passados alguns momentos, concluiu:


Que alegrias vão nos paços,
E que festas sem cessar!
A filha há tanto perdida,
No trono os pais vão sentar,

E vêm damas p'ra vesti-la
E vêm damas p'ra calçar,
E as mais prendadas de todas
Para as tranças lhe enfeitar

Vão procurar a cabrinha...
Ninguém a pôde encontrar;
Mas...

Foi olhando Daniel que a pequena Guida terminou:


Mas um anjo de asas brancas
Viram as céus a voar

E assim acabou a última quadra da xácara, e por algum tempo, as duas crianças se conservaram caladas, como se quisessem seguir ainda, até as derradeiras vibrações, as notas melodiosas daquela voz, ao desvanecerem-se no espaço.


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