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domingo, 23 de junho de 2019

Avelino Henriques da Costa Cunhal nasceu em Seia, a 28 de Outubro de 1887 e faleceu em Coimbra, na Sé Nova, em 19 de Fevereiro de 1966

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AVELINO CUNHAL (1887 – 1966)


Advogado, historiador, dramaturgo e artista plástico, foi um resistente da Ditadura do Estado Novo. Era um humanista, um homem íntegro e de grande carácter, com uma personalidade caracterizada por uma rara versatilidade.
Enfrentou com grande coragem e dignidade a opção de clandestinidade do filho, Álvaro Cunhal, e a violenta repressão fascista de que este foi vítima.

1. Avelino Henriques da Costa Cunhal nasceu em Seia, a 28 de Outubro de 1887 e faleceu em Coimbra, na Sé Nova, em 19 de Fevereiro de 1966. Era filho de José Henriques Jr. (Castanheira de Pera, 1850 - 1905) e de Umbelina Jeny da Costa Cunhal (Seia, 1858 - 1902). Com o seu irmão Alfredo Henriques da Costa Cunhal frequentou o Colégio do Piódão.
Casou em Coimbra, em 1908, com Mercedes Simões Ferreira Barreirinhas (Coimbra,1888 - 1971), e teve dois filhos e duas filhas: António, Álvaro, Maria Mansueta e Maria Eugénia. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e começou a exercer advocacia. Pouco tempo depois mudou-se de Coimbra para Seia, onde teve o cargo de Administrador do Concelho de Seia; fundou então a Sociedade de Propaganda e Defesa do Concelho de Seia, [terra onde se realizou o último comício republicano no regime monárquico com Afonso Costa]. Depois, em 1923, durante escassos meses, foi advogado e Governador Civil da Guarda. Foi advogado em Seia de 1917 até 1924.
Em 1924, a filha Mansueta morreu (aos 7 anos) e a família Cunhal foi viver para Lisboa, onde Avelino C. passa a exercer advocacia e a leccionar História.
Durante vários anos, Avelino C. foi professor de História no Colégio Valsassina, marcando profundamente aqueles que foram seus alunos (1).

2. Quando, em 1935, o filho Álvaro entra para a clandestinidade no PCP, Avelino Cunhal e Mercedes Cunhal já tinham perdido dois filhos: Mansueta e António (3 anos mais velho do que Álvaro), que morrera de tuberculose, com 24 anos.
A PIDE vigiava Avelino Cunhal à procura de uma pista que levasse ao filho. Depois de lhe invadirem casa e de sequestrarem a sua mulher e a filha Eugénia, durante três dias e três noites, os agentes da PIDE instalaram-se em sua casa até acabarem por prendê-lo. Avelino Cunhal esteve então alguns dias incomunicável em Caxias, forçado a comer no balde dos dejectos, uma humilhação com que, na cadeia, pretendiam atingir-lhe o filho.
Avelino Cunhal destaca-se como advogado nos tribunais fascistas na defesa de inúmeros presos políticos, acusados pela ditadura de crimes de subversão contra o regime.

3. Com uma postura intelectual e política inequivocamente democrática e antifascista, Avelino Cunhal consagra-se como artista plástico e aparece sempre integrado na corrente neo-realista, com trabalhos de intervenção social e política, na perspectiva da luta contra o regime. Participou em Salões da Sociedade Nacional de Belas Artes (Lisboa), e nas Exposições Gerais de Artes Plásticas (SNBA), tendo visto uma das suas obras apreendida pela polícia na segunda mostra, em 1947: «O menino da bandeira branca» (2).

Foi colaborador das revistas Vértice, Seara Nova e O Diabo. Escreveu dois romances, Senalonga (3), cujo tema é Seia, sua terra natal, e Areias Secas. Foi, ainda, dramaturgo, tendo escrito várias peças de teatro em um acto, estas sob o pseudónimo de Pedro Serôdio: Naquele Banco, Ajuste de Contas, Dois Compartimentos e Tudo Noite são algumas delas. Estas peças tinham claras intenções de intervenção social, pelo que foram alvo de censura (4). Há, porém, um outro romance, este só publicado em 2009: «Nenúfar no Charco». Escrito e ilustrado pelo próprio em 1935, altura em que a sua publicação foi proibida pela censura fascista, veio a ser apresentado numa sessão em que Domingos Lobo (crítico literário do Avante) identifica na obra "influências de Dostoiévski e Tólstoi, de Zola e Victor Hugo no realismo social sempre perseguido por Avelino Cunhal, tanto na literatura como no seu trabalho de pintor".

4. Avelino Cunhal foi visto pelo filho, Álvaro C., como um modelo de cidadania, que o ajudou na descoberta das artes, da literatura e do desenho; como um homem excepcional de carácter e de integridade, de quem recebeu muitos ensinamentos (5).

Avelino Cunhal faleceu em 19 de Fevereiro de 1966.

