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quarta-feira, 11 de maio de 2011

Afonso Costa, o mais amado e odiado político da I República

Beja Santos 
Uma das grandes esperanças que se punha na República era a de pôr um ponto final no declínio em que vegetava Portugal. Entender esse primado cultural, essa obsessão da propaganda republicana, exige, obrigatoriamente, que se conheça o papel de Afonso Costa ao longo dos últimos anos do século XIX e se acompanhe o seu desempenho na fundação da I República. Afonso Costa, mesmo quando não está em S. Bento ou no Governo é uma figura indispensável na história do país (por exemplo, como chefe de delegação na Conferência de Paz e no processo de ratificação do Tratado de Versalhes).
A biografia de Afonso Costa, por Filipe Ribeiro de Meneses (Texto Editores, 2010) é um documento admirável para nos fazer compreender o lugar deste dirigente do Partido Republicano Português e antigo primeiro-ministro.
Comecemos pelo regicídio, em 1 de Fevereiro de 1908. A monarquia caminhou a passos largos para um beco sem saída, nenhum dos problemas essenciais parece ter solução: dívida externa esmagadora, produtividade e rendimentos muito baixos, cada vez maiores dificuldades em exportar e todo o desenvolvimento industrial dependente de importações; em 1900, 74% de todos os portugueses com mais de sete anos eram analfabetos; numa população de cerca de 5,5 milhões o eleitorado estava limitado pela obrigação de saber ler ou escrever. O descontentamento, depois do Ultimato de 1890, acentuou-se. O único consenso existente entre monárquicos e republicanos era a preservação do império colonial. Nesse ano de 1890 os republicanos eram uma força diminuta, mas tinham uma estrela em ascensão, Afonso Costa. Em Coimbra, onde conquistou os seus títulos académicos com brilhantismo, cedo começou a ganhar notoriedade e a apelar à abolição da monarquia, a exaltar a república e a educação do povo em nome do progresso científico. Aos 28 anos era professor catedrático, começou a viajar ao estrangeiro, e tornou-se numa estrela política. Em 1900, as suas intervenções no parlamento põem a câmara em fúria. O talento de Afonso Costa como advogado tornou-o num dos profissionais mais requestados. Dedicou-se ao jornalismo e voltou ao parlamento em 1906. Com a ditadura de João Franco, gera-se o sentimento que a salvação do país passa por uma renovação da classe política e uma alteração de regime. E em 5 de Outubro de 1910 a monarquia cai desamparada, praticamente sem ninguém que a defendesse.
Nunca se esclareceu devidamente o papel de Afonso Costa no triunfo da revolução. Os seus inimigos dirão o pior possível do seu comportamento. Em 8 de Outubro, aparece por si assinado um comunicado publicado no The Times fala em uma ordem perfeita e um entusiasmo imenso em Portugal. Seguem-se as prioridades para o novo regime: desenvolver a educação e reforçar as defesas nacionais; desenvolver as colónias; garantir a total independência do sistema judiciário; estabelecer o sufrágio livre e universal; encontrar remédio para um verdadeiro equilíbrio orçamental; banir os monges e freiras de acordo com as leis seculares; separar a Igreja do Estado. Afonso Costa é o ministro da Justiça do governo provisório. E começa a legislar febrilmente: a liberdade de imprensa, a introdução do divórcio, obrigatoriedade da renda de casa passar a ser paga todos os meses e não semestralmente. Torna-se implacável, rodeia-se da família no Governo, escorraça quem não acata as regras por ele esclarecidas. Os próprios colegas temem que ele faça descarrilar o novo regime, isto quando ele diz alto e em bom som que dentro de três gerações estará extinto em Portugal o catolicismo. A vida dentro do Partido Republicano torna-se tumultuosa, a linha preconizada por Costa contestada e levando à fragmentação do partido. Tendo formado o Governo, apresenta um orçamento com saldo positivo. E no Verão de 1914 eclode a I Guerra Mundial, a classe política divide-se e Afonso Costa torna-se na locomotiva da intervenção de Portugal na Guerra. Os republicanos estão informados de que a Grã-Bretanha e a Alemanha se preparavam para retalhar as duas principais colónias, era preciso encontrar um aliado firme e inventar um inimigo declarado. Em Angola, e depois em Moçambique, os alemães atacam, o Governo português é obrigado a mobilizar tropas. Portugal irá sofrer vários desaires, isto enquanto se prepara um clima propício para entrar na guerra, o que só acontece em 1916, com o apresamento dos navios alemães. Filipe Ribeiro de Meneses descreve primorosamente a lógica de Costa e os jogos de cintura até se fazer desembarcar o CEP – Corpo Expedicionário Português na Flandres. O descontentamento grassa em Portugal, com as privações e a carestia de vida. E em 9 de Abril o CEP é brutalmente atingido, um contingente de largos milhares de homens é capturado pelos alemães, isto enquanto parece ter triunfado a ditadura de Sidónio Pais.
Esta biografia dá-nos um quadro rigoroso e preciso do papel de Afonso Costa na delegação de paz e a defesa que esteve a seu cargo dos interesses portugueses. Como é sabido, os nossos grandes aliados negaram-nos, no essencial, o direito às reparações de guerra. A desagregação interna cresce, as potências vencedoras lançam dúvidas sobre a capacidade colonizadora de Portugal. Afonso Costa radica-se em Paris, consciente de que o seu desempenho político se tornou menos amistoso e que conquistou um número impressionante de inimigos. Apesar de tudo, ele continuará a ser o cérebro do Partido Democrático.
Em 28 de Maio de 1926, um movimento chefia pelo general Gomes da Costa afastou a estrutura política democrática e com a ditadura militar e com a consolidação de Salazar, a estrela de Afonso Costa apaga-se. Ele ainda tenta insurreições em Portugal e, a nível internacional, mobilizara opiniões contra a ditadura. Em vão. O novo poder trata-o como um traidor da Pátria. Curiosamente, Salazar referir-se-á sempre a ele como o “Doutor Afonso Costa”, não está apurado se por praxe entre universitários de Coimbra se por respeito à obra desenvolvida no saneamento financeiro.
O regime que emergiu do 25 de Abril de 1974 ignorou a filosofia política de Afonso Costa, até mesmo o Partido Socialista. Como escreve o autor, “O sistema parlamentar pós-1974 foi construído de forma a evitar as possibilidades de um retorno aos cenários pré-1926, introduzindo o sufrágio universal, um presidente eleito por voto popular com poderes para dissolver o Parlamento, grandes círculos eleitorais destinados a impossibilitar o caciquismo na política nacional e uma relação institucional com a Igreja Católica. Foi uma nova partida, não um regresso ao Portugal de Afonso Costa”.

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