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sábado, 27 de abril de 2013

O passado dos políticos que nos governam!


Pós-25 de Abril
Quando Durão era o Zé Manel


"Julgo que a proposta aprovada hoje neste plenário de estudantes candidatos ao primeiro ano e apresentada pela sua inter comissões de luta, órgão que todos souberam erguer para poder fazer avançar a luta é uma proposta inteiramente justa e que conduz no sentido correcto da luta .Que é no sentido de ingresso imediato da sua aplicação desde já e de exigir das autoridades governamentais a legalização; pois nós temos que ver que esta questão da luta contra o serviço cívico, que já foi vista o ano passado e temos que seja quem for que está no ministério da educação e da investigação cientifica, chamemos-lhe assim, defende essa medida, medida essa que não é mais que o reflexo da crise do sistema de ensino burguês, e medida essa que é inteiramente incorrecta, anti operária e anti popular que lança estudantes contra trabalhadores e trabalhadores contra estudantes."

O 25 de Abril até pode ter apanhado as pessoas desprevenidas ou ocupadas, mas o que foram fazer nos dias, meses e anos seguintes foi já da sua inteira responsabilidade. Ou irresponsabilidade? A pergunta correcta é "onde é que estava no pós 25 de Abril"? Durão Barroso, como se vê, era um marxista ferrenho e maoísta fanático; Jorge Coelho foi actor na UDP; Catalina Pestana bloqueou a ponte 25 de Abril. Texto de Maria Henrique Espada
A 11 de Março de 1975, Catalina Pestana e vários colegas do MES (Movimento de Esquerda Socialista), acharam que o mundo ia acabar e foram para a sede do partido, na Av. D. Carlos, em Lisboa. Foi lá que Catalina e um camarada receberam a ordem: "Vão invadir a margem sul." E os dois lá foram, directos à Ponte 25 de Abril, a bordo de um Honda 600 azul. O colega de aventura guiava e Catalina, que nem megafone tinha, gritava, cabeça fora da janela: "Camaradas, é preciso unirmo-nos, estão a invadir os ralis." Na ponte, dá-se finalmente o que Catalina designa como "a iluminação". Um dos dois diz: "Vamos bloquear a ponte." Atravessam a viatura no sentido norte-sul e passaram a pé para o outro lado. Conseguem parar um camião e pedem ao condutor: "Camarada, atravessa o camião aqui, é preciso impedir que passe a reacção." "Nós não éramos ninguém, éramos uns mangericos, mas ele atravessou mesmo o camião." Dez minutos depois havia vários camiões atravessados, estava feito o bloqueio. Catalina Pestana ainda hoje se ri quando lembra o episódio: "Aquilo era uma festa. Se um génio me desse hoje mais dez anos de vida, em troca daqueles dois que vivi a seguir ao 25 de Abril, eu não trocava."
A ex-Provedora da casa Pia concorreu, pelo MES, às eleições para a Constituinte, em 1975, como número nove por Setúbal, dada a sua ligação à margem sul (não a invasão, mas o facto de ter dado aulas no liceu). O partido teve um resultado lamentável, não elegendo ninguém, nem sequer o cabeça de lista por Lisboa: Eduardo Ferro Rodrigues. E percebe-se porquê, como explica o futuro secretário-geral do PS: "Tínhamos sessões com centenas de pessoas, mas dizíamos que era só para esclarecer e nunca fazíamos apelo ao voto, que votassem em quem quisessem. No final, as pessoas, espantadas, vinham-nos perguntar: "Mas então não querem que a gente vote?!"" Ainda bem que não votaram - o embaixador português junto da OCDE reconhece que, na altura, esteve do lado errado da História: "Vendo à distância, houve forças com que não estávamos que tiveram um papel fundamental para que a coisa não acabasse mal. Soares, Melo Antunes, Eanes, não eram pessoas que admirássemos."
O MES é um bom ponto de partida para detectar activistas políticos com futuro promissor, já que o seu primeiro resultado eleitoral é inversamente proporcional ao sucesso dos seus membros. Deu dois secretários-gerais do PS (Jorge Sampaio e Ferro Rodrigues), um Presidente da República (Sampaio) e exibe um invejável palmarés de ministros: Vieira da Silva e Augusto Santos Silva, no actual elenco de José Sócrates, David Justino, Alberto Martins, João Cravinho ou Augusto Mateus. Sampaio foi primeiro a sair, assustado com os caminhos do líder Augusto Mateus, que, lembra outro ex-membro, Joel Hasse Ferreira, hoje eurodeputado pelo PS, queria “cavalgar o processo revolucionário a de forma a ultrapassar o PCP”. O MES foi extinto em 1978, num mega-jantar no Mercado do Povo, em que foi notada a ausência de Mateus. Apesar dos destinos políticos diferentes, alguma lastro ficou. Quando, enquanto líder da oposição, foi questionado sobre se se aproveitava alguém do Governo de Durão Barroso, Ferro fez uma ressalva: “Talvez o ministro da Educação, que foi meu camarada.” “Achei-lhe graça”, ri David Justino.