Notas:


(1) «Avelino Cunhal marcou para sempre a minha formação académica e cívica. A minha forma de pensar foi muito moldada pelo seu exemplo. Conheci-o no Colégio Valsassina em Lisboa em 1960. Foi meu professor de História nesse ano. Ensinou-me muito. Ficaram memoráveis as explicações que dava sobre a Antiguidade, os Grandes Filósofos, os Cidadãos de Atenas ou a Guerra do Peloponeso. Na aula, sentado ao canto esquerdo da mesa, ligeiramente elevado pelo estrado, perna traçada que evidenciava o uso de capas de feltro a cobrir os sapatos, Avelino Cunhal falava de forma muito expressiva, animada pelos movimentos dos seus braços estendidos e das mãos semifechadas colocadas em distintos planos.
Iniciei o ano escolar com Avelino Cunhal em Outubro de 1960. Poucos meses antes, em Janeiro, o filho tinha protagonizado a mais espectacular das fugas de presos políticos em presídios portugueses. (…) Pedi a meu Pai que me explicasse o que se passava com o filho do Professor. Foi então, com entusiasmo indisfarçável, que me relatou o sucesso da fuga de Álvaro Cunhal da prisão de Peniche. Conseguira fugir e nunca mais regressar até, catorze anos depois, ter trepado para cima do tanque do MFA que o esperou no aeroporto de Lisboa. Antes do final de 1960, abordei Avelino Cunhal quando subia o lance de escadas para o piso superior do corpo principal do Colégio. Disse-lhe que compreendia o desgosto que seguramente tinha em não poder ver o filho e que em minha casa estavam todos solidários. Pôs-me a mão por cima dos ombros, nada disse de concreto e continuou a caminhada, a meu lado, para a lição daquele dia. Seguiram-se, em diferentes ocasiões, cumprimentos do mesmo género. No ano seguinte, também lhe comuniquei que o meu Pai tinha ouvido o filho na Rádio Moscovo que, apesar das interferências ruidosas, era motivo frequente de atenção em minha casa. Avelino Cunhal morreu em Fevereiro de 1966. Estive no cemitério do Alto de São João. Era um dia de chuva intensa. Algumas dezenas de pessoas aglomeraram-se no pátio interior junto ao portal principal. Todos esperavam a urna. Percebia-se a presença da polícia. Os agentes da PIDE à entrada estavam inquietos. Sentia-se a tensão. Ambiente pesado. Subitamente, ouve-se vozearia para apoiar o motorista de uma camioneta que tentava acertar a manobra para entrar no portão apertado. Era um camião de caixa aberta que transportava uma coroa gigante de flores vermelhas. Na enorme faixa que a atravessava lia-se: “DO TEU FILHO ÁLVARO”. Foi preciso um guindaste para movimentar a própria coroa. A emoção conjugou-se com a satisfação pelo destaque que a coroa naturalmente assumiu.» – Francisco George, Fevereiro de 2011, “Dossier de lutas”, in http://www.franciscogeorge.pt/10201.html

(2) As Exposições Gerais de Artes Plásticas foram realizadas anualmente pela Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, entre 1946 e 1956, com excepção de 1952, ano em que a SNBA esteve encerrada pela PIDE. A I Exposição Geral de Artes Plásticas foi um êxito, até junto da crítica mais conservadora, que não se apercebeu das intenções de intervenção política. Esse êxito aumentou na segunda (1947), principalmente depois da crítica avassaladora do Diário da Manhã, que denunciava o seu carácter subversivo. Este facto provocou a intervenção do Governo, que enviou à SNBA o próprio Ministro do Interior, Cancela de Abreu, acompanhado pela PIDE. Desta intervenção resultou a apreensão de obras de vários artistas, entre os quais, Júlio Pomar, Avelino Cunhal e Manuel Ribeiro de Pavia.

(3) «De Avelino Cunhal conhecemos o pícaro mordaz, a agudeza metafórica dessa magnífica colectânea de contos que é Senalonga, livro que só por si mereceria atenta e demorada análise, não apenas pelo estilo satírico (herdado do Eça, de Camilo, de Aquilino) mas pelo novo que essa escrita imprime na desmontagem de uma realidade rural que era tudo menos plácida e ingénua, visão contrária, portanto, ao que o idealismo burguês de Júlio Dinis profusamente desenvolveu e difundiu. A mordacidade cósmica da escrita de Avelino Cunhal denuncia em Senalonga, com desarmante humor, os peralvilhos, os oportunistas e os demagogos de todos os quilates. O conto sobre a inauguração de um urinol público é paradigma dessa argúcia, desse derribado humor.
A crítica pouco tempo e espaço dedicou à análise da obra de um escritor que foi parco em títulos publicados – o referido Senalonga e Areias Secas, este último publicado pela Caminho em 1980 (14 anos após a morte do autor, ocorrida em 1966) e uma colectânea de 3 peças de teatro em 1 acto, saída numa colecção da Prelo, dirigida por Luís Francisco Rebello» – Domingos Lobo, no Jornal Avante, 22 de Outubro de 2009.

(4) Constituíram «uma das raras presenças do neo-realismo na literatura dramática portuguesa» (Manuel Alves de Oliveira, 1990).

(5) Avelino Cunhal foi recordado pelo filho como um modelo de cidadania, que o ajudou na descoberta das artes, da literatura e do desenho; como um homem excepcional de carácter e de integridade, de quem recebeu muitos ensinamentos sobre o comportamento cívico. À sua Mãe, Mercedes, Álvaro C. referia-se como sendo uma mulher voluntariosa, profundamente crente, católica, possuidora de uma personalidade muito forte, que o tinha auxiliado muito em momentos da sua vida. Mercedes discordava profundamente das opções políticas do filho, e tendo já perdido dois filhos, sentia que a escolha que ele fizera os tinha levado a perder um terceiro. Essa dor está expressa numa derradeira carta que escreve ao filho, dizendo que já não tem forças para ir vê-lo à prisão.

Biografia da autoria de Helena Pato, a partr de:

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