Deixem -me ter vida própria
Viver numa terra pequena já não é sinónimo de vida tranquila. O tempo já não se alonga para abarcar tudo o que temos de fazer no dia-a-dia. Olhamos para trás com saudade mas … o tempo não volta atrás.
O que mudou na cidade?! Nada, rigorosamente nada. A vida na cidade corre serena como o rio que a embeleza. Alteraram-se percursos de vida e …as pessoas mudaram.
A estrada da vida é para a frente e é demasiado curta e, o dia de hoje já é passado. E, se queremos avançar, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova.
Na escola, onde se devia falar de alunos, fala-se e vive-se avaliação de professores. É indicado um caminho a seguir, por alguém sem nome e sem rosto, cheio de labirintos, papelada e múltiplas tarefas para o professor desempenhar, num verdadeiro caminhar por um túnel sem luz e sem fim à vista em cima de um iceberg. Para não falar da delirante teia burocrática que acompanha todo o percurso. E, num perfeito desnorte, todos seguem pelo mesmo caminho. Alguns vão dando passadas largas, carregados de papelada, mas felizes porque esta caminhada veio preencher um qualquer vazio pessoal e íntimo. Outros nem por isso, mas concordam como sonâmbulos em seguir o mesmo caminho resignados na fila. Os que fazem ouvir a sua voz, vão ficando sozinhos e impotentes. Eles bem tentam compreender as razões profundas e intimas de tal resignação, gritando-lhes que aquele não é o melhor caminho, mas sem resultado! Dá vontade de trazer para nós a força e a vontade de dizer não, que a juventude desfilou e exibiu nas ruas do Cairo. Está tudo louco! Chega, vamos mudar! Estamos a repetir a história para quê? Foi para isto que marchámos em Lisboa? O que aconteceu de tão relevante para haver esta radical mudança de atitude?
E há gente contente!
Como calço quase sempre sapatilhas, consigo andar bem de costas e de frente e até de lado, só não vou em pino, porque a idade já não convida a tal, pelo que vou acompanhando a fila e ouvindo as pessoas. E depois move-me uma força interior, que não consigo explicar, quando sinto injustiças, alguém triste, alguém sem voz. E a minha garganta aclara-se e livremente sai o que me vai na alma, por vezes, até mal interpretada. Os professores estão desmotivados, frustrados, e cada vez se sentem a mais, como se estivessem a ver um filme de terror ou de drama, da sua vida actual e futura!
E há gente contente!
Quase não temos tempo para nos encontrarmos uns com os outros, deitar conversa fora ou até rir, sem que tenhamos que nos preocupar que falta fazer o documento A ou B. Há uns anos atrás estes documentos serviam para mostrar com orgulho: olha o que fiz para a turma X! Oh, que interessante, empresta-me! Agora o discurso é: olha o que tenho que fazer para entregar ao relator e/ou coordenador! E o outro: isso serve para quê, não lembra ao diabo?!
Bem diferente este partilhar de experiências que sempre enriqueceu o trabalho de um professor e assim deveria continuar.
E há gente contente!
Mas o que mais me preocupa é a desconsideração cada vez maior relativamente à profissão, não do ministro A ou B, ou sequer da opinião pública que é sempre mordaz, mas a que já estamos habituados. Não, agora é dentro de portas, entre colegas! Criou-se um clima de competição que está a deixar moribundo o espírito de partilha entre pares, que sempre existiu, e que provoca um crescendo de conflitualidade dentro da escola. O ambiente crescentemente asfixiante, quer de preocupações quer de papelada, está a cobrir-nos quais mineiros no Chile, e mineira é uma das profissões que eu nunca escolheria por ser claustrofóbica. E vamos sufocando e trabalhando. Exigem-nos versatilidade a dominar todas as ferramentas do office, para além da quase obrigação de verificar, com frequência diária, o correio electrónico.
E há gente contente!
E alguns professores apenas perguntam: Tenho de pedir desculpa por querer ter vida? Tenho de pedir desculpa por ter marido/mulher e filhos que precisam de mim! Tenho de pedir desculpa por adorar visitar os pais ou outros familiares! Tenho de pedir desculpa por querer ler um livro, assistir a um filme, despreocupada e sem remorsos! Tenho de pedir desculpa por querer dedicar tempo a mim! Tenho de pedir desculpa por não querer trabalhar aos fins-de-semana para a escola! Tenho de pedir desculpa por ter filhos pequenos que reclama a mãe/pai para a brincadeira! Tenho de pedir desculpa por o marido/mulher querer dar um simples passeio num fim de tarde bonito. Não, não, não! Não devo pedir desculpa.
Mas há gente contente!
Quero ter todo o tempo do mundo para enriquecer a minha pessoa com outras vivências, que não o trabalho. Como podemos compreender e relacionarmo-nos com os jovens com quem convivemos se não partilharmos nada com eles? O facto de termos vida para lá da escola, alarga-nos horizontes e a nossa história de vida torna-se mais rica, mais diversificada e mais feliz, o que será uma mais-valia para os alunos colherem referências que poderão vir a ser úteis na sua vida.
Mas há gente contente!
O tempo para ensinar já não é o mesmo. Os professores andam sobrecarregados de trabalho e já não têm o tempo, nem a serenidade, para o que é mais importante: as aulas e a disponibilidade para os alunos. Claro que não descuram esta tarefa, mas têm que ir buscar o tempo que lhes falta ao seu tempo livre. A escola não pode vir em primeiro lugar em relação à pessoa e à família! Mas agora está tudo invertido!
Sente-se também o medo. Sim, é verdade. O medo está instalado. Noto-o, sinto-o, sussurram-no.
E medo de quê? De gritarem alto o que lhes vai na alma, de terem que fazer tudo o que lhes é pedido sem perguntar porquê? E eu apenas posso fazer isto, escrever também o que me vai na alma e motivar a que falem até que a voz lhes doa.
E há gente contente!
Revejo-me no testemunho de um autor, que não lembro o nome, ao afirmar: Eu não venci todas as vezes que lutei. Mas perdi todas as vezes que deixei de lutar.
Por isso continuarei a dizer bem alto:
DEIXEM-ME PENSAR POR MIM! DEIXEM-ME SER FELIZ! DEIXEM-ME TER VIDA PRÓPRIA!
Março 2011
Helena Varela