Ser actor, e político, ao mesmo tempo, foi algo que Jorge Coelho não aprendeu no PS, mas na UDP, com passagem anterior pelo CCRML(Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas). A que também pertenceu Mariano Gago, actual ministro da Ciência e Ensino Superior, que na altura liderou a Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico. Os CCRML integram a UDP, em finais de 1974, e o agora CEO da Mota-Engil segue o movimento. À época, ser actor era importante por outro motivos que não a arte: assim se levava a revolução ao povo. E Coelho também tentou a sua invasão da margem sul por vias pacíficas, no Barreiro, em Almada, desempenhando peças de Brecht e Luís de Stau Monteiro. Na peça Sua Excelência, deste último, fez de Sua Excelência.
Na UDP encontrou vários jornalistas com quem mais tarde se cruzaria como político: estiveram lá António Peres Metello ("Isso é uma outra encarnação minha"), José Manuel Fernandes, director do Público, ou Henrique Monteiro, director do Expresso. E também o professor João Carlos Espada, director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, colunista do Expresso, agora um liberal convicto, e "besta negra" da esquerda. O seu reitor, o da Católica, Manuel Braga da Cruz, por sinal, andou pelo MES.
António Vitorino não andava a longe. Esteve na FSP (Frente Socialista Popular), a cisão do PS protagonizada por Manuel Serra, ele próprio cinde, e junta-se a alguns ex-MES no MSU (Movimento Socialista Unificado), onde também está Braga da Cruz. Uma testemunha das negociações, Hasse Ferreira, conta que, aos 18 anos, Vitorino marcava pelo discurso e não só: “Era um cabelo... Muito, muito, muito cabelo, comprido, castanho.”

Se Coelho era actor, Nuno Ribeiro da Silva, ex-secretário de Estado da Energia de Cavaco Silva e presidente da Endesa Portugal, era cantor. Cantava no GAC, Grupo de Acção Cultural-Vozes na luta, ligado à UDP, onde dominava a voz de José Mário Branco. Cantaram por todo o país, em auditórios, em greves e em acções de rua, no estrangeiro (Franco, em Espanha, correu-os a gás lacrimogéneo) e no festival da canção. O empresário entoava: "A cantiga é uma arma e eu não sabia, tudo depende da bala e da pontaria." Mas o entusiasmo era maior que a consequência. José Mário Branco, num espectáculo no centro de reabilitação de Alcoitão, entusiasmou-se fez um discurso, e instou a assistência a cantar a Internacional, "de pé e punho erguido". Fez-se silêncio: estavam umas centenas de pessoas em cadeiras de rodas a ouvi-lo. Ribeiro da Silva tem uma "relação cordial com esses tempos." Quando foi para o Governo e perguntavam "quem era o fedelho", contava também o currículo político: "Andámos, gostámos e foi giríssimo." Mas nunca militou em nenhum partido, nem no PSD, a cujo governo foi parar por influência do amigo do Técnico Carlos Pimenta, um JSD de primeira hora, que lhe chamava "um marginal esquerdista".

Henrique Monteiro da OCMLP e depois da UDP, “a defender só coisas erradas e parvoíces que ainda hoje estamos a pagar. “Que mil flores desabrochem”, de Mao, era uma frase levada a sério, demasiado a sério. Henrique não apreciava a falta de sentido de humor. Apresentou um colega baixinho que ia intervir, dizendo “agora vai falar o maior marxista-leninista vivo” e ninguém se riu. Mas se a OCMLP (Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa), em Lisboa, contava pouco na extrema-esquerda – dominava o animado MRPP – a norte, no Porto, era um peso-pesado. Ao ponto de enxotar a concorrência. Como sabe Alberto Martins, líder parlamentar do PS, na altura no MES. Pedro Baptista, o líder da OCMLP na altura (e hoje candidato à distrital socialista do Porto), conta: “Começámos a preparar cerco ao Palácio de Cristal, (onde o CDS de Freitas do Amaral tinha marcado o seu congresso) um mês antes, e marcámos para as quatro da tarde. Quando chegámos, estava lá o Alberto Martins, mais uns, anteciparam-se e tinham chegado às três. Mas eram meia dúzia, as pessoas ficaram connosco, fomos nós que fizemos o boicote.” O ex-líder da OCMLP manteve sempre, apesar disso, uma relação cordial com Alberto Martins.

Também há experiências infelizes. O advogado Ricardo Sá Fernandes tem algumas boas memórias do MDP-CDE (O Movimento Democrático Português-Comissão Democrática Eleitoral) – chegou a discursar num comício com o Campo Pequeno cheio, e foi o mais jovem candidato à Constituinte, com 21 anos, a idade mínima, feitos dois dias antes do prazo. Era o número dez da lista por Lisboa, seguido de Artur Jorge, futuro treinador de futebol. Mas predominam as más memórias. Quando os trabalhadores do República invadiram o jornal e expulsaram o director, Raul Rego, Ricardo foi à sede. Na entrada, de um lado, havia os comunicados com a posição oficial do partido, de neutralidade. Do outro, um molho de caricaturas de Mário Soares, com uma mão no rabo e dizendo: "Ai que me deram no Rego." Sá Fernandes passou-se: "Disse-lhes, vocês são uns hipócritas". Já tivera pistas anteriores da hipocrisia: “Na direcção estava o Francisco Pereira de Moura, um católico progressista, e José Manuel Tengarrinha, mas quem mandava era o Lino de Carvalho e o Vítor Dias, que eram funcionários do PCP e estavam ali numa espécie de comissão de serviço!" Saiu no início de 1976.

José Lamego também tem histórias desagradáveis para contar do pós-25 de Abril. Ele, que era um símbolo do partido ­ - tinha 19 anos quando derrubou o pide que atingiu o estudante José António Ribeiro dos Santos, na faculdade de Direitoe levou uma bala numa perna e foi submetido a uma das mais longas torturas de sono da Pide, durante 16 dias consecutivos - deixou o MRPP (Movimento Reogarnizativo do Partido do Proletariado) quando chegavam Durão Barroso e Ana Gomes, em finais de 1974. "O Verão de desse ano já foi um delírio absoluto, de sectarismo, lutas de rua, as brigadas…" Ainda assim, manteve boas relações com o MR, sobretudo com alguns jovens, mas sempre os achou com falta de humor e excesso de “excitabilidade”. Num café de Coimbra, disse “por piada a uns miúdos do MR", que a sétima esquadra americana estava prestes a desembarcar na praia da Figueirinha, perto de Setúbal. Minúscula, por sinal. Uns dias depois, viu o general Costa Gomes desmentir na RTP que a Nato estivesse com intenções de intervir em águas territoriais portuguesas. "Nunca mais disse piadas."
Uns vão, outros vêem. Ana Gomes estivera nos CAC (Comités de Luta Anticoloniais) antes do 25 de Abril, e chegara a fazer comunicados, na garagem dos pais, com Maria José Morgado, antes do 25 de Abril, "nuns copiadores mal-amanhados", e, em Novembro de 1974, em Novembro, "eles chamaram-me, queriam tomar o poder ao PCP em Direito". Assistiu à chegada de Durão Barroso: "Numa assembleia geral da faculdade, foi a primeira vez em que ele apareceu, fez um discurso tão empolgante que alguém disse logo, "peguem nesse miúdo". Acabou na direcção da associação". Que Ana Gomes também integrou. Passou a ir nas tais brigadas de que Lamego não apreciava. Na noite em que morreu Alexandrino de Sousa, afogado no Tejo junto ao Terreiro do Paço, Ana teve sorte: saíram duas brigadas de colagem de cartazes (que às vezes acabavam em batalhas campais com brigadas de outros movimentos). Ana ia na outra. Na de Alexandrino, ia uma ex-namorada de Durão: “Estávamos a colar cartazes e chegou um grupo com carrinhas, barras de ferro, da UEC. Foram-nos empurrando até ao rio, à tareia.” Alexandrino não sabia nadar. Quanto a Durão, recorda-o assim. “Muito culto, e na faculdade incendiava as audiências. É muito curioso vê-lo agora com um discurso institucional.”
Margarida Sousa Uva, a futura mulher de Durão Barroso, não foi para ao MRPP por afinidade, mas por convicção. Foi Lamego que lhe aprovou a entrada sem a conhecer, com uma recomendação de Saldanha Sanches: "É linda como uma virgem de Boticelli." Garcia Pereira foi advogado do caso da morte de Alexandrino de Sousa. Só ele se mantém do MRPP. Até Fernando Rosas, outro histórico do MRPP, emigrou para outras bandas. João Soares, que nunca foi do MRPP, era solidário na pancadaria: "Tudo o que era acção directa ele alinhava connosco", recorda Lamego, que o reencontraria no PS. Como reencontraria Ana Gomes, que criticou a sua ida para o Iraque, como representante português na administração provisória. Hoje não se falam. Coisas de família – política, entenda-se.
No início deste ano, a procuradora Maria José Morgado descreveu-se assim ao El País: "Éramos um grupelho de universitários. Eu era uma marrona maoísta, uma criatura absurda". E ainda: "Arquétipos estúpidos e lunáticos. Queríamos tomar o poder e globalizá-lo. Ainda bem que não o tomámos”

Olhando para a actual classe política, muita gente conheceu muita gente no pós 25 de Abril. Há duas hipóteses de explicação: ou o país é mesmo pequeno, ou a extrema esquerda foi grande. E à direita? À direita havia menos gente, menos movimentos e menos animação. Pedro Santana Lopes fundou o MID (Movimento Independente de Direito), na Faculdade de Direito, onde também esteve Nuno Rogeiro. Paulo Portas militava, imberbe e sem idade para aventuras, na JSD. Na direita vista como mais radical, pontuava o MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal), que agregou os spinolistas, onde esteve José Miguel Júdice, com vinte e poucos anos, e que já passara pelo MFP (Movimento Federalista Português), que defendeu uma solução federalista para o problema colónia. Foi preso a 28 de Setembro de 74, e novamente no 11 de Março. Durante o gonçalvismo, foi para Espanha um ano, e “fazia trabalhos políticos ou jurídicos, consultas” para o movimento. Não lamenta nada: “Não. O que fiz fi-lo com grande idealismo, se voltasse a ter aquela idade voltava a fazer o mesmo. É bom ser-se radical quando se é novo, é mau é ser-se radical quando se é velho.”

